Mario D’Andrea assumiu recentemente a presidência da associação das agências de publicidade, a Abap, num momento de mudanças dramáticas no mercado. Depois de ver seu faturamento encolher e seu modelo de negócio virado do avesso pelo Google e Facebook, agora as agências também enfrentam a concorrência crescente das grandes consultorias globais, que descobriram, enfim, os departamentos de marketing das empresas.

10343 597cc1db 8854 0000 028a f9ae3ab2018cPela primeira vez na história, quatro grandes consultorias — Accenture, PwC, IBM, Deloitte —  entraram para o ranking dos 10 maiores conglomerados de publicidade. Juntas, as unidades de marketing dessas consultorias faturaram US$ 13,2 bilhões em 2016, e ficaram logo atrás de WPP, Omnicom, Publicis, Interpublic e Dentsu, as gigantes globais do setor. 

A composição da nova diretoria liderada por D’Andrea, que preside a Dentsu Brasil, mostra o tamanho do desafio que o setor tem pela frente: pela primeira vez, toda a diretoria é formada por jovens criativos no auge de suas carreiras e à frente das maiores agências ou grupos de agências do país. 

O briefing dessa geração: reposicionar as agências, recuperar o protagonismo no dia-a-dia das empresas e, com isso, estabelecer novas formas de remuneração (até pouco tempo dependente do famoso ‘bônus por volume’, o BV.)

Abaixo, a conversa do Brazil Journal com D’Andrea.

Qual o papel das agências num mundo em que você pode anunciar por meio de algoritmos?

O mercado mudou, e a relação com o mercado tem que mudar. Quando minha filha pergunta o que eu faço, não posso falar que faço anúncio. Isso é muito pouco. Nós não fazemos anúncio; nós produzimos riqueza. Acho que um dos nossos papéis vai ser demonstrar essa importância para o mercado.

Replicamos aqui no Brasil um estudo da Deloitte feito na Inglaterra. Lá, cada uma libra investida em propaganda movimenta de 9 a 10 libras. Aqui, cada real investido na atividade de propaganda gera R$ 10,69. É quase 11 vezes mais. Isso é a movimentação direta e indireta, e inclui por exemplo, venda de carro, de cerveja em lata – setores em que a marca é fundamental. Se você tira a marca ninguém sabe quem é quem. Skol era cerveja de pedreiro, o ‘Desce Redondo’ ajudou um pouquinho. Havaianas é um pedaço de borracha com uma marca em cima. Isso chama-se produzir riqueza. Quantos empregos foram gerados com essas campanhas? Quantas fábricas foram construídas? Claro que não é só trabalho de agência, mas sem os profissionais envolvidos, isso não teria acontecido. 

O modelo de agência brasileiro, que nasceu baseado em comissões, está ultrapassado?

O modelo brasileiro que tanta gente fala e critica sem conhecer direito foi construído há 50 anos e regulamentado por duas leis federais expressas. A primeira é de 1965. A segunda, de 2010, regulamentou as licitações públicas. Esse modelo foi criado por três grandes forças (agências, anunciantes e veículos) para organizar o mercado e facilitar a venda de anúncios. Na época, não se sabia nem como faturar. Aí se desenhou um modelo no qual o veículo, quando houvesse compra de mídia, daria um desconto, que iria para a agência. Isso simplifica o departamento de vendas do veículo. E eu tenho um técnico no meio do caminho, o cara que vende a melhor mídia para aquela marca. Por trás do modelo estava a ideia de que, fortalecendo as agências, eu garanto conteúdo de qualidade. Na época, a propaganda era sofrível e as emissoras perdiam audiência quando o consumidor mudava de canal. Foi um movimento para melhorar a qualidade do conteúdo comercial.

Mas essa realidade mudou com a chegada dos gigantes digitais como Facebook e Google…

O digital chegou depois e não está enquadrado nesse modelo. Ainda. Os grandes players no digital falam que não são veículos. Mas vamos combinar: transmito show e jogos ao vivo, vendo pacote de patrocínio, e não sou veículo? Você pode ser uma empresa de foguete, mas se vendeu mídia na lateral, é veículo. 

No offline, eu tenho parâmetro para comprar mídia e depois auditar, por meio de uma empresa terceirizada. No digital, quem faz isso é o próprio veículo. E ele hoje vende 7 segundos, depois diz que vai ser 5. Em defesa dos meus clientes, eu tenho que ter mais segurança.

Está havendo uma discussão para estabelecer regras comerciais para o ambiente digital. O Cenp (Conselho Executivo das Normas-Padrão, responsável por estabelecer as práticas de mercado entre agências, anunciantes e veículos) já escreveu uma primeira minuta e agora está aberta a discussão. Estão todos participando, agências, veículos digitais.

Acha que vão conseguir convencer os players digitais a abrir seus dados?

Alguns players já estão bem dispostos a discutir.

Quem?

Não posso dar nome. Mas já tem gente falando que quer participar. Nossa proposta é para aperfeiçoar o modelo, não botar fogo em Roma, jogar tudo fora. No digital e no offline. E a discussão está rolando mais rápido do que eu esperava. Lá fora, a associação britânica de anunciantes (ANA, Association of National Advertisers) levantou um baita dinheiro só pra fazer testes no digital, para desenvolver os próprios parâmetros. Eles não confiam nos veículos digitais e resolveram fazer por conta própria. Lá é ainda pior que aqui. A Procter & Gamble foi a primeira a levantar a bola. Cortou US$ 140 mi de investimento no mundo no digital. Cortou e não se sabe se fez diferença pois não se consegue medir. Os anúncios saem em qualquer lugar. Quando eu faço 30 segundos no Jornal Nacional, uma página na Veja ou no Estadão, eu sei exatamente onde vai sair.

A pressão dos anunciantes está fazendo a conversa avançar?

Quando mexe no bolso, todo mundo corre. Alguns anunciantes estão conversando individualmente, outros via agências. Está tendo um amplo debate informal no mercado ainda. Mas já tem muita gente falando por escrito. Está se criando um grupo de trabalho, o IAB Interactive Advertising Bureau, que representa Google, Facebook, Twitter e afins) vai indicar representantes. Nada será feito a revelia. 

Nos últimos anos, as grandes consultorias descobriram o mundo do marketing e da publicidade. Como você vê essa concorrência? 

Dos 10 maiores grupos de publicidade hoje, quatro são consultorias. Eles aprenderam? Não, compraram grandes agências digitais. Offline, nenhuma. Aqui no Brasil não tinha o que comprar – os grandes grupos já tinham comprado todo mundo. Por isso estão contratando gente. Era meio inevitável. Essas consultorias falam com o CEO das empresas — enquanto as agências falam com o diretor de marketing.
 
E havia uma grande fatia do negócio das empresas, que é o investimento em marketing, que estava fora do escopo das consultorias. Elas falam de logística, produção, RH. Viram quando tem de dinheiro e quiseram brincar também. Não vejo nada de errado nisso. O problema são eles falarem que o modelo está falido. Falam isso e contratam quem estava na agência até hoje. Estão ganhando mercado destruindo o mercado. Mas estou adorando eles entrarem. Primeiro: eles sabem cobrar e cobram bem para caramba. Cobram por hora homem, enquanto a gente ficou tão dependente de comissão de mídia que não sabe como cobrar. Vamos aprender com eles. Já demos muito trabalho de graça para clientes. Pergunta pra consultoria se ela topa apresentar um projeto inteiro e, se eu gostar, eu pago. Não há o menor risco. A consultoria fala: “Eu penso assim, está aqui o que eu já fiz. Se gostar, esse é o meu preço.” As agências fazem uma campanha de graça para participar de uma concorrência. A única coisa que eu tenho pra vender, me pedem pra fazer de graça. Consultoria não faz isso. 

E como enfrentar essa concorrência?

Tem agência abrindo consultoria de negócios. Meu grupo aqui comprou uma consultoria. Temos que ser um centro de inteligência para os clientes, o grande parceiro para ajudar no caminho dos negócios. E esse caminho pode incluir mídia ou não, pode ter campanha ou não. Os pontos de contato com o consumidor são gigantes. E quando não tem campanha nem mídia, tem que haver outro tipo de remuneração: hora homem, comissão, taxa de sucesso. Há um ano e meio, fiz um estande para um cliente em um shopping. A ação rendeu uma matéria de três minutos no Jornal Nacional. Quanto vale isso? Não teve mídia nenhuma. Criamos uma ideia que fez barulho. (Um autorama movido por onda cerebral, para explicar como funciona o carro híbrido, para o modelo Prius). Rendeu notícia no Brasil inteiro. E eu fui remunerado pela comissão da produção do estante. É um dinheiro irrisório. 

Como fazer para melhorar as concorrências?

As concorrências se transformaram numa forma de baixar custos para as empresas. Mas não faz sentido o executivo de compras definir qual será a agência parceira do anunciante. Existem alguns modelos sendo testados com sucesso. Na Argentina, está começando um movimento de grandes anunciantes que pagam US$ 5 mil para cada agência entrar numa concorrência. É uma forma de reduzir o número de participantes e remunerar as empresas pelo trabalho intelectual que hoje a gente dá de graça.
 
A crise tem levado muitos publicitários talentosos a deixar o Brasil. No festival de Cannes este ano, vimos muitos brasileiros faturando leões – mas eram expatriados enriquecendo agências de fora. Como isso afeta o mercado aqui?

Em 2007, 2008, tivemos uma diáspora. Era quase mochileiro, uns caras de 25, 27, que estavam em começo de carreira. Hoje estamos perdendo o diretor de criação, aquele cara de 35, casado, com filho, com uma grande carreira. É uma perda muito pior. De cérebros, de inteligência.