Mino Carta, que entrou no panteão do jornalismo brasileiro ao criar e dirigir as revistas Veja, IstoÉ, Quatro Rodas e CartaCapital – além do Jornal da Tarde e Jornal da República, de curta duração – morreu na madrugada desta segunda-feira, depois de dez meses internado no Hospital Sírio-Libanês.
Ele tinha 91 anos.
“Era um gênio para o bem, e também nas explosões. Aprendi muito com ele,” disse Hélio Campos Mello, um fotógrafo de origem que passou a dirigir a Istoé desde sua criação por Mino.
Briguento contumaz, fã de polêmicas, mas muito doce no trato, Mino foi demitido de vários veículos porque se desentendia com os patrões – “ele detestava patrão,” disse sua filha – e em seguida criava novas revistas para poder trabalhar.
Era “um pessimista em pensamento e otimista na ação,” disse a filha, Manuela Carta. “Para mim ele foi uma referência como um homem de caráter, retidão, coerência, e os mesmos princípios ele aplicou ao jornalismo.”
Mino começou o curso de Direito na USP, mas largou sem concluí-lo. Em 1960, aceitou o convite de Victor Civita para dirigir a recém-criada revista Quatro Rodas, inspirada na italiana Quattroruote e com grande potencial de coletar anúncios da nascente indústria automobilística brasileira.
Em 1968 participou da criação da revista Veja, que dirigiu durante o período mais duro do regime militar. Logo depois do AI-5, em dezembro de 1968, uma edição da revista – com a histórica foto do general Costa e Silva sentado num Congresso vazio – foi recolhida das bancas.
Sob sua direção, Veja viu várias reportagens sobre tortura e outras violências do regime militar serem censuradas. Em 1971, outra edição foi recolhida das bancas por trazer uma reportagem sobre corrupção do governador indicado do Paraná, Hugo Leon Perez.
Mino deixou a Veja em 1974, e atribuiu sua queda às pressões do então ministro da Justiça. Armando Falcão queria que a revista esfriasse seus ataques ao governo – em troca de um empréstimo da Caixa. A família Civita, dona da Editora Abril, sempre negou essa versão.
Dois anos depois, criou a Istoé, na Editora Três de Domingo Alzugaray.
Mino foi o primeiro a colocar um então pouco conhecido líder sindical na capa de uma grande revista.
A capa da Istoé de fevereiro de 1978, “Lula e os trabalhadores do Brasil” – estampando a efígie barbuda e uma longa entrevista com o então líder dos metalúrgicos de São Bernardo – gerou um vínculo e uma amizade que durou até hoje.
Hoje, ao visitar a família para se despedir do amigo, Lula disse que “a gente não escolhe família, mas escolhe companheiro, e Mino foi um companheiro até o fim.”
Mino contava nas redações que tinha encontrado Lula cochilando num sofá do sindicato, mas se espantou com as respostas daquele líder operário então com 38 anos.
Depois da Istoé, Mino fundou o Jornal da República, que reuniu uma grande equipe comandada por Cláudio Abramo e Roberto Pompeu de Toledo, entre outros. Durou só seis meses – mas muitas histórias.
Quando queria cumprimentar alguém por uma reportagem ou uma conquista pessoal, usava uma frase que virou uso corrente entre os jornalistas na época: “Cubra-se de glórias!”
Ao se irritar com um jornalista, jogava no chão livros e gavetas. Numa ocasião, chutou uma cadeira de rodinhas que atravessou a redação “como bailarina”, na descrição de um dos presentes.
Mas seu grande projeto foi a CartaCapital – uma revista de viés progressista e referência da esquerda brasileira – que Mino fez do seu jeito, finalmente sem se reportar a nenhum patrão. A revista veio ao mundo em agosto de 1994, teve uma tiragem de 70.000 exemplares em seu auge, e hoje está em meio a um turnaround para monetizar sua presença online.
Mino era historicamente pessimista com o Brasil – por não ver melhoras consistentes – e com a imprensa. Em entrevistas, declarava sua insatisfação com a chamada “grande imprensa” e o crescimento das fake news nas redes sociais.
Bob Fernandes – que trabalhou 15 anos ao lado de Mino como editor e redator-chefe na Istoé e CartaCapital – testemunhou a bravura do chefe diante da pressão de empresas, governos e instituições como a Fifa.
Hélio Campos Mello lembra a admiração e o respeito que havia entre os dois italianos mais ilustres do jornalismo nacional, Mino e Elio Gaspari, que o sucedeu na direção da Veja. Os dois tinham mesas cativas e separadas no restaurante Massimo, que foi ponto de encontro da política de São Paulo até 2013, quando fechou as portas.
Afetuoso e explosivo, Demétrio Giuliano Gianni Carta nasceu em Gênova em 6 de setembro de 1933.
Aos 13, veio com o pai jornalista e a família para o Brasil, depois da Segunda Guerra.
É como instituição que Mino Carta será lembrado, a começar pelos jornalistas que trabalharam com ele. Humberto Werneck, que foi editor de Cultura no Jornal da República, costumava dizer: “Mino Carta é como o Exército: você tem que servir uma vez na vida.”
Mino foi casado com Daisy Mesquita, com quem teve dois filhos – Manuela e Gianni, que morreu em 2019. Depois viveu com Maria Angélica Pressoto, que morreu em 1997.
Sua sobrinha Patricia, filha de Luis, é a publisher da Harper’s Bazaar no Brasil.
Além de Manuela – que refletiu sobre o pai hoje neste artigo tocante — Mino deixa três netos: Maria Clara Parada, filha de Manuela; e Nicholas e Sophia, filhos de Gianni.