Duda Mendonça, cujo gênio criativo e sintonia com o imaginário popular ajudaram a inventar o marketing político brasileiro contemporâneo, elegeram um presidente e esculpiram frases inesquecíveis na nossa cultura, morreu hoje depois de uma luta contra um câncer no cérebro, dias depois de completar 77 anos.

A eleição de Lula colocou Duda no mapa nacional. Depois de três tentativas frustradas, o Lula trajando terno sob medida, barba aparada e discurso ‘paz e amor’ conseguiu quase 53 milhões de votos — o segundo presidente mais votado do mundo à época, atrás apenas de Ronald Reagan na eleição de 1984.

Na jovem democracia brasileira, o panteão do marketing político não é exatamente um lugar apertado, mas ainda assim, os publicitários debatiam hoje em grupos de Whatsapp quem foi o pai do marketing político contemporâneo.

Geraldo Walter, que morreu aos 41 anos de um câncer galopante, conquistou seu lugar na história depois de fazer a campanha de Fernando Henrique Cardoso em 1994. Apesar da vida abreviada, Geraldão, como os amigos o chamavam, formou vários alunos, incluindo Fabio Bernardi, que fez a campanha de Eduardo Leite ao Governo do Rio Grande do Sul.

11630 140814c5 df55 1c17 1cc9 7d4da01ec26eDuda deixa uma série de ensinamentos que influenciaram uma geração de marqueteiros políticos.

O primeiro deles: a importância da TV, onde o que é comunicado não é apenas o que se diz. A roupa fala, o local fala, o olhar conversa. “A TV aumenta tudo: o que é bom fica ótimo, o que é ruim fica péssimo.”

Duda dizia que se a TV era o “canhão”, o rádio era a metralhadora — o que conta ali é a repetição.

“Campanha política é igual vender na beira da estrada: você tem sempre que dizer a mesma coisa, porque o carro que passa é sempre diferente,” dizia.

Em seu livro “Casos e coisas,” de 2001, Duda contou histórias da sua vida e casos de campanha que fez. O livro se tornou leitura obrigatória no meio: um manual prático de marketing político, em que o mestre explicava didaticamente como construía slogans, adesivos e jingles.  

José Eduardo Cavalcanti de Mendonça nasceu em Salvador em 10 de agosto de 1944. Em 1975, abriu uma agência para anunciar a construtora do cunhado.  A DM9 fez peças que chamaram atenção e conquistou dois clientes: a Ótica Ernesto e o Tio Correa, uma rede de material de construção.

Um filme para a Ótica Ernesto — que mostrava o flerte entre um menino e uma menina (ambos usando óculos fundo de garrafa) — é uma pérola de sensibilidade de uma propaganda brasileira que, francamente, não existe mais. 

Criado e dirigido por Duda, o filme ganhou um Leão de Bronze em Cannes em 1983.

Os amigos o lembram como um homem de hábitos simples e lampejos geniais, caloroso no trato pessoal, e com uma capacidade ímpar de ler pesquisas. 

“Ele sabia quando tinha que seguir e quando devia desafiar a pesquisa,” disse um publicitário que trabalhou com ele. “Ele sabia que a pesquisa é um holofote virado para trás.”

Em meados dos anos 80, Duda criou uma das campanhas mais icônicas da publicidade brasileira para o Gelol, a marca de analgésico muscular.

O comercial mostrava um pai que saía cedo de casa para levar o filho ao futebol, enfrentava chuva e socorria o menino quando ele se machucava em campo. No final, incentivado pela presença encorajadora, o filho marcava seu primeiro gol.

No final, a frase que apaixonou o Brasil: “Não basta ser pai, tem que participar.”

Nizan Guanaes, que começou a vida como estagiário de Duda, disse ao Brazil Journal: “A música popular de Caetano, Gil e Raul Seixas, a literatura de Jorge e João Ubaldo, e a dramaturgia de Dias Gomes comprovam repetidamente que os baianos sabem se comunicar com o povo. Duda foi isso na publicidade. A reverência que Washington Olivetto — o maior da publicidade — sempre teve por Duda é prova disso.  Ele foi uma escola da publicidade popular brasileira.” 

A maior cria de Duda foi João Santana, seu sócio e amigo, que elegeu seis presidentes ao redor do mundo, incluindo a campanha de reeleição de Lula e as duas campanhas de Dilma Rousseff.

Mas como os marqueteiros voam muito perto do Sol, o dano colateral às vezes é inevitável. Em 2005, Duda foi dragado pelo escândalo do Mensalão por ter recebido pagamento por seus serviços fora do País. Disse à CPI que nunca ocultou os recursos e que ignorava que os pagamentos vinham de empreiteiras.  

Sete anos depois, foi absolvido pelo STF. Em 2016, foi investigado pela Lava Jato, e assinou acordo de delação premiada no ano seguinte.

Em 1975, Washington Olivetto soube que Mãe Menininha do Gantois precisava de dinheiro para reformar o telhado do terreiro. 

Como tinha a máquina de escrever Olivetti como cliente, Washington preparou uma campanha em que Mãe Menininha dizia: “Dê uma Olivetti portátil para sua mãe. Ela vai se sentir uma verdadeira Mãe de Santo.”

Sem saber que o comercial havia sido criado para ajudar, Duda achou que havia um publicitário paulista “explorando” a Mãe Menininha, e deu uma entrevista na rádio em Salvador baixando o cacete. Washington soube, e ligou para Duda para explicar.

“Ele pediu um trilhão de desculpas e nós ficamos amigos,” disse Washington. “Eu disse a ele para não entrar no marketing político, mas neste ramo, ele foi o melhor.” 

Duda deixa a esposa, Aline, e os filhos Alexandre, Eduarda, Léo, Lucas e Rafael.