LONDRES – Ao longo da última década, o congresso europeu de cardiologia tornou-se o principal encontro científico da especialidade, desbancando os dois outros congressos americanos: o American College of Cardiology e o encontro anual da American Heart Association.

O evento deste ano, realizado aqui em Londres, teve a presença de mais de 32.000 médicos dos cinco continentes, incluindo os expoentes mundiais da especialidade.

De um ano para o outro, é possível ver a evolução das pesquisas e as novas descobertas – o que torna cada congresso muito dinâmico e único.

Num painel sobre conduta clínica, por exemplo, ficamos sabendo que 95% dos testes de esforço sem uso de medicina nuclear geram resultados “normais”, sem detectar obstruções coronarianas de pequena monta por não apresentar isquemia (ou seja, alguma região do coração recebendo menos sangue do que necessita para contrair, por provável obstrução de uma ou mais artérias coronárias).

O teste de esforço continua sendo um ótimo teste para determinados segmentos de pacientes, mas para outro grupo é necessário associar o exame de imagens para aumentar a sensibilidade do resultado.

Outra descoberta trazida pelo congresso na pesquisa de obstruções coronarianas é que, em adultos assintomáticos, encontram-se placas de colesterol em 42% a 49% deles.  

Isto derruba a tese de “não estou sentindo nada, portanto não tenho nada.”

Hoje com os modernos meios de detecção de placas de gordura nas artérias do coração, muitos infartos e mortes podem ser evitados por meio da prevenção.

Em relação à hipertensão arterial, de 50% a 60% sabem ser portadores de pressão alta (ou porque passaram mal ou foram diagnosticados), mas somente 35% destes estão em tratamento, e míseros 10% destes têm a pressão sob controle. 

Toda vez que a pressão sobe ou não está controlada, isto significa que o coração, os rins e/ou o cérebro estão levando um soco – e sofrendo as consequências.

Considerando que um em cada quatro brasileiros adultos tem pressão alta – e muitos deles não sabem porque não tem sintomas ou, quando sabem, não tratam adequadamente – pode-se imaginar o número de AVCs, insuficiências renais, infartos ou insuficiências cardíacas que poderiam ser evitados se houvesse mais conscientização sobre o tema e programas de acompanhamento de pressão tanto nos hospitais públicos quanto no setor privado.  

Como se sabe, o custo da prevenção é infinitamente menor que o do tratamento curativo.

É importante lembrar que, se o paciente estiver tomando remédio mas mesmo assim não conseguir normalizar a pressão, seu risco é o mesmo daquele paciente sem tratamento. (Ou a medicação não está adequada ou algum outro fator desestabilizou a pressão e o tratamento precisa ser reavaliado.)

Com o envelhecimento da população, a ocorrência de arritmias cardíacas está cada vez mais presente na vida das pessoas e na clínica médica.

Para os pacientes portadores de fibrilação atrial – a arritmia cardíaca mais comum – novas pesquisas mostram que medir a pressão arterial com aparelhos eletrônicos não é uma boa opção, pois os resultados podem ser imprecisos. O aparelho tradicional permanece mais confiável.

Como a fibrilação atrial é cada vez mais frequente, assim como a hipertensão, cada vez mais encontramos as duas alterações no mesmo paciente – daí a necessidade de obtermos uma medida confiável da pressão arterial.

A fibrilação atrial faz o paciente estar sujeito a um risco de AVC cinco vezes maior do que aquele que não tem esta arritmia.  

Além disso, uma nova pesquisa mostrou que a fibrilação atrial tem relação com o desenvolvimento de demência

Este é um dado bastante relevante, considerando que esta arritmia tem incidência cada vez maior nas pessoas com mais idade, aumentando a possibilidade de aceleração da queda da cognição. Evitar ou corrigir esta arritmia pode proteger a pessoa de um declínio mais rápido.

Um estudo sobre o tratamento emergencial de infartos também trouxe novidades.

Em pacientes com 75 anos ou mais – com infartos menores em tamanho, mas não em gravidade, chamados de “sem elevação do ST” – o tratamento conservador (ou seja, somente com uso de medicamentos) se mostrou equivalente ao tratamento agressivo (cateterismo): os pacientes tiveram o mesmo índice de mortalidade cardiovascular ao longo do tempo. 

Porém, o tratamento agressivo teve um menor índice de infarto não fatal – os pacientes tratados assim tiveram mais infartos que o outro grupo, mas não morreram disso.

Isto é uma mudança de paradigma em relação à necessidade de se intervir com procedimentos invasivos (cateterismo cardíaco com ou sem o implante de stents) – como preferentemente se faz com os pacientes mais jovens.

O congresso também trouxe novidades sobre o tratamento da hipertensão arterial.

Até poucos anos atrás, a ciência acreditava que os remédios para tratamento da pressão alta agiriam de forma mais eficaz se ingeridos à noite.

Agora, novos dados sugerem que eles podem ser tomados pela manhã ou à noite – sem diferença na eficácia do controle da pressão. O importante mesmo é não interromper o tratamento, mesmo com a pressão controlada.

Aliás – e mais importante ainda – o tratamento da hipertensão arterial está prestes a mudar radicalmente com as pesquisas avançadas de uma vacina e de medicamentos injetáveis, tomados com intervalos de meses. 

Trata-se de um passo inimaginável, uma mudança brutal de paradigma num campo que não via um grande breakthrough há pelo menos duas décadas.

Tanto a vacina quanto os injetáveis poderão aumentar dramaticamente o controle da pressão e a adesão ao tratamento – que hoje é feito praticamente só com medicamentos por via oral.

Volta e meia, o mundo testemunha a morte súbita de algum atleta – seja num campo de futebol ou numa quadra de basquete.

O maior responsável por estas mortes é a cardiomiopatia hipertrófica, que é de origem congênita e não está diagnosticada em 85% de seus portadores.

A novidade é que agora há um tratamento medicamentoso específico e mais eficaz que o tratamento paliativo empregado até agora – e que não assegurava evitar a morte súbita dos jovens.

Vejam o perigo: por serem assintomáticos e não terem o diagnóstico, muitos destes jovens atletas acabam competindo sem qualquer proteção, correndo o risco de morte súbita.

Agora uma novidade para os ratos de academia e aficionados por um corpo bonito, rápido e a qualquer preço.

Para os que fazem exercício com intuito estético (e não de saúde): a ciência já sabe que os energéticos podem provocar arritmias cardíacas, infarto ou até mesmo parada cardíaca. Os anabolizantes podem aumentar as gorduras do sangue (colesterol), provocar hipertensão, arritmias e mesmo doença no músculo do coração (cardiomiopatias).

A cafeína pré-treino – em doses acima de 400mg/dia ou maior que 9mg por quilo de peso por dia – pode provocar taquicardia, hipertensão, constrição das artérias das pernas ou coronárias, batimentos irregulares e até fibrilação atrial.

Ou seja, procurar adquirir massa muscular artificialmente ou estímulo artificial para a atividade física pode até custar a vida de uma pessoa. 

Já para aqueles atletas de competição existem vários tipos de doping – como a eritropoetina ou o sangue sintético – que fornecem mais oxigênio mas podem levar a um infarto, formação de trombos, hipertensão ou AVC. 

Hormônio do crescimento, testosterona, androstestoterona e nandrolona – hoje amplamente usados em academias por homens e mulheres que querem ter mais músculos e mais rápido (algumas até implantam chips no glúteo) – podem alterar as gorduras do sangue, provocar cicatrizes no coração, hipertensão ou provocar alterações no ritmo do coração.

Finalmente, o congresso trouxe uma descoberta (para mim chocante) no campo da genética e da longevidade.

Um estudo mostrou que o cromossomo Y do homem vai se deteriorando com o tempo, e isto pode ser uma explicação de porque as 50 pessoas mais idosas do mundo são todas mulheres. 

Talvez o cromossomo X das mulheres sofra um desgaste menor, e por isto exista mais longevidade no sexo feminino.

Carlos Scherr é cardiologista, pós-doutorado em ciências médicas pela UERJ, doutor em ciências cardiovasculares pela UFRGS e mestre em ciências cardiovasculares pela UFF.