Todo mundo que investe em Bolsa sabe que pode ganhar ou perder. É da vida.

Ainda assim, o mínimo que se espera de empreendedores como Eike Batista, da OGX, e Marcio Mello, da HRT, cujos milhares de investidores perderam quase todo o capital investido em ações de suas empresas, seria um pequeno ato de contrição, um singelo mea culpa, um tímido (que seja) “I’m sorry”.

Infelizmente, nada disso está presente na entrevista de Marcio Mello ao Valor Econômico de hoje, na qual ele tenta justificar o injustificável: ter votado a favor de um pacote de remuneração que “premiava” executivos-chave da HRT (ele incluso) em qualquer hipótese de desligamento da empresa — se fossem demitidos, ou se pedissem demissão.

Ao longo da entrevista, a bolada a ser paga na saída dos executivos é chamada de “severance package”, termo em inglês que designa “pacote de desligamento”. Mas o termo que realmente deveria ter sido usado era outro, manjadíssimo em Wall Street: “golden parachute”, ou “paraquedas dourados”, este sim, mais apropriado aos R$ 30 milhões que a HRT gastaria para mandar para casa os executivos beneficiados pela política de remuneração (quase a metade foi para Mello).

Mello diz ao Valor que o pacote foi criado para “dar mais segurança aos executivos de que não seriam demitidos numa eventual troca de controle”, depois que a HRT recebeu uma oferta que subavaliava a empresa. Essa “segurança” é uma subversão da meritocracia, um princípio basilar do capitalismo moderno: se o cara é bom, se ele se faz “essencial”, por que a empresa o demitiria? Segurança no emprego é para quem quer trabalhar em estatal, não em empresas que se gabam de ser fruto do empreendedorismo de seu fundador.

Mello também parece achar que o papel de vítima lhe cai bem (ainda que não fique claro quem é seu algoz). Ao falar da bolada que recebeu para sair, diz que o impedimento de trabalhar na indústria por três anos (uma condição contratual) “é algo terrível”, pois a carreira de geólogo “é minha vida”. Ao falar do fato de que a HRT não descobriu petróleo, reclama: “Tinham que ter me dado mais tempo”.

O caso HRT e a atitude de Mello servem como alerta aos investidores que compram ações como se fossem bilhetes de loteria, sonhando com a possibilidade de ficarem ricos da noite para o dia. Essa mentalidade impede que o investidor pense direito, fazendo-o focar muito mais no quanto tem a ganhar do que naquilo que pode perder.

Quando essa mentalidade encontra pela frente empreendedores-messiânicos como Eike e Marcio Mello, que promovem bem suas empresas e sua capacidade de “fazer dinheiro”, junta-se a fome com a vontade de comer, e dá no que deu. As ações da HRT, que já negociaram a 42 reais, hoje saem a 70 centavos.

A CVM está investigando o assunto e dará a palavra final sobre a impropriedade dos paraquedas dourados. (Há uma investigação sobre alegações de insider trading em curso também.)

A entrevista de Mello ao Valor pelo menos mostra certa consistência: ele mantém o mesmo nível de arrogância que demonstrava nas apresentações do IPO, quando só faltava chamar de “burros” os investidores que se mostravam céticos com relação à empresa. Na época, Mello estava longe de ser vítima.