Assim que acabou o BBB, a Estácio – uma das patrocinadoras – fez uma campanha pesada na internet para aproveitar o recall gerado pelo reality.
A universidade inundou as redes com 25 mil diferentes peças publicitárias, personalizando os anúncios para diferentes perfis de potenciais clientes.
Em outra época, a produção destas peças teria sido um trabalho inviável – mas foi possível graças à inteligência artificial.
Antes da IA, os humanos da Estácio conseguiam montar umas 1.000 peças por semana, e todas variavam ao redor de dois pitches de venda: os preços gerais de cursos ou as notas do MEC.
Depois da IA, se um jovem pesquisa determinado curso na internet, a Estácio começará a persegui-lo pelas redes com anúncios de seu curso de interesse, com a localização da unidade mais próxima e preços sob medida.
Mas será que as pessoas gostam de ser perseguidas assim? Pelo menos na Estácio, parece que sim: as conversões aumentaram dez vezes.
A “perseguição” acontece com pessoas que já entraram no funil de vendas dos cursos da universidade – ou seja, aqueles que buscaram o curso e abandonaram a ideia no meio do caminho.
É, portanto, um tráfego mais qualificado.
Quando a pessoa é impactada por mais de uma peça publicitária daquilo que já procurava, mas com dados mais personalizados, a tendência de comprar aumenta.
No entanto, o objetivo da Yduqs — a dona da Estácio e de outras marcas de ensino superior como Ibmec e Damásio — é escalar este processo e ter um aumento de 40 a 50% na conversão geral dos cursos que vende.
“Mas para escalar temos que continuar adicionando tecnologia, pegando mais dados de outras plataformas e aumentando o escopo da iniciativa,” o vice-presidente de marketing, Marcel Desco, disse ao Brazil Journal.
A ideia da perseguição parece assombrar os consumidores mais velhos, mas a Geração Z (entre 11 e 27 anos), que está entrando no mercado de consumo, exige um anúncio mais personalizado, disse João Branco, o ex-CMO do McDonald’s Brasil.
“Vai parecer cada vez mais como se as marcas adivinhassem o que você quer, e a Geração Z espera isso,” disse Branco. “Mas não dá para executar essa estratégia sem muitos dados, você precisa da IA.”
Na opinião de Branco, a tecnologia por ora está focada na redução de custos de produção e na confecção de e-mails com mensagens personalizadas.
No final do ano, por exemplo, os principais executivos do grupo Publicis enviaram vídeos personalizados aos 100 mil colaboradores espalhados mundo afora.
Em cada vídeo, o executivo dizia o nome do funcionário e passava a mensagem na língua nativa do colaborador – e ainda fazia uma brincadeira com o hobby preferido do funcionário.
“Muitos clientes vieram nos procurar para saber como personificar desta forma a comunicação em massa,” disse Gabriela Onofre, CEO da Publicis no Brasil.
As agências de publicidade estão investindo pesado em inteligência artificial. A DM9, por exemplo, acaba de contratar Cleber Paradela como vice-presidente de conteúdo. Sua primeira ideia, já em execução: interligar a ferramenta Slack com 15 mil influencers e, por meio de inteligência artificial, fazer o match com o cliente para produzir a campanha.
Na AlmapBBDO, as contratações só crescem. “A gente tem muito a ganhar com a inteligência artificial, muito mesmo, mas não é com a visão do empresário de que vai cortar custos. Muito pelo contrário. Eu nunca tive tanto custo quanto eu tenho de tecnologia, de segurança de informação dos clientes,” disse Filipe Bartholomeu, o CEO da Almap.
A inteligência artificial generativa também está sendo usada no processo criativo mais sofisticado.
Em sua famosa (para uns, infame para outros) campanha da Volkswagen – em que ressuscitou Elis Regina e a colocou cantando com a filha no comercial da Kombi – a Almap acabou levantando uma questão ética sobre o uso da imagem dos mortos.
A ética da IA ainda é um grande dilema para as áreas de marketing das empresas e para as agências de publicidade.
Para fazer a tal “perseguição”, por exemplo, as empresas precisam da autorização dos consumidores, e existe uma discussão sobre se eles sabem que estão autorizando que seus dados sejam compartilhados cada vez que entregam seu CPF ou permitem que os aplicativos saibam sua localização.
Já na parte criativa, Luiz Fernando Musa, o CEO da Ogilvy, lembra que ainda há muita incerteza sobre direitos autorais. Para ele, a indústria ainda está um pouco longe de criar um filme longo inteiro feito 100% com IA.
“Discutimos muito a IA que está sendo usada na criatividade, mas ela pega o sistema como um todo em diferentes áreas. E se perguntar, ‘ah vocês já estão assim super evoluídos’… ninguém está. A gente está explorando,” Musa disse ao Brazil Journal.
“Todo dia surge uma nova ferramenta. Todo dia surge uma nova empresa. É muita informação chegando, mas ainda há o desafio de traduzir isso na prática e entender questões de uso aplicado no ponto seguinte: direito autoral, que tipo de software, que parceiros.”
Na Yduqs, Desco sabe bem disso. A empresa já prepara o próximo nível do uso da IA: a personalização do ensino. “Como cada aluno quer aprender, como adequar conteúdos, mais curtos, longos ou com duração de médio prazo?”
E no futuro, a tecnologia vai permitir saber, apenas pelo olhar do aluno, se ele está ou não empolgado com a aula.
Será o momento então da edição de conteúdo em tempo real.