Mansueto Almeida sempre foi uma das vozes mais construtivas da Faria Lima.

O servidor de carreira do IPEA é um homem de Estado experiente e apolítico, que serviu ao País como Secretário de Acompanhamento Econômico e Secretário do Tesouro.

Tem trânsito fácil no Congresso e no Judiciário por estar acostumado a explicar os tradeoffs da economia a deputados, senadores e juízes de cortes superiores.

Hoje economista-chefe do BTG, sempre que os investidores se apavoram com algum movimento de Brasilia, Mansueto consegue articular uma visão construtiva e mostrar o copo meio cheio.

10926 e9dd47a2 e0cc 8f4f fd19 607d1ee46f8bUm mês atrás, por exemplo, Mansueto disse num evento em Harvard que apesar de declarações infelizes da equipe de transição, “aos poucos o novo governo vai ver o que está funcionando e não tem porque mudar.” E, apenas dois dias atrás, deu uma entrevista ao Valor cuja manchete era: “PEC preocupa, mas é preciso dar o benefício da dúvida.”

Mas 48 horas depois, com o Governo mudando a Lei das Estatais na Câmara e insistindo em começar o mandato com uma licença para gastar R$ 200 bilhões a mais do que já estava no Orçamento de 2023, nem Mansueto consegue mais ser tão construtivo.

Segundo ele, “já era para o governo ter percebido que está aumentando de forma perigosa a incerteza quanto ao seu real compromisso com o ajuste fiscal, e que isso vai cortar o investimento privado e levar a juros muito altos por mais tempo.”

Numa conversa com o Brazil Journal esta manhã, em meio à deterioração cada vez mais rápida dos mercados, Mansueto se disse cada vez mais preocupado com os sinais que o Governo eleito — e o Congresso — estão enviando sobre os rumos do Brasil nos próximos anos.

O recado para Brasília deveria ser claro: quando nem o mais construtivo dos economistas independentes consegue lhe dar mais crédito, está na hora de entender que o problema é você mesmo.

 

O novo governo diz ter compromisso com a responsabilidade fiscal, mas a taxa de juros que o Tesouro paga para se financiar hoje voltou aos níveis que prevaleciam antes da aprovação do Teto dos Gastos. Para onde estamos indo?

O mercado se animou muito com uma eleição tranquila, que não teve o risco de rompimento institucional. Assim, o investidor estrangeiro puxou uma recuperação no preço dos ativos nos dias seguintes à eleição do Presidente Lula. No segundo dia após o término do segundo turno, por exemplo, o dólar foi para R$ 5,02 e o investidor estrangeiro passou a entrar com ordens de compra de ações de companhias brasileiras todos os dias.

No entanto, quando o governo eleito falou da incompatibilidade da agenda fiscal com a agenda social e quando sinalizou um pedido para estourar o teto de gastos em R$ 200 bilhões logo no primeiro ano de governo – sem definir como essa despesa tão grande seria paga – mudou a percepção de risco do mercado, em especial do investidor local, que passou a acreditar que teremos um governo gastador, o que levaria um crescimento insustentável da dívida pública.

Essa percepção foi para os preços dos ativos: um dólar mais caro do que deveria estar, uma curva de juros sinalizando que vamos ter juros por volta de 13% pelos próximos dez anos, e uma bolsa onde as empresas estão de graça, mas ninguém quer correr o risco.

O Governo eleito precisa entender esses mecanismos e mudar o discurso para reverter essas tendências, que são preocupantes.

Alguns membros do novo governo chamam isso de “mau humor do mercado”.  Eles dizem que o mercado não votou em Lula e, por isso, não quer dar o benefício da dúvida a um governo de esquerda legitimamente eleito. 

Não existe isso de mau humor do mercado. O mercado sou eu, você, o taxista e qualquer pessoa trabalhadora do Brasil que consegue poupar e tomar decisões de investimento. Cada pessoa que poupa acaba investindo na poupança ou num fundo de renda fixa.  Somos todos credores de Brasília. O mercado simplesmente faz as contas baseado nos fatos e nas sinalizações dadas pelo governo, qualquer governo.

A sinalização do governo eleito foi de que quer gastar R$ 200 bilhões acima do que já estava programado para o orçamento do próximo ano, sem explicar como essa conta será paga. Teremos aumentos de impostos?  

Há três pontos importantes nesta discussão. Primeiro, para que o Governo Lula consiga pagar R$ 600 do Bolsa Família, ele precisaria de apenas R$ 50 bilhões.

Segundo, com R$ 50 bilhões adicionais seria possível recompor os recursos do Fundo de Ciência e Tecnologia, Farmácia Popular, Lei Aldir Blanc, Lei Paulo Gustavo etc. e ainda sobraria um pouco de recursos para aumentar o investimento público.

Assim, uma licença para gastar R$ 100 bilhões seria mais do que suficiente para começar o governo. Terceiro, se o governo começar com um gasto extra e um déficit primário de R$ 200 bilhões (2% do PIB), é quase certo que a dívida entrará em uma trajetória de crescimento insustentável.

O mercado quando faz a conta, se assusta. Se até a Inglaterra, que tem juros baixos e é um país rico, passou por um episódio de aguda incerteza fiscal, o que falar do Brasil que tem juros altos, uma carga tributária quase igual à da Inglaterra e quer aumentar a despesa e o déficit em 2 pontos do PIB? Isso nos levará a um crescimento da dívida até mais aguda do que se projetava para Inglaterra.

Mas como o governo eleito vai cumprir com as promessas da campanha eleitoral sem aumentar as despesas? 

Vamos ser claros. Algumas das promessas dos candidatos, qualquer que fosse o resultado da eleição, jamais seriam cumpridas. Por exemplo, a promessa de aumentar a faixa de isenção do imposto de renda para R$ 5 mil.

O custo dessa política é de uma perda de arrecadação anual permanente de mais de R$ 100 bilhões. Isso não será feito em um País que ainda não economiza o suficiente para reduzir a dívida pública. Se essa medida fosse aprovada, o efeito seria um forte aumento no custo de financiamento do Tesouro e mais inflação.

É importante entender que a promessa de maiores gastos sociais só poderá ser cumprida respeitando os limites fiscais. Se o governo não quiser cortar outras despesas para aumentar gastos sociais, teremos que aumentar a carga tributária para controlar o crescimento da dívida que já é alta no Brasil. Mas quais impostos vamos aumentar?

Todos que fazem contas sabem que com R$ 50-70 bilhões o governo conseguiria cumprir a sua promessa mais importante: pagar o Bolsa Família de R$ 600 e ainda estabelecer um adicional de R$ 150 para crianças de 0-6 anos.

Tem mais:  com um combate às fraudes – dado que houve um inexplicável aumento das famílias com apenas uma pessoa –  seria possível economizar perto de R$ 15 bilhões para ajudar no pagamento dos R$ 600.

O investidor estrangeiro parece animado com o Brasil, e o governo eleito coloca a questão ambiental como sendo uma das suas prioridades. Isso não deveria levar a um aumento do investimento independente da questão fiscal?

Eu falei hoje com um investidor internacional enorme, que investe há muitos anos no Brasil e atua na área ambiental. Os investidores globais estavam no geral muito mais animados com o Brasil do que os locais – mas agora, até isso está mudando.

Esse investidor me perguntou o que fazer agora.  Eu disse, vamos esperar até janeiro, ver como o Governo começa. Quem sabe teremos a volta daquele Lula pragmático que muitos de nós esperávamos.  Porque realmente não faz sentido dar tantos tiros no pé como o Governo eleito está fazendo….

Mas o investidor me perguntou, “Tá, mas você tem algum elemento para acreditar que esse Lula pragmático vai voltar, ou é só esperança?” Eu disse, “Por enquanto é só esperança.”

Onde existe mais risco ainda não precificado?  Quais novos tiros no pé o Governo ainda pode dar? 

O vice-presidente Geraldo Alckmin garantiu há poucos dias em um seminário no Guarujá que não haveria um ‘revogaço’ de reformas já feitas.

Mas o governo conseguiu aprovar uma mudança na Lei das Estatais – que estava em vigor desde 2016 – ontem à noite. Se isso aconteceu com a Lei das Estatais, que muitos, eu inclusive, achavam que o Congresso não permitiria, isso pode voltar a acontecer com outras leis aprovadas nos últimos seis anos.

Por exemplo, o novo governo pode mudar por Medida Provisória a Taxa de Longo Prazo (TLP) para reduzir artificialmente essa taxa e turbinar os empréstimos do BNDES. Isso seria péssimo porque, a depender da intensidade deste movimento, seria novamente o BNDES trabalhando contra o Banco Central no controle do consumo e investimento para reduzir a inflação.

Será que alguém aumentaria a confiança no Brasil se mudássemos o novo marco de saneamento? Ou se revogássemos a Lei Trabalhista de 2017 e se o BNDES voltasse a ser a principal fonte de financiamento dos investimentos em infraestrutura e aumentasse subsídios? Tudo isso não aumentaria o crescimento e geração de emprego. O resultado seria menos investimento, menos crescimento e mais inflação.

10203 7507252c d455 0000 0001 565943e8487aPor que você acha que o Presidente Lula não está entendendo essas dinâmicas?

Lula sempre foi um pragmático, sempre ouviu as pessoas a respeito dos dilemas da economia:  o custo de fazer algo e o benefício que se obtém.  Mas agora, parece que ele está ouvindo apenas uma narrativa. Apenas um lado da conversa.  Ele não parece estar tendo acesso ao contrafactual.  E isso está custando ao País e vai acabar custando à sua popularidade e até à sua imagem internacional.

Tem como consertar essa rota num governo que nem começou ainda? 

Claro que tem como consertar! O primeiro passo é desistir de buscar uma permissão para gastar R$ 200 bilhões fora do teto no próximo ano. Se começar com um gasto tão grande, é como se o governo estivesse sinalizando que “não quer o benefício da dúvida” e que pode partir para uma estratégia incerta de ajuste fiscal. Não é só o Presidente eleito que precisa entender isso.  Cada deputado e senador que entende os riscos para o Brasil também tem que ajudar.