Quando investidores conversam sobre o varejo de eletrodomésticos, é comum ouvir referências às margens apertadas da linha branca, à concorrência brutal da internet (‘o cliente vai olhar o produto na loja mas compra em casa’) e às vendas deprimidas pela recessão.

Mas um olhar menos superficial sobre o Magazine Luiza revela uma companhia que escapa de todos esses estereótipos, e uma empresa com um componente de tecnologia que o mercado não está precificando. Na verdade, os números mostram que o Magazine tem hoje crescimento de faturamento e lucro que lembram mais uma empresa de tecnologia do que um varejista tradicional.

Desde o final de 2014, a geração de caixa do Magazine cresce a taxas que inspiram humildade em algumas das empresas mais lucrativas e respeitadas da Bolsa, como Lojas Renner, Americanas, Cielo e Ambev.  Seu retorno sobre o patrimônio (ROE) estimado para 2017 é superior ao das quatro empresas usadas na comparação, e, numa análise do retorno sobre o capital investido (ROIC), só a Ambev deve ganhar do Magazine este ano. 

Apesar das comparações amplamente favoráveis, a ação do Magazine negocia a um múltiplo substancialmente inferior ao de todas as empresas comparadas. Quando comparada a uma quinta empresa, o Mercado Livre, que domina o marketplace, o Magazine entrega quase o mesmo ROIC, por um quinto do múltiplo. (veja tabela abaixo)

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Tudo isso significa que os investidores parecem ignorar o que distingue o Magazine Luiza de seus dois principais concorrentes, a Via Varejo, dona do Ponto Frio e das Casas Bahia, e a Máquina de Vendas, dona do Ricardo Eletro e da Insinuante: cada vez mais, os resultados do Magazine são produto do binômio ‘tecnologia e logística’. 

A empresa, que está no ecommerce há 17 anos, usa as ferramentas do marketing digital melhor do que qualquer concorrente, investe em ‘user experience’ num segmento do varejo que só entende de venda em loja, e desenvolveu um aplicativo que, sozinho, já responde por mais de 20% de suas vendas online. (Estas, por sua vez, representaram por 28% das vendas totais do Magazine no primeiro trimestre, um número que era apenas 8% no IPO em 2011; a empresa já disse a investidores que, se o ritmo atual continuar, 50% do faturamento do Magazine daqui a três anos poderá ser online.)

Num caso raro na internet brasileira, o Magazine é uma operação B2C realmente lucrativa: o faturamento do seu ecommerce cresce junto com a margem EBITDA da companhia — ao contrário de concorrentes como a B2W, que continua queimando caixa.

Boa parte da energia do Magazine hoje está em sua incipiente operação de marketplace, na qual outras empresas vendem seus produtos e o Magazine fica com uma comissão. Como este negócio tem margens e retorno sobre o capital investido melhores que a venda online tradicional, todas as empresas de ecommerce estão correndo para este modelo.

Lançado em setembro de 2016, o marketplace do Magazine já tem 200 lojas vendendo 400 mil itens no site — destes, 360 mil são produtos de terceiros; só 40 mil são produtos que o próprio Magazine carrega em estoque. (Tudo passa por uma análise econômica: a empresa mantém em estoque os produtos de alto giro, em que é possível obter preços melhores numa negociação em escala. Já os de giro baixo, ou que são apenas complementos de categoria, são o foco do marketplace.)

Enquanto a tecnologia ajuda a aumentar as vendas, a logística melhora a rentabilidade da operação.

Desde que o Magazine começou seu ecommerce, os produtos vendidos online sempre estiveram no mesmo CD que o produto vendido na loja, e o backend (os sistemas de retaguarda) das vendas online e offline sempre foi o mesmo. Pode parecer óbvio, mas até recentemente a Via Varejo tinha centros de distribuição separados para o online e o offline, permitindo ao Magazine, até agora, uma vantagem competitiva no prazo e no custo de entrega.

A chamada ‘Malha Luiza’ — uma rede de 900 transportadoras terceirizadas — atende as 800 lojas e outros mercados onde a rede não tem lojas físicas. O mesmo caminhão que abastece a loja do Magazine passa na casa do cliente para entregar a compra online, reduzindo dramaticamente o custo marginal do frete.

Hoje, para alguns produtos específicos, as lojas do Magazine já estão habilitadas para permitir que o cliente compre online e retire na loja, mas o prazo para esta retirada ainda varia. O Magazine quer ser capaz de entregar as principais categorias em até 48 horas — o mesmo prazo de entrega do Amazon Prime. 

Na analogia feita por um investidor, ‘é como se o Magazine não tivesse 800 lojas, e sim 800 centros de distribuição’.

O projeto mais ousado da companhia também copia outra grande sacada da Amazon.  A empresa está habilitando sua malha de transportadoras para que prestem serviço também ao cliente que vende produtos no seu marketplace. O projeto — chamado de ‘Fulfillment by Magalu’ — vai permitir que o comprador escolha como quer receber seu produto: ou paga o frete e recebe em casa, ou retira na loja e não paga nada, ou pode ainda optar pelo frete de terceiros.

A transformação digital em curso no Magazine tem a ver com seu CEO, de 41 anos.  Quando começou a trabalhar na empresa, no ano 2000, Frederico Trajano (‘Fred’ dentro da companhia) escolheu começar pela área de ecommerce; só cinco anos depois passou a ser diretor de vendas e marketing, lidando diretamente com as lojas físicas.  Investidores dizem que Fred— que já foi analista de consumo e varejo do Deutsche Bank — vê a Amazon como benchmark para o presente e o futuro da empresa, e frequenta o Facebook e o Google mais do que a Whirlpool ou a Samsung, grandes fornecedores do Magazine.  

Ao se tornar CEO, em janeiro de 2016, ele foi ao conselho com um plano de cinco anos e uma missão clara:  ‘Transformar uma empresa tradicional de varejo com uma área digital em uma plataforma digital com pontos físicos.’  

A ação do Magazine sequer está no mapa de boa parte dos gestores.  Nenhum dos grandes gestores brasileiros consultados pelo Brazil Journal tem o papel, e, depois que a ação subiu 700% ano passado, quase ninguém tem coragem de se debruçar sobre o investment case hoje.  “Quem não viu o papel em 2015 agora não tem como vender internamente a ideia de olhar agora,” diz um gestor que tem o papel na carteira. “O bizarro não é quanto o papel subiu em 2016, e sim o quanto ele havia caído antes.”

Em 2011, o IPO da companhia saiu a R$ 16/ação, o que equivale a R$ 128 a preços de hoje, depois de um grupamento de ‘8 para 1’ em outubro de 2015. A ação bateu em sua mínima histórica em dezembro de 2015: de R$ 16 no IPO, o papel foi a R$ 1 em meio à queda nas vendas trazida pela recessão e a crise do Governo Dilma.  A partir dali, a ação começou a reagir e hoje negocia a R$ 255 (R$ 32 na escala antiga, ou o dobro do preço do IPO, seis anos depois).

Recentemente, o Magazine confirmou planos de levantar capital numa oferta de ações. Os recursos seriam usados para reduzir sua despesa financeira, hoje na casa de 4% do faturamento líquido, e reforçar sua estrutura de capital. Mas enquanto a política atravancar o caminho da economia, como tudo no Brasil, os planos parecem estar em standby.

 

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