Depois de trocar o management e assessores, e negociar por quase um ano, a Light e seus credores ainda não chegaram a um acordo.
Na sexta-feira, depois de receber uma proposta informal de alguns credores, a empresa protocolou um novo plano de recuperação judicial que vai ser apreciado na assembleia de credores em 21 de março.
O plano contempla uma injeção de dinheiro novo da ordem de até R$ 1,5 bilhão e uma capitalização mínima de R$ 3,5 bilhões, incluindo a conversão de dívidas. O plano ainda pode sofrer alterações até a data da assembleia, mas a Light não descarta que as discussões acabem no âmbito do Judiciário.
Desde o pedido de recuperação judicial no ano passado, o cenário para as distribuidoras em geral sofreu uma forte deterioração – na esteira da crise da Enel em São Paulo – com problemas operacionais e cobrança de reguladores. Neste cenário, além de buscar um acordo com os credores, a Light discute com a Aneel a renovação de sua concessão, que expira em 2026.
Nesta conversa com o Brazil Journal, o CEO Alexandre Nogueira explicou o racional do plano e os desafios da empresa.
Depois de quase um ano de negociações, a Light apresentou esse novo plano de RJ. Qual o racional por trás dele?
Este novo plano tem o foco na reestruturação financeira da companhia de forma que ela seja capaz de cumprir seu papel mais importante: fornecer energia com qualidade para os nossos 12 milhões de consumidores.
Para manter a companhia e a concessão sustentáveis no longo prazo, estamos buscando atender também aos nossos credores da melhor maneira possível.
Essa proposta que apresentamos na sexta-feira é inédita no Brasil, pois estamos propondo o pagamento integral à maior parte das pessoas físicas credoras e, além disso, dando condições mais vantajosas para quem apoiar o plano, contribuindo para a desalavancagem da companhia. Um processo de recuperação saudável é importante não só para a Light, mas também para o Rio de Janeiro. A Nova Light vai ser essencial para a recuperação da economia do Rio, um reencontro da empresa com a sociedade fluminense.
Muitos credores estão reclamando que houve um retrocesso em relação ao plano original. Por que existe esta percepção?
Não, muito pelo contrário. O plano original, apresentado pelo assessor financeiro que representava a empresa à época, previa deságios, e este novo plano apresenta várias alternativas para credores que desejarem apoiar a companhia em sua recuperação.
Diferentemente do plano anterior, o novo propõe uma injeção de capital, com a intenção dos acionistas de referência de fazer um aporte de R$ 1 bilhão. Esse “dinheiro novo” dos acionistas é extremamente necessário para a recuperação da companhia sem aumentar o endividamento.
Além disso, 60% dos credores que apoiarem o plano terão o pagamento integral de seus créditos, e quem tem valores a receber até R$ 30 mil receberá pagamento integral e à vista.
Qual é a situação operacional e financeira da Light hoje?
A Light segue operando com os desafios inerentes de sua área de concessão, que a essa altura a maior parte das pessoas já conhece. Temos indicadores de qualidade entre os melhores do País, mas a companhia tem plena consciência do desafio que são os investimentos necessários para atender aos seus consumidores. Financeiramente, estamos nos mantendo adimplentes com as obrigações intrassetoriais, fiscais e também com nossos funcionários e fornecedores.
Acreditamos que uma vez superado esse processo de recuperação judicial, abre-se um novo horizonte de melhorias e avanços para a empresa. A Light tem um parque de ativos bem antigo que necessita atualizações. Ela precisará de muito capex para se viabilizar. Há uma demanda de esforços e investimentos relevantes da concessionária na modernização de seus ativos.
Temos uma situação bem delicada, por exemplo, envolvendo a Ilha do Governador, onde a rede precisa ser modernizada e há um risco para o fornecimento. Temos investido bastante tempo e recursos nisso, nossas equipes têm perdido muitas noites de sono, mas vamos conseguir. Mas este é apenas um exemplo dos desafios que temos.
O que o processo de renovação pode gerar de obrigações?
Como já foi anunciado pelo Governo, para se renovar as concessões as empresas deverão ter um balanço financeiro equilibrado para fazer jus às obrigações, sobretudo aos investimentos para melhoria de qualidade e atendimento à população. A energia elétrica é um serviço essencial para o desenvolvimento econômico e social, e as nossas obrigações serão embasadas na melhoria do atendimento.
Já existe um entendimento em Brasília de que é preciso mudar as regras da concessão para reconhecer a realidade estrutural do roubo de energia no Rio de Janeiro?
Não posso falar pelo Governo nem pelo regulador, mas esta realidade existe não somente no Rio, mas também em outros Estados. Claro que a realidade do Rio se mostra mais intensa neste aspecto, mas já há discussões para aprofundar este tema e vários debates junto a representantes de classe e sociedade.
O que o processo de recuperação da empresa envolve, para além da reestruturação financeira?
A empresa tem dois desequilíbrios: o financeiro e o econômico. Essas duas ações andam juntas, e a saída tem que passar pela desalavancagem e pelo reequilíbrio contratual. Esta é a saída para que a empresa possa sair da situação atual o mais rápido possível, retomar sua sustentabilidade e fazer jus às suas obrigações.
Como vai ser usado o dinheiro novo que será injetado na companhia?
A intenção dos acionistas é que a holding aporte na distribuidora todo este dinheiro novo. Esse aporte automaticamente reduzirá o endividamento e dará fôlego para que a companhia possa ter recursos para fazer jus às obrigações de investimento e ao pagamento da dívida na sua integralidade, algo que não estava previsto no plano anterior.
Por que o plano prevê que o aumento de capital será feito a um preço que é a média dos 60 dias anteriores?
Essa é uma métrica comum de mercado, que foi usada em várias outras RJs, inclusive na Americanas, com aporte de recursos e conversão de dívida em níveis muito maiores do que na Light. É importante ressaltar que haverá dinheiro novo, essencial ao plano da Light, sendo aportado neste mesmo valuation.
Existe perspectiva de trazer dinheiro novo além da ancoragem dos atuais acionistas de referência?
Esta possibilidade está aberta a todos os acionistas que desejarem acompanhar o aumento de capital. A Light vê com muito bons olhos uma injeção de capital novo acima do proposto no plano. Se houver interesse, estamos abertos.
Como os atuais credores poderão participar de um eventual upside em caso da renovação da concessão e de um turnaround bem-sucedido da Light?
O credor que converter parte dos seus créditos em ações naturalmente participará de todo o upside da companhia. Por isso esse credor tem condições melhores, pois, ao converter créditos em ações, ele está acreditando na transformação da empresa. É um sinal de confiança importante.