O projeto que altera a Lei de Falências — aprovado na Câmara em agosto e que agora tramita no Senado — não poderia vir em momento mais oportuno. 

Passados 15 anos da aprovação da Lei 11.101, há maturidade e consenso sobre diversos pontos a serem alterados e há urgência na modernização para enfrentar os impactos inevitáveis trazidos pela pandemia. Porém, em meio às boas iniciativas, há uma questão que, se não corrigida, pode trazer, ao invés de avanços, um enorme retrocesso ao nosso precoce mercado de crédito. 

O principal ponto de atenção é a consolidação substancial — a unificação de todos os credores de diferentes companhias pertencentes ao mesmo grupo econômico. 

Quando a consolidação substancial é adotada, os credores são tratados, para fins de classificação de crédito e direito de voto, como se fossem credores de uma única empresa, o tal “grupo econômico”. Assim, o credor de uma subsidiária que detem o mais importante e valioso ativo do grupo se torna pari pasu (passa a ter direitos equivalentes) ao credor da holding deste grupo. Ou ainda, se torna pari pasu ao credor de outra subsidiária, inclusive aquela que pode deter um ativo tóxico e problemático que causou o processo de crise no grupo.

Esta discussão não é nova e já foi enfrentada diversas vezes em nossos tribunais. A jurisprudência é diversa, o que causa enorme insegurança jurídica. Há casos em que a decisão de se aceitar ou não a consolidação substancial foi delegada aos credores, votando individualmente em cada uma das empresas devedoras ou (pasmem) votando de maneira já consolidada. Já em outras decisões, a conveniência da consolidação substancial caberia ao juíz da recuperação. Neste sentido, uma definição quanto à forma de se tratar a consolidação substancial na lei é muito bem vinda. 

O risco aqui é a emenda sair pior do que o soneto.

Segundo o texto aprovado pela Câmara, caberá ao juiz responsável pelo processo autorizar ou não a consolidação substancial, sem qualquer consulta aos credores afetados. Apesar de deixar claro no texto que a autorização deve se dar “de forma excepcional”, são listadas no projeto quatro hipóteses, sendo que o atendimento de duas delas cumulativamente já seria suficiente para tal autorização. 

São elas: “(i) existência de garantias cruzadas; (ii) relação de controle ou de dependência; (iii) identidade total ou parcial do quadro societário; e (iv) atuação conjunta no mercado entre os postulantes”. O grande problema é que estas hipóteses são demasiadamente genéricas e se aplicam a todos os grupos econômicos brasileiros, nos quais, inevitavelmente, há, no mínimo, “relação de controle ou de dependência” e “identidade total ou parcial do quadro societário”.

Neste sentido, o projeto de lei abre o caminho para juntar no mesmo pote credores que basearam seus créditos em companhias independentes e com ativos sólidos com outros que aceitaram, por exemplo, correr o risco de emprestar a uma holding (e cobrar mais por isso). 

O potencial de desconfiguração de grupos societários e o nível de incerteza e conflitos entre credores e acionistas que a consolidação substancial pode causar é enorme — por isso a sua aplicação deve ser excepcionalíssima, como é na legislação americana (‘substantive consolidation’), e deve depender de autorização dos credores por ela afetados.

Disposições genéricas como as propostas causarão caos e inviabilizarão a devida análise de crédito e de risco, inviabilizando também o financiamento de projetos tão essenciais e necessários para o desenvolvimento do País.

No momento em que o Brasil dá passos importantes na construção de um mercado de capitais pujante, com investidores institucionais substituindo bancos públicos e privados como únicas fontes de financiamento de longo prazo, tudo o que não precisamos é de uma legislação que exponha tais investidores a riscos impossíveis de serem mensurados. 

Luiz Fabiano Saragiotto é sócio da Journey Capital.