O Uber e o Google têm torrado centenas de milhões de dólares para desenvolver sistemas de carros autônomos — que usam sensores e softwares para permitir que veículos de passeio circulem pela cidade sem um motorista.
Uma startup americana chamada Kodiak Robotics está fazendo exatamente a mesma coisa – mas para os caminhões — uma aplicação que o fundador Don Burnette considera “muito mais inteligente.”
“As grandes cidades são ambientes muito difíceis de dirigir, com muito movimento e muitas pessoas, enquanto a estrada é um ambiente bem mais estruturado e tranquilo,” Don disse ao Brazil Journal.
Além disso, “os caminhões autônomos endereçam uma demanda real. Nos EUA, 70% das mercadorias são movidas por caminhão e há um déficit de 80 mil caminhoneiros hoje.”
Fundada em 2018, a Kodiak é uma das principais startups focadas nesse segmento, depois que gigantes como a Waymo e o Uber desistiram dos self-driving trucks para focar apenas nos carros autônomos. Seu maior competidor é a Aurora, que se fundiu com um SPAC este ano e vale cerca de US$ 5 bilhões na Nasdaq.
A Kodiak, no entanto, tem conseguido atingir o mesmo nível de avanço tecnológico e KPIs melhores que os da concorrente — e com uma queima de caixa consideravelmente menor.
Don disse que a Kodiak queima cerca de US$ 16 milhões por trimestre, enquanto a Aurora torra cerca de US$ 200 milhões.
Parte dessa diferença na queima de caixa tem a ver com a decisão da Kodiak de não trabalhar com os chamados ‘high-definition maps’, que são “muito mais caros e muito mais difíceis de desenvolver”, e sim usar mapas mais simples, segundo Don. “Em termos de timeline eu diria que estamos lado a lado, mas acho que nosso approach é muito mais escalável e eficiente.”
Outra diferença é que a Aurora tem um time de desenvolvedores muito maior, porque decidiu fazer boa parte do desenvolvimento in house, enquanto a Kodiak faz parcerias com grandes companhias. “Eles construíram, por exemplo, seus próprios hubs de caminhões. A gente fez uma parceria com a Pilot [controlada pela Berkshire Hathaway] para isso.”
A solução da Kodiak tem o potencial de gerar economias brutais para as empresas de logística e varejo.
Hoje, cada caminhão roda uma média de 100 milhas por ano nos EUA, faturando cerca de US$ 200 mil. Com o sistema autônomo, a Kodiak estima que cada caminhão possa rodar perto de 300 mil milhas por ano com um faturamento de US$ 700 mil.
A Kodiak estima que as economias de custos podem aumentar a margem operacional dos clientes em cerca de 6x.
Além da economia óbvia de não ter o gasto com o caminhoneiro, o sistema autônomo permite uma redução dos gastos com seguro, economia com a gasolina – já que o caminhão dirige da forma mais eficiente possível – além de uma redução nas multas.
O sistema da Kodiak já está praticamente pronto, e a startup já venceu todos os obstáculos regulatórios. Hoje, 29 dos 50 estados americanos já permitem o uso de caminhões autônomos em suas estradas, outros 15 permitem o uso em teste (com um motorista junto, sem dirigir) e o restante ainda não tem nenhuma lei permitindo — nem proibindo.
Tanto a Kodiak quanto a Aurora, no entanto, decidiram implementar seus caminhões autônomos de forma faseada. A Kodiak tem uma frota de 40 caminhões autônomos rodando num modelo de testes, com um motorista que acompanha o trajeto sem dirigir. No ano que vem, essa frota começará a rodar sem o motorista e, a partir de 2025, a ideia é escalar a frota para o nível comercial.
“Já fizemos mais de 4 mil fretes com nosso sistema nos últimos quatro anos. Dirigimos quase 2,5 milhões de milhas e já temos uma rede de mapas de 29 mil quilômetros, a maior do mercado,” disse Don. “No final deste ano, eu diria que a tecnologia já vai estar pronta, e nos próximos anos o desafio vai ser mais de integração – ou seja, como vamos trabalhar com as companhias de logística e integrar nossa tecnologia no ecossistema deles.”
Para bancar a operação até 2025, a Kodiak está fechando uma rodada de US$ 75 milhões liderada pela Aliya Capital, a gestora de venture capital fundada pelo ex-sócio do BTG Emmanuel Hermann e pelo americano Ross Kestin.
A rodada foi estruturada como um SAFE, um instrumento de dívida conversível em equity no futuro. O valuation será um desconto de 25% sobre o da Série C da Kodiak – que deve acontecer em janeiro – com um cap de valuation de US$ 800 milhões para o SAFE.
Além da Aliya, a rodada teve a participação do family office de George Soros. Tanto Soros quanto a Aliya já eram investidores da Kodiak, e estão dobrando sua aposta na startup.
Até agora, a Kodiak já havia feito outras duas rodadas, levantando mais de US$ 200 milhões com investidores como a Pilot – a empresa de hubs de transportes controlada pela Berkshire – a Lightspeed e a Battery Ventures.
Ross, o CEO da Aliya e conselheiro da Kodiak, disse que o plano é fazer a Série C com um valuation de US$ 1,5 bilhão – e levar a companhia para a Bolsa no final do ano que vem.
O gestor estima que o mercado de fretes por caminhão movimente US$ 800 bilhões por ano nos EUA, US$ 4 trilhões globalmente, e US$ 40 bilhões no Brasil. A meta é que a Kodiak capture uma parcela de 10% a 20% desse mercado já nos próximos anos.
Por enquanto, a startup fechou contratos de teste com diversas empresas — incluindo a Ceva Logistics, a Ikea e a Maersk — além de ter ganho uma licitação para desenvolver caminhões autônomos militares para o Governo americano.
As empresas que já são clientes da Kodiak nesta fase de testes têm uma frota somada de 100 mil caminhões. Se todas transformarem os contratos de teste em contratos comerciais, a receita potencial da companhia seria de cerca de US$ 1,6 bilhão/ano, nas contas de Ross, e apenas na região do Sun Belt. “Se elas estenderem os contratos para outras regiões, chegaremos a US$ 6 bi por ano,” disse ele.
Por enquanto, o backlog de contratos já convertidos em comerciais é de cerca de US$ 370 mihões.
O contrato com o Governo americano também é superlativo: começou em US$ 50 milhões — uma receita que já está entrando no caixa — mas pode ultrapassar US$ 2 bilhões nos próximos anos conforme a Kodiak for implementando os sistemas e cobrando pelo uso de seu software. (A Kodiak opera num modelo de SaaS, cobrando dos clientes por cada milha rodada com seu sistema).
Depois que começar a operar nos EUA, um dos planos da Kodiak é levar a tecnologia para o Brasil, algo que Ross estima que possa acontecer já em 2026. Outro mercado no radar é a Arábia Saudita.
“Quando investimos no Airbnb e no Uber, lembro que falaram pra gente que eles nunca iam funcionar no Brasil, porque os brasileiros são desconfiados. Mas uma coisa que aprendi é que o que os Estados Unidos fazem, principalmente em termos de tecnologia, o resto do mundo tende a seguir,” disse o gestor. “E quando você olha o tamanho do Brasil e a importância do setor de commodities, a oportunidade no mercado de frete é gigantesca.”
Don fundou a Kodiak depois de trabalhar décadas no mercado de veículos autônomos.
Formado em engenharia e com mestrado em robótica, ele começou a pesquisar a tecnologia há 16 anos, quando fazia seu mestrado na Carnegie Mellon. Assim que se formou, foi um dos primeiros funcionários da Waymo — a companhia de veículos autônomos do Google — onde trabalhou por seis anos.
Em 2015, decidiu sair de lá porque a Waymo “estava muito focada em transporte pessoal”. Fundou a Otto, uma das primeiras companhias de self-driving trucks do mercado, que acabou sendo vendida para o Uber.
Dois anos depois, deixou o Uber pelo mesmo motivo e fundou a Kodiak. (Esse cara gosta mesmo de um caminhão.)