Numa rara investida contra o crime organizado, uma ação conjunta dos governos de São Paulo e federal está atacando frontalmente o arco que conecta o PCC à economia real, passando pelo mercado financeiro — num movimento que deve beneficiar o setor de combustíveis e cujas reverberações ainda não são totalmente claras. 

A megaoperação “Carbono Oculto” — a maior já feita até hoje contra o crime organizado no Brasil — é encabeçada pela Polícia Federal, Polícia Militar, o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) e pela Receita Federal, buscando desmantelar uma organização criminosa que, segundo a PF, domina parte da cadeia dos combustíveis e estruturou um esquema de lavagem de dinheiro do PCC, com envolvimento de players da Faria Lima. 

Agora de manhã, mais de 1.400 agentes desses órgãos cumpriram 200 mandados de busca e apreensão contra 350 alvos em dez Estados. 

Os agentes bateram na porta de diversos endereços na Faria Lima, incluindo o de gestoras conhecidas como a Reag Investimentos e de prédios icônicos como o Plaza Iguatemi, que abriga diversos family offices

A Reag, do empresário João Carlos Mansur, tem mais de R$ 200 bilhões sob gestão e é investigada como uma das empresas centrais do esquema, junto com as fintechs BK Bank e Bankrow. Na economia real, as autoridades alegam que o centro do esquema é o Grupo Aster/Copape, dono de usinas de álcool, distribuidoras e postos de combustíveis usados pelo PCC. 

A Receita Federal disse que já identificou 40 fundos de investimento, com um patrimônio somado de R$ 30 bilhões, que eram usados pelo PCC. Praticamente todos esses fundos eram fechados e tinham um único cotista — normalmente, outro fundo, criando uma camada de ocultação.

Segundo a Receita, esses fundos recebiam os recursos das operações irregulares no setor de combustíveis e adquiriram diversos bens, incluindo um terminal portuário, quatro usinas de álcool, 1.600 caminhões para o transporte de combustíveis, e mais de 100 imóveis, entre eles seis fazendas no interior de São Paulo avaliadas em R$ 31 milhões e uma casa em Trancoso de R$ 13 milhões. 

Parte desses bens já foi congelada. A Justiça decretou hoje a indisponibilidade de quatro usinas, cinco administradoras de fundos, e cinco redes de postos com mais de 300 unidades.  

Ainda segundo a Receita, esses fundos eram usados com o objetivo de ocultação e blindagem patrimonial e os indícios sugerem que as gestoras estavam cientes e contribuíam com o esquema, inclusive não cumprindo obrigações com a Receita. 

Para movimentar os recursos, o crime organizado se utilizava de fintechs, aproveitando brechas na regulação dessas instituições. 

“Essas brechas impedem o rastreamento do fluxo dos recursos e a identificação, pelos órgãos de controle e de fiscalização, dos valores movimentados por cada um dos clientes da fintech de forma isolada,” disse a Receita, acrescentando que uma dessas brechas é a “conta-bolsão”, uma conta aberta em nome da própria fintech em um banco comercial por onde transitam de forma não segregada recursos de todos os seus clientes. 

“Era dessa forma que as operações de compensação financeira entre as distribuidoras e os postos de combustíveis eram realizadas, assim como compensações financeiras entre as empresas e os fundos de investimentos administrados pela própria organização criminosa. A fintech era usada ainda para efetuar pagamentos de colaboradores e de gastos e investimentos pessoais dos principais operadores do esquema.”

Outra brecha é a não obrigatoriedade de prestação de informações à Receita sobre operações financeiras dos clientes por meio da e-Financeira. “Em 2024, a Receita Federal promoveu alterações normativas referentes à e-Financeira visando dar maior transparência e diminuir a opacidade das instituições de pagamento, mas elas foram revogadas no início de 2025 após onda de fake news sobre o tema.”

A operação foi comemorada pelas distribuidoras de combustível formais, que há muito tempo pediam uma ação mais enérgica do Estado para coibir a concorrência desleal. Ultrapar, Vibra e Raízen sobem cerca de 5% com a notícia no final da manhã.  

Luiz Carvalho, que cobre o setor no BTG, disse que a operação “é um ato maiúsculo do governo de São Paulo para combater ilegalidades que são bem conhecidas no setor. Difícil quantificar o impacto imediato, mas, se eficazes, as medidas podem ajudar nas margens estruturais do setor.”

Os próximos meses dirão se os resultados dessa operação serão acolhidos pela Justiça ou anulados com base em alguma tecnicalidade — algo cada vez mais comum no Brasil. 

Também a ver: se existe uma perna política neste esquema, e se ela será finalmente exposta.