O posto de ícone do mundo dos negócios tem um novo candidato: Jensen Huang, um dos fundadores e CEO da Nvidia, a fabricante de chips que se tornou a grande força da inteligência artificial.

Não há dúvida de que ele é a bola da vez. Em meados do ano passado a Nvidia ultrapassou a Apple e foi a primeira empresa a bater a marca de US$ 3 trilhões em valor de mercado. Hoje já são US$ 4,3 trilhões.

Aos poucos também vai ficando claro que a Nvidia não é simplesmente um fornecedor felizardo de um componente central da IA; ela foi e ainda é o motor que proporcionou a decolagem dessa indústria.

É essa história que Stephen Witt conta em The Thinking Machine: Jensen Huang, Nvidia, and the World’s Most Coveted Microchip, que acaba de ser lançado no Brasil com tradução de André Fontenelle e o título A Máquina que Pensa, pela editora Intrínseca. (Compre aqui)

Nvidia

Não é a única obra com essa ambição. Há cerca de 20 livros recém-lançados ou por lançar que prometem contar a história, os segredos, as lições, o que quer que seja de Jensen Huang.

Witt se destaca, porém, por ter entrevistado uma centena de pessoas, ter tido acesso privilegiado a Huang – sobre quem já havia feito um perfil na The New Yorker – e até por ter sofrido uma das brutais descomposturas que o imigrante taiwanês distribui com certa prodigalidade a seus funcionários.

O resultado é um livro recomendado pela The Economist como um guia básico não apenas de Huang como também desse complexo mercado da AI e seu crescimento a partir da junção de duas inovações  improváveis: a computação paralela e as redes neurais.

Clayton Christensen + Andy Grove

Huang tem várias semelhanças com Steve Jobs, o modelo por excelência dos candidatos a ícone dos negócios. Há o uniforme (não uma camisa preta de gola rolê, mas uma jaqueta de couro e duas dúzias de camisetas pretas idênticas que ele reveza diariamente), o amor pela caligrafia (sua letra de mão caprichada), o temperamento estourado (mas só quando alguém ousa discordar dele), a audácia de apostar a empresa inteira em prol de uma meta abstrata.

Mas suas peculiaridades são mais marcantes: ele tinha currículo para entrar em qualquer universidade (além de notas extraordinárias, nível profissional em tênis de mesa) mas escolheu a estadual de Oregon, onde morava; cursou-a até o fim (contrariando o estereótipo do inventor que abandona o curso) e ainda fez um doutorado depois.

Casou com sua namorada de faculdade e permanece com ela até hoje (também engenheira elétrica, abandonou a carreira para cuidar dos filhos). Teve infância pobre e sofreu bullying na escola. Desde essa época, tem a rotina de fazer dezenas de flexões de braço por dia.

Para quem busca lições de negócios, a trajetória de Huang ilustra a aplicação prática dos conselhos de dois gurus dos anos 1990.

O primeiro é Clayton Christensen, o professor de Harvard famoso por suas ideias sobre o dilema do inovador. Por causa dele, Huang sempre achou que poderia desbancar gigantes dos chips como a Intel conquistando mercados marginais pelos quais ela não tinha interesse e melhorando a qualidade aos poucos.

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Foi exatamente o que aconteceu. A Nvidia nasceu quando os dois sócios originais (Chris Malachowsky e Curtis Priem) inventaram um chip perfeito para atender um nicho do mercado – os gamers. A Sun Microsystems, onde trabalhavam, não se interessou, e como os dois viviam às turras e acreditavam não ter talento para gestão, convidaram Huang para ser sócio e CEO da sua startup.

A evolução do primeiro chip desembocou na invenção dos processadores gráficos (GPUs), capazes de renderizar imagens com muito mais rapidez.

E aí entra o segundo guru: Andy Grove, da Intel, com sua tese de que “só os paranóicos sobrevivem”. Durante anos a Nvidia andou de lado porque Huang reinvestia todo o lucro em pesquisa e desenvolvimento.

“Se nós não reinventarmos a computação gráfica, se não nos reinventarmos e não abrirmos o panorama para as coisas que se podem fazer nesse processador, vamos ser comoditizados até a morte,” disse uma vez. 

Ousar era arriscado, não ousar era mais.

Além do foco

A estratégia de Huang era subsidiar a criação de ferramentas que alguém, em algum lugar, em algum momento usaria para dar um salto maravilhoso no conhecimento humano.

Mais ou menos como a descoberta de artesãos holandeses de que as lentes de óculos podiam ser rearranjadas para enxergar objetos distantes – e isso permitiu a Galileu Galilei mudar nosso entendimento sobre o universo.

Deu certo. As funcionalidades extras dos chips acabaram permitindo o desenvolvimento de uma nova via em inteligência artificial. Havia décadas que os cientistas tentavam ensinar as máquinas a pensar dando-lhes regras lógicas. O resultado era pífio. O chip de renderização gráfica, com sua computação em paralelo – exponencialmente mais rápida – permitiu a implementação de um método chamado retropropagação, pelo qual o computador faz inúmeros cálculos e usa os resultados como aprendizado. Eram as redes neurais.

“O que Huang faz,” diz um entrevistado de Witt, “é além do foco. Eu chamaria de ressonância.” A ideia é estar em contato com as extremidades de sua empresa, do mercado, do conhecimento, para sentir o movimento e a possibilidade de inovações significativas.

Depois disso, claro, vem a coragem de agir. Ao perceber as possibilidades das redes neurais, Huang pivotou a empresa. Instantaneamente. Num fim de semana, comunicou a todos os funcionários que eles não trabalhavam mais numa fabricante de chips, mas numa firma de AI. Confiou em seus instintos o suficiente para arriscar seus lucros, seu principal produto, até seu emprego (quando foi questionado por acionistas ativistas).

A maioria das pessoas que faz isso fracassa. Huang colheu uma valorização de mais de 300.000% desde o IPO da Nvidia, em 1999. Por enquanto.