Em busca de seu primeiro trabalho em uma cozinha, Caio Yokota, que hoje comanda os frenéticos taiwaneses Mapu e Aiô, colocou no currículo ainda mirrado apenas duas atividades prévias: a participação em uma associação cultural japonesa durante a juventude; e o trabalho numa fábrica de doces numa província do Japão, da qual avistava o topo do Monte Fuji.

Estavam omitidos os pormenores. Na associação, tocou tambor japonês e flauta transversal de bambu por dez anos. Para arrecadar dinheiro para o grupo, fazia mousse de maracujá e compota de amoras para vender nos festivais de cultura japonesa. A cozinha lhe consumia ainda com outras atividades – ele picava cenoura e repolho para o yakisoba, fazia curry japonês, fechava pastéis à mão e preparava massa para tempurá.

Já na fábrica de doces, anos depois, era responsável pela sessão de bolinhos enfeitados. Uma de suas tarefas era o gesto mecânico de dispor um chocolatinho sobre um pequeno bolo, num ciclo de duas horas de repetição. A mesma lógica industrial era adotada para empacotar waffles, cortar pães para torrada e desenformar doces de moldes de silicone.

O currículo escasso não foi impedimento para que o experiente Flávio Miyamura o contratasse em seu restaurante Miya, hoje extinto. “Sua praça é a pia. Tem que estar limpa o tempo todo” – Caio recorda ter ouvido do chef.

Em seus três meses de estágio, no entanto, angariou outras funções ao aprender como modelar massas artesanais manualmente, limpar e porcionar peixes e fazer corte brunoise, por meio do qual transforma legumes e frutas em cubos minúsculos.

Mal sabia ele que viria a ser um chef reconhecido em todo o Brasil antes dos 30 anos, graças ao trabalho autoral que realiza em parceria com Victor Valadão no Mapu, que homenageia a comida de rua taiwanesa, e no Aiô, cujo cardápio expressa a criatividade e o talento da dupla e sua interpretação da cultura alimentar de Taiwan, país para o qual viajaram para fazer pesquisas.

10 17 Caio Yokota ok

À época do Miya, Caio havia se mudado do interior para São Paulo para estudar gastronomia, depois de largar a faculdade de engenharia de alimentos. Antes de tudo, queria ser biólogo, mobilizado pelo apreço que tem pelos estudos de fauna e flora.

Todo esse trajeto o conduziu, porém, à cozinha, um possível reflexo das influências da infância. Cresceu no restaurante do pai, um filho de imigrantes japoneses que vieram de uma província agrícola para plantar batatas no interior de São Paulo – e, por força do acaso, viraram feirantes.

No início da década de 1980, a família Yokota abriu o Haw Lai em Bragança Paulista, um restaurante chinês que resiste ao tempo. A operação envolveu grande parte dos parentes. Sua avó, por exemplo, era responsável pelas frituras – harumakis, frango frito, peixe empanado.

Ainda pequeno, Caio dizia à mãe que queria ser cozinheiro. Filha de imigrantes japoneses, ela sempre foi afeita aos trabalhos manuais. Pintava, costurava, enrolava brigadeiros coloridos para as festas infantis. Assim como ela deve ter herdado essa habilidade do pai, um alfaiate rigoroso, Caio também assimilou esse talento manual, que aplica na cozinha com precisão.

No Aiô, transforma tomates bestas em uma salada divina, na qual brinca com texturas e cores. Os tomates ganham profundidade de sabor com o incremento que recebem de garum, um fermentado à base de cogumelos e grão-de-bico, óleo de pimenta e macadâmia e crocante de feijão moyashi.

Suas criações são feitas em conjunto com Victor Valadão, que lidera as cozinhas com ele. “O que queremos mostrar com um prato? A partir daí, a gente pensa em textura, aroma, estética e sabor. A gente olha as receitas como quebra-cabeças. Precisamos juntar as peças que fazem sentido, mesmo que, às vezes, sejam inusitadas. São fragmentos das nossas histórias, viagens, estudos e das técnicas que aprendemos em outras cozinhas.”

De sua trajetória, aliás, traz aprendizados importantes. Passou pela cozinha do Aizomê, um dos restaurantes japoneses mais celebrados do Brasil, e pelo Tuju, com duas estrelas Michelin. Do Aizomê tem uma lembrança olfativa – como Proust em suas memórias involuntárias disparadas pelo aroma das madeleines. 

Foi lá que Caio aprendeu a afiar faca, respeitar o alimento e valorizar cada processo culinário – e também onde comeu um choux cream ultrafresco da confeiteira Vivi Wakuda que o fez levitar. “Eu disse pra ela: Você mudou a minha vida!”

No Tuju, onde ficou mais tempo e foi efetivado, entrou em contato com novos produtos brasileiros, novas técnicas e uma biblioteca imensa do chef Ivan Ralston. Colhia plantas alimentícias não convencionais na estufa interna para fazer um bouquet inusitado servido com creme de castanhas; fazia tempurá de folha de pepino e crudo de carne com bottarga.

Lembra-se, com clarividência, de suas mãos trêmulas na primeira vez que finalizou um prato na cozinha escancaradamente aberta para o salão. “Foi duro. Tinha muita luz, todo mundo via, tudo tinha que ser impecável, limpo, a postura perfeita. O gestual era muito importante e era preciso trabalhar em silêncio.”

De um restaurante estrelado, topou a aventura de migrar para um food truck de cozinha taiwanesa que viria a desaguar no Mapu e depois no Aiô, ambos do empresário Duílio Lin, filho da taiwanesa Jasmine Chin Chih Chen, outrora chef do Zu Lai, o maior templo budista da América Latina.

Entre uma coisa e outra, fez uma segunda pausa no Japão e, de volta ao Brasil, antes de assumir o truck, armou alguns jantares em sua própria casa. Com o caminhão, Caio e Lin circulavam pela Vila Mariana e arredores depois da improvisada pré-produção na casa de dona Jasmine. O arremate dos pratos era feito na rua, onde fritavam as berinjelas e o frango crocante e finalizavam os arrozes.

Para Caio, alguns traços particularizam a cozinha taiwanesa, tanto a comida de rua quanto as criações autorais: o vapor como meio de cocção, a ausência de caramelização e o uso da wok, aquela panela abaulada onde são feitos os salteados, a um calor violento.

“É uma cocção rápida, que preserva a textura dos vegetais e tem um aroma insubstituível, que não tem como replicar.”

Sua familiaridade com essa panela é antiga. Observava os cozinheiros manusearem as woks no restaurante chinês de seu pai, numa época em que tinha medo de chegar perto e fracassar.

O fracasso, no entanto, passou longe. Neto de japoneses, criado dentro de um restaurante chinês e hoje chefiando restaurantes taiwaneses, Caio e sua cozinha são produto de culturas que se cruzam e se complementam.