Com a confiança em colapso, a Argentina tem um novo ministro da Economia, o peronista Sergio Massa, que anteriormente era o presidente da Câmara.
Próximo ao empresariado, Massa assume com a expectativa de estabelecer um grau mínimo de racionalidade na política econômica e evitar que o país imploda numa nova crise da dívida e hiperinflação. Um sinal positivo foi o recuo no preço do dólar paralelo.
Na prática, o enfraquecido presidente Alberto Fernández entregou o governo para Massa, que terá um superministério: além da Economia, ficarão sob seu comando as pastas de Produção e Agricultura.
“A indicação de Massa pode ser como uma manifestação do fim do experimento populista,” disse o economista argentino Rafael di Tella, professor da Harvard Business School, em conversa com o Brazil Journal. “Com Massa, poderemos ver o triunfo da ambição sobre o dogma. É uma boa notícia, no sentido de que agora os populistas entenderam que necessitamos de um mínimo de consenso para administrar a economia.”
Ambição, no caso, é conquistar a Presidência da República na eleição do próximo ano. Massa, afirmou Di Tella, pode ter se inspirado no sucesso político de Fernando Henrique Cardoso com o Plano Real.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Qual o significado, para a economia e para a política, da nomeação de Sergio Massa como superministro?
A experiência populista enfrenta a cada dia mais as suas restrições econômicas. Até recentemente, havia algum espaço por causa dos investimentos feitos nos anos 90 e havia um ambiente internacional de juros baixos. Agora vemos problemas como a oferta da energia e, principalmente, a inflação.
O governo Alberto Fernández é muito fraco e tinha dificuldades para explicar para a população as restrições na economia. É preciso fazer ajustes – e a indicação de Massa pode ser vista como a manifestação do fim do experimento populista.
Com Massa, podemos ver o triunfo da ambição sobre o dogma. É boa notícia, no sentido de que agora os populistas entenderam que necessitamos de um mínimo de consenso para administrar a economia. Existe a expectativa de termos um governo ao menos um pouco mais pró-mercado.
A desvalorização do peso aponta para uma inflação em alta. O que pode ser feito para reverter a situação?
Antes de mais nada, deve ficar claro que temos uma crise cuja origem é política. O governo não tem como entregar as suas promessas populistas. Não há como manter por mais tempo os subsídios na energia, por exemplo.
É um momento de tensão dentro da base governista, porque há aqueles que insistem em fazer ainda mais políticas populistas. Mas temos um acordo com o FMI, não podemos simplesmente virar as costas.
Então vejo um paralelo interessante com o Brasil. Uma maneira de interpretar a aposta de Massa é que ele imagina que poderá seguir uma história parecida com a de Fernando Henrique Cardoso.
Cardoso foi ministro de um governo relativamente fraco e teve sucesso, o que lhe deu a chance de ser um dos melhores presidentes que tivemos na região. Massa talvez esteja pensando nisso.
Existe alguma chance de dar certo? A possibilidade não é zero, mas é pequena. Muitos kirchneristas insistem nos subsídios, em mais políticas populistas.
A indicação de Massa significa que os kirchneristas tiveram que ceder. Mas continua a existir o conflito político. Provavelmente, eles apenas fizeram um cálculo para permanecer no poder. O sucesso dependerá da capacidade de Massa de fazer os ajustes.
O senhor diz que Mauricio Macri não foi um presidente populista. Ainda assim, não conseguiu controlar a inflação e perdeu a reeleição. O que deu errado?
Macri fez algumas boas reformas, implantou boas políticas. Mas ou abusou do otimismo da questão fiscal –e nesse caso eu seria crítico– ou simplesmente não teve os votos necessários para fazer os ajustes necessários. Fica esse ponto de interrogação em minha cabeça. Se faltou força política ou se houve negligência.
Acredito que o governo Macri foi otimista demais nos dois primeiros anos. Imaginavam que poderiam controlar a inflação mais facilmente e buscaram correções apenas nos últimos anos do mandato.
O senhor tem estudado o populismo político na América Latina. Por que ele é tão forte na região?
Não é fácil responder a essa questão. Uma das respostas está na elite desses países, quando comparadas com a dos Estados Unidos. Não vemos na América Latina a elite agindo como os bilionários americanos, que fundaram hospitais, universidades.
Nos Estados Unidos, os bilionários doam todo o dinheiro que eles acumularam. Na América Latina, é muito fácil ter ódio aos ricos – e explorar esse sentimento politicamente.
Vejo, entretanto, com otimismo a ascensão desses jovens bilionários de empresas ligadas à internet, como os criadores do Mercado Libre na Argentina e do Nubank no Brasil. As pessoas gostam deles, têm uma opinião positiva em relação a esses empreendedores.
Quando eles são atacados pelos populistas na Argentina, o tiro acaba saindo pela culatra. Temos algo novo. Não é como ocorreu no passado, quando os peronistas causavam impacto atacando oligarcas.
A corrupção contribui para o populismo?
Infelizmente, acho que os eleitores se preocupam muito pouco com a corrupção. Prevalece a visão cínica de que todos são corruptos e escolhem candidatos de acordo com as suas preferências pessoais e ideológicas. Se alguém gosta de Kirchner diz que Macri é corrupto, sem nenhuma evidência, apenas para justificar o seu apoio.