Charlie Munger engrossou o alerta de que uma tempestade está se formando no setor de imóveis comerciais dos EUA, com os bancos “carregados” de créditos com alta probabilidade de virar pó.
O sócio de Warren Buffett fez os comentários em uma entrevista ao Financial Times.
“Não é tão ruim como foi em 2008,” afirmou o vice-chair da Berkshire Hathaway ao FT. “Mas problemas acontecem no sistema bancário como acontecem em outros setores. Nos bons tempos as pessoas começam a ter maus hábitos… Quando chegam os tempos ruins, elas têm grandes prejuízos.”
A Berkshire já assumiu posições relevantes em instituições financeiras em momentos de estresse no mercado – mas dessa vez se manteve distante do Silicon Valley Bank, do Signature Bank e do First Republic, adquirido hoje pelo JP Morgan Chase.
“A Berkshire já fez alguns investimentos em bancos que tiveram bons resultados, mas tivemos algumas decepções com bancos também,” disse o gestor. “Não é tão fácil administrar um banco de maneira inteligente. Há tentações demais para se fazer coisas erradas.”
Ainda segundo Munger, há muitos problemas hoje no setor de imóveis comerciais. “Temos muitos problemas em edifícios de escritórios, em shopping centers… Há muita agonia.”
Os bancos apertaram o crédito nos últimos meses, mas ainda assim carregam em seus balanços vastas posições em financiamentos para empreendimentos imobiliários comerciais.
A CEO do Citi, Jane Fraser, disse hoje à Bloomberg que bolsões do mercado imobiliário comercial em Manhattan estão na raiz do problema, com os proprietários lutando para aumentar a ocupação dos escritórios no pós-covid.
Segundo a Bloomberg, Fraser disse que está particularmente preocupada com a dívida imobiliária que foi empacotada em ‘mortgage backed securities’ com um rating baixo.
Já o CEO da Brookfield, Bruce Flatt, disse à Bloomberg que as “generalizações são perigosas”, mas que, dentro do mercado imobiliário, o segmento que mais está em risco é “o escritório tradicional, commodity.”
Os comentários de Munger, Fraser e Flatt reforçam análises feitas há meses por diversos outros gestores e estrategistas dos EUA.
O Morgan Stanley, por exemplo, fala em um cenário pior do que o da grande crise financeira de 2008, com os preços podendo cair até 40%.
Já Michael Harnett, do Bank of America, resumiu a situação da seguinte maneira: “O setor imobiliário comercial é uma jiboia abraçando firmemente a economia americana, sufocando o crescimento pelos próximos dois anos.”
Com a pandemia, os escritórios ficaram desertos, e a ocupação ainda está longe de se aproximar dos níveis pré-covid. No ano passado, começou o golpe final: o aumento das taxas de juros, elevando às alturas o custo dos financiamentos.
Com isso, o setor de imóveis comerciais estaria prestes a se chocar contra um gigantesco “muro do refinanciamento”: mais da metade dos US$ 2,9 trilhões em de hipotecas comerciais vencem nos próximos dois anos, segundo o Morgan Stanley. Os juros para a renovação deverão ficar entre 3,5 e 4,5 pontos percentuais acima dos contratos atuais.
Nesse ambiente de mudança estrutural do mercado e condições financeiras mais apertadas, o banco estima que os imóveis comerciais poderão ter uma desvalorização de até 40%, rivalizando com o tombo visto depois da crise financeira de 2008.
Os bancos carregam em seus balanços 70% do crédito imobiliário que vence nos próximos anos – e a maior parcela é das instituições regionais de menor porte, com menos de US$ 250 bilhões em ativos, que foram responsáveis por 80% dos financiamentos originados nos últimos anos.
Um dos principais focos de alerta, portanto, são os bancos regionais, já abalados também pela alta dos juros e pelos colapsos do Silicon Valley Bank, do Signature Bank e do First Republic.
Segundo o Wall Street Journal, os bancos tinham US$ 444 bilhões desses papéis em seus balanços no final de 2022. A perda não-realizada – ou seja, não marcada a mercado – somou US$ 43 bilhões no primeiro trimestre, pelos dados da Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC).
Os níveis de vacância nos prédios comerciais são os mais elevados em duas décadas. A queda nos preços e o aumento na inadimplência representam o risco de serem os próximos dominós a cair sob o efeito da alta dos juros.
Em São Francisco, 30% das salas comerciais estão vazias, oito vezes o percentual anterior à pandemia. Os valores pedidos para os aluguéis já caíram 15% em relação aos preços de 2019. Em Nova York a vacância atingiu 16%, nível poucas vezes registrado na história.