O mercado começa a fazer as contas de quanto vale a BR Distribuidora, à espera do IPO que deve acontecer em dezembro.
Numa conta ainda preliminar, baseada em números públicos, o UBS estima que a maior distribuidora de combustíveis do Brasil valha cerca de R$ 29,5 bilhões – incluindo as dívidas —, o equivalente a 11,4 vezes sua geração de caixa (EBITDA) deste ano.
A conta embute um prêmio em relação à Raízen, que, se separada da Cosan, negociaria a 10 vezes EBITDA nas contas do UBS, e um pequeno desconto em relação à Ipiranga, avaliada em 12,5 vezes.
Os números do banco, que não faz parte do consórcio que trabalha no IPO, permitem antever os argumentos que serão usados quando a oferta for a mercado.
Os bancos coordenadores venderão a ideia de que a ineficiência da BR — que opera com margens muito menores que as concorrentes e vem perdendo mercado — trata-se, de fato, de uma oportunidade.
A ideia é que, após a abertura de capital, a empresa ganhará eficiência e rentabilidade, justificando um prêmio em relação às concorrentes. (Infelizmente para o investidor, o plano deverá ser pago na frente.)
O que os bancos e a empresa tentarão subestimar é o risco de se investir numa estatal, cujo ‘valuation’ pode mudar bruscamente se o presidente eleito em 2018 for João Doria, Lula, Ciro Gomes ou xxxx (insira aqui sua esperança de centro-direita).
A Petrobras dirá que está fortalecendo a governança da BR para protegê-la de influências nefastas, mas ainda não há propriamente um teste de virgindade das estatais pós-Lava Jato.
Os analistas Luiz Carvalho e Julia Ozenda destacam que há espaço para ver o copo meio cheio ou meio vazio — ainda que, no cenário básico, eles se inclinem mais para a primeira perspectiva. Tudo na conta, e com o ‘desconto de estatal’ ainda incerto, eles estimam que a BR possa ser avaliada entre 8 e 12 vezes seu EBITDA recorrente: ou algo entre R$ 24 bilhões e R$ 36 bilhões.
No ano passado, a Petrobras chegou a ensaiar outro negócio, de ‘valuation’ muito mais seguro: vender metade do capital da BR para um ou mais fundos de private equity, que ficariam encarregados do turnaround da empresa. (A estatal manteria a maioria do capital, mas teria apenas 49% das ações com direito a voto.)
O modelo foi chamado de ‘controle compartilhado’, mas nem assim o CEO Pedro Parente conseguiu vencer o corporativismo dos funcionários da estatal, que resistiram à operação.
Assim, restou à Petrobras o IPO, no qual a estatal espera vender uma fatia de 30% a 35% da BR.
“Tudo vai depender de como eles vão blindar o negócio da interferência do governo”, diz um gestor.
A dificuldade de se calcular o valor potencial da BR já começa no básico: qual é a geração de caixa recorrente da BR?
Nos últimos anos, o EBITDA da distribuidora tem oscilado muito, em razão de baixas contábeis, provisões para perdas judiciais, dívidas com a Eletrobras e programas de demissão voluntária. Desde 2012, o número variou de R$ 1,2 bilhão negativo a R$ 3,2 bilhões.
Feitos todos os ajustes, o UBS conclui que a geração de caixa recorrente é de R$ 3 bilhões, um número similar aos de Ipiranga e Raízen, apesar da BR ter 30% do mercado, contra 19% e 21% das concorrentes, respectivamente.
Este fosso de eficiência fica claro nas margens. Enquanto o EBITDA da BR é de R$ 70 por metro cúbico de combustível, o das rivais é quase o dobro: R$ 130 para a Ipiranga e R$ 120 para a Raízen.
Apesar dos ganhos de margem nos últimos anos, a empresa não tem sido páreo para suas concorrentes privadas. Em 2016, a margem EBITDA teve leve alta em relação ao ano anterior e de 23% em relação a 2014, enquanto as vendas caíram 15% e 21%, respectivamente.
No mesmo intervalo de dois anos, a Ipiranga conseguiu entregar um aumento de margens muito maior, de 47%, com uma queda nas vendas bem menor, de 8%. Na Raízen, os volumes ficaram estáveis, com um ganho de margens de 36%.
Nos seus cálculos, o UBS considera que a margem EBITDA da BR vai aumentar gradativamente, passando a R$ 81 por metro cúbico no próximo ano e se aproximando dos pares em 2021, com R$ 116/m3. O banco avalia ainda que o mercado de combustível, que vem caindo nos últimos anos por conta da recessão, deve crescer 2% no próximo ano e 3% a partir de 2019.
Mais: se conseguir retornar aos volumes de 2014 e igualar as margens da Ipiranga, a geração de caixa da BR poderia dobrar, o que justificaria um valuation de 15 vezes o EBITDA recorrente atual, ou R$ 45 bilhões.
A grande questão é se uma companhia cuja direção até poucos anos atrás estava loteada a Fernando Collor em troca de apoio político conseguirá fazer um ‘turnaround’ tão espetacular.
No mês passado, o ex-presidente virou réu na Lava Jato, acusado de ter liderado um grupo que recebeu mais de R$ 29 milhões em razão de um contrato de troca de bandeira de postos e contratos de construção de bases de distribuição de combustíveis firmados entre a BR e a UTC Engenharia.
Em empresa pública é assim: embandeira-se o posto do amigo do deputado — não importa quão antieconômico seja — e contratam-se empreiteiras amigas do Governo para fazer obras superfaturadas.
No mês passado, a Petrobras injetou R$ 6 bilhões na BR, e uma dívida de R$ 16 bilhões que a BR tinha a receber da Eletrobras foi retirada do balanço e alocada na recém-criada Petrobras Downstream.
“Colocar a BR nos múltiplos de Ultrapar [dona da Ipiranga], que é uma empresa com execução espetacular não faz o menor sentido”, diz um outro gestor, para quem um múltiplo de 9 vezes EBITDA pode ser o teto para a BR. “Além da diferença na gestão, tem uma questão estrutural: a BR é muito mais capilarizada, o que aumenta os custos com transporte e logística de combustível. A margem nunca será a mesma”.