O debate sobre a questão fiscal está pegando fogo, mas o Brasil tem oferecido oportunidades únicas no setor privado, como os negócios relacionados ao desafio climático.
“O Brasil está crescendo um pouco mais rápido do que se imaginava nos últimos três, quatro anos. Será que isso não tem a ver com o novo papel do Brasil no investimento em energia renovável?,” Ilan Goldfajn, o presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento, disse ao Brazil Journal.
O ex-presidente do Banco Central está empenhado em ampliar a atuação no Brasil do BID Invest, o braço do BID que atua junto ao setor privado. O banco acaba de abrir uma posição de gerente sênior em São Paulo para acompanhar o financiamento a projetos de empresas na América Latina.
“O BID está virando um banco multilateral com forte ênfase no setor privado,” disse Ilan. “E a experiência de 65 anos trabalhando com os governos traz uma sinergia quase única.”
No começo do ano, o BID Invest recebeu um aumento de capital de US$ 3,5 bilhões e criou um novo modelo de atuação, que ajuda na originação dos projetos e depois delega ao mercado a captação de grande parte dos recursos.
Maior cliente do banco, o Brasil terá R$ 20 bilhões em 2025 para projetos públicos e privados.
Ilan é o primeiro brasileiro a liderar a instituição desde sua fundação em 1959, mas costuma dizer que é presidente do BID “para os 26 países da região”.
“Mas é óbvio que, quando estou conversando aqui, eu já conheço todo mundo e todo mundo me conhece. Quando falam da COP em Belém, eu sei onde é Belém. Já estive lá. Os governadores e prefeitos me conhecem. Isso dá uma certa facilidade.”
Nesta conversa com o Brazil Journal, ele detalhou também os planos de reforma dos bancos multilaterais, a ênfase do BID no financiamento climático e o cenário para a economia brasileira.
Um dos temas discutidos durante a reunião do G20 foi a reforma dos bancos multilaterais. Houve avanços concretos? O que vai acontecer daqui para frente?
Esse é um tema que vem sendo tratado há um bom tempo. Conversamos com os participantes do G20, com os ministros dos países sobre qual é a reforma que eles querem. Basicamente, a ideia é como os bancos multilaterais podem ser “bigger, better e bolder”.
Ou seja, quanto mais a gente consegue financiar? Então, houve um trabalho olhando os balanços dos 12 bancos multilaterais, como o próprio BID, mas o Banco Africano, da Ásia, do da Europa, dos BRICS. Muitas vezes é preciso administrar melhor o seu balanço para poder emprestar mais. E chegamos a um valor de mais de US$ 400 bilhões nos próximos 10 anos.
Por exemplo, o BID tem exposição na América Latina e o Banco Africano na África. Se a gente faz um acordo de troca de portfólio, eles ficam com risco da América Latina e nós com pouco risco da África, conseguimos gerar mais recursos para emprestar quase do nada, porque ao diversificar diminui o risco do balanço.
Alguns dos bancos conseguem trabalhar com um pouco mais de alavancagem para poder emprestar mais. Isso exige mudar cláusulas, trabalhar com os seus conselhos.
Podemos trabalhar melhor o callable capital, que é capital que os nossos sócios já nos disseram que está disponível. Só que nunca era muito claro se já estava disponível de fato, quando isso seria, se dependia de alguma mudança legislativa. Então, fizemos um estudo que analisou qual era o valor real disponível no curto prazo.
O financiamento climático foi definido como uma das frentes prioritárias para o BID. No entanto, os países ricos, que são sócios do BID, não cumpriram os valores prometidos para a questão climática desde 2009. Como o BID ajuda na mobilização de seus próprios sócios?
Na COP 29, no Azerbaijão, os países ricos acabaram de anunciar que vão colocar US$ 300 bilhões para o financiamento climático. Os bancos multilaterais juntos vão responder por US$ 120 bilhões, uma parcela relevante de toda essa história. No ano passado, os recursos realizados no BID para o clima já foram 25% superiores ao do ano anterior.
Mas sendo bem transparente, há várias dificuldades. Os orçamentos estão apertados de todo mundo. Os países doadores têm uma disputa dentro de seus orçamentos, como guerra da Ucrânia e outras questões.
Os países que tomam emprestado também tem a questão fiscal sempre presente. E mesmo ao tomar emprestado, os países da América Latina precisam incluir em seus orçamentos, nos quais também não está sobrando espaço.
A segunda dificuldade é que temos que gerar as condições para que o setor privado, de fato, coloque muito mais recursos em financiamento climático.A gente precisa dar condições para o setor privado se sentir à vontade para investir.
Às vezes, o setor privado entende muito de um projeto, mas não entende do risco cambial, por exemplo. Ou não domina a regulação, o sistema legal, a regra do jogo.
E o risco político? Trump, que já não era fã dos bancos multilaterais, é menos ainda da pauta climática. Uma figura política de peso não pode atrapalhar?
A vantagem do BID é que a gente trabalha com todos os governos. São 48 países membros e tem eleição o tempo todo. Muitas vezes a gente é a ponte entre um governo e outro na América Latina.
Acabou de ter eleição no Uruguai, vou falar com o novo presidente pois temos um projeto de inovação com o país. Nossos projetos são de 10, 15 anos e necessariamente passam de um governo para o outro.
Então, trabalhamos com todos os governos. Vamos trabalhar com o governo americano, com o anterior e o próximo. Isso faz parte de sermos uma ponte.
Existe uma expectativa do BID Invest, que financia para as empresas, se tornar maior do que o BID que lida com os governos. Como isso vai acontecer?
O BID Invest, que foi criado em 2017, cresceu muito. Hoje ele representa 44% de tudo o que a gente faz. Na reunião anual de março, conseguimos uma transformação inédita, que foi capitalizar o BID Invest em US$ 3,5 bilhões e criar um novo modelo para a instituição.
As duas coisas vão fazer com que o BID Invest duplique de tamanho ao longo dos próximos anos. Com mais capital, ele vai poder financiar muito mais com equity. Hoje, é quase tudo empréstimo.
Vai também poder tomar mais risco e financiar em moeda local, nos mercados que existem moedas para transacionar. No novo modelo, a ideia é originar para compartilhar.
O que significa isso na prática? O BID financia 5% de um projeto de uma empresa. Os outros 95% ficam com o setor privado. Imagina a alavancagem disso. E aí você consegue multiplicar os pães.
Tivemos um lançamento recente que a gente securitizou US$ 1 bilhão no nosso balanço. O Santander fez esse deal e conseguiu vender os 95% para investidores do mundo. O interessante foi que pegou investidores que normalmente não entrariam na América Latina.
Resumindo, o BID está virando um banco multilateral com forte ênfase no setor privado. Mas a experiência de 65 anos trabalhando com os governos traz uma sinergia quase única.
Mas como que dá para trabalhar melhor em parceria com o mercado de capitais?
As grandes empresas vão sempre se financiar. Não vamos competir com o mercado privado para fazer as mesmas coisas.
Para as pequenas e médias, em qualquer lugar do mundo, o financiamento é muito mais difícil. A escala é complicada. O risco é maior. Muitas vezes atuamos dando empréstimos ou garantias, exatamente para favorecer um financiamento que não sairia de outro jeito.
Por isso, a gente tenta fazer coisas diferentes. Há um programa forte na Amazônia, outro que um empresta para pequenas e médias empresas desde que o CEO seja uma mulher. Ou seja, vai ter companhia de gênero, companhia de diversidade.
Pensa como era discutir energia renovável alguns anos atrás. Era difícil enxergar a rentabilidade de um projeto de renováveis. Agora, é fácil.
A mesma dificuldade se aplica hoje para projetos de adaptação e resiliência climática. Imagina o setor privado entrando para ajudar a cuidar de um desastre natural?
Então, é esse mercado que a gente completa e há uma demanda muito grande.
O fato do senhor ter sido presidente do Banco Central tem ajudado nessa interlocução com o governo brasileiro?
Quando eu fui eleito, em 2022, me perguntavam isso. Sou brasileiro, mas sou presidente do banco para os 26 países da região e eu vou tratar todo mundo igual.
Mas é óbvio que quando estou conversando, eu já conheço todo mundo e todo mundo me conhece. Quando falam da COP em Belém, eu sei onde é. Já estive lá. Os governadores e prefeitos me conhecem. Isso dá uma certa facilidade.
O BID sempre foi o banco multilateral mais importante do Brasil. É recíproco, mas agora eu acho que as coisas estão crescendo ainda mais. No Brasil, o pipeline para 2025 é de R$ 20 bilhões.
Em relação ao País, há um sentimento de desânimo em relação à economia brasileira, mesmo com alguns indicadores macro melhores. Qual a percepção do senhor sobre este momento do Brasil?
Vejo o Brasil no contexto do resto da América Latina e as questões fiscais estão no centro das atenções de todos os países. Não tem um país que vai dizer “isso está resolvido aqui”. Então, a questão fiscal é relevante para o País.
Mas a gente também olha as oportunidades que surgem. Toda a questão do desafio climático gera oportunidades em países como o Brasil e América Latina de uma forma geral. Onde é que vai gerar energia limpa no mundo? São os grandes países da América Latina.
O Brasil está crescendo um pouco mais rápido do que se imaginava nos últimos três, quatro anos. Será que isso tem a ver com o novo papel do Brasil no investimento em energia renovável? Todo esse investimento está acontecendo e ainda vamos saber o impacto. Mas não vamos diluir também a surpresa positiva do crescimento dos últimos anos.
A situação do emprego, que está melhorando, e a diminuição da pobreza também são questões relevantes. Outro tema importante para o Brasil é o da segurança alimentar e da distribuição de alimentos no mundo, ainda mais depois da invasão russa na Ucrânia, que gerou aumento dos preços das commodities.
Nesse sentido, a presidência do Brasil no G20 conseguiu perceber o espaço que tinha para propor uma aliança, uma vez que a questão da fome ainda existe. Então, o Brasil tem desafios relevantes, mas as oportunidades existem.