Bancos maiores são sujeitos a regras mais restritivas, enquanto bancos médios, pequenos e cooperativas de crédito obedecem a critérios mais leves. As fintechs, segundo ele, podem ser um novo vetor de competição nesse processo.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Em linhas gerais, qual é a abordagem do BC ao regular a inovação?
A ideia principal é que essas inovações têm que ter algum espaço para se desenvolver. Em algum momento vem a regulação, como estamos fazendo agora com as fintechs de crédito, cuja proposta de regulação foi para consulta pública. Mas, de uma forma mais geral, a gente quer ver deixar as inovações saírem, permitir que elas aconteçam, para depois vir a regulação — e não o contrário. A ideia é que a regulação venha a reboque.
O BC está tentando reduzir o custo do débito para o lojista, e estaria pensando em colocar um teto na MDR [merchant discount rate], a taxa que a credenciadora cobra do lojista. Os EUA colocaram o teto no ‘interchange’ [a parte da taxa que fica com o banco emissor] e deixaram o MDR livre, porque assim você permite a diferenciação de taxa entre lojistas, tanto em termos de escala quanto em termos do risco de fraude. Vocês pensam em colocar o teto no MDR ou no ‘interchange rate’ ?
A gente ainda está pensando, mas certamente não vamos fazer nada muito diferente do resto do mundo. Tem muita conversa, muito rumor e tal. Quando estivermos fazendo a regulação, vai ficar mais parecido com o que foi feito no resto do mundo e não vamos fazer uma coisa além. Então você já tem uma resposta daí.
Essa regulação que pode vir a diminuir o custo do débito está em que fase?
Escutamos vários players de mercado e estamos na fase de pensarmos como atingir nossos objetivos da melhor forma possível. Qual é o objetivo aqui? Queremos que transações eletrônicas de uma forma geral substituam o papel-moeda de uma forma a mercado, amigável. A sociedade tem custo em ter papel-moeda. Não só de imprimir, mas também de segurança, transporte. Além do mais, com o mundo tendo fechado as portas para atividades ilícitas, elas tentam achar o seu espaço e o papel-moeda continua sendo um canal disso. A gente tem um papel público de tentar incentivar e o débito é uma dessas maneiras e a gente gostaria que o custo do débito caísse. Como regular para que o débito caia é o que estamos pensando. Novamente: não vamos reinventar a roda, vamos usar os mesmos instrumentos que são usados em outros lugares.
Os bancos que têm empresas de adquirência ganham dinheiro com o chamado ‘crédito fumaça’, ou seja, eles emprestam dinheiro e descontam direto do fluxo de recebíveis do cartão do cliente. Várias fintechs e adquirentes não ligadas a banco — que hoje só fazem antecipação de recebíveis — gostariam de fazer esse tipo de empréstimo também, porque ele é muito maior que a antecipação, mas a lei hoje não permite. O BC pretende permitir este produto para outros players que não os bancos?
Eu não pensei ainda com todos os detalhes a respeito disso, não sei exatamente como é a legislação, se ela proíbe ou não e quais são as restrições a outros players. Mas é uma questão que pode ser levada em consideração. Sobre isso não há nenhuma definição, não é algo que está avançado.
Consta da agenda do BC a ideia de regular o prazo de pagamento do cartão de crédito, trazendo o prazo de pagamento do banco ao lojista de 30 dias para 2 dias, que é o padrão internacional. Mas isso é uma aposta arriscada, porque se você fizer na canetada, os bancos perdem dinheiro e isso pode ter o efeito contrário: acabar aumentando o custo do crédito. Por outro lado, as taxas de adiantamento já estão caindo, e se o BC deixar o assunto sem regulação, você não precisa se preocupar com o problema de coordenação do setor. Em que pé está esse debate?
O sistema de cartão de crédito tem vários aspectos. Do jeito que está hoje está crescendo 8% ou 10% ao ano. O sistema tem, digamos, a sua saúde. Agora, tem várias questões que estão envolvidas. Tem coisas que nos torna um pouco diferentes do resto do mundo. Prazo para lojista? Diferente do resto do mundo. Tem outras questões que também são diferentes. Por exemplo, nós temos uma parcela muito grande de parcelado sem juros. Tem várias coisas dessas que são nossas jaboticabas, que a gente já aprendeu a viver, sabe qual é o histórico. Por exemplo, o parcelado sem juros vem do pré-datado, foi a forma que substituiu. E assim vai.
A gente quer, no final das contas, chegar num produto cujas taxas de juros são menores do que são hoje. Não por uma forma voluntarista e nem uma forma forçada. Mas, simplesmente, há uma demanda na sociedade que vê as taxas de juros muito altas e a verdade é que elas são muito altas. Tem razões para ser. Então vamos atacar as razões para ver se a gente consegue. Agora, não dá para fazer isso de uma forma unilateral, ou só atacando de um lado. Então quando você pergunta do prazo de d+30 ou d+2, dá para fazer isso apenas quando você mexer em outros pontos.
Mas, entre um sistema que está funcionando e que cresce — ‘se está funcionando é melhor não mexer’ — e o seu desejo de reduzir a taxa de juros, o que pesa mais?
Acho que dá para fazer as duas coisas. A gente deveria aproveitar que o sistema está mais robusto e, primeiro, continuar incentivando os mecanismos que tem permitido novos entrantes. A gente universalizou a entrada as maquininhas. Você não pode discriminar contra as credenciadoras e todas as máquinas aceitam todos os cartões. Eu acho que o sistema está funcionando, mas ele não é estável porque a sociedade não está satisfeita com o custo dele.
Portanto ele precisa ser regulado nesse sentido?
É. Nós temos que avançar de forma a oferecer um produto que não só cresce em termos de volume, mas também com um custo mais palatável para a sociedade.
Diversas startups vem relatando dificuldades e altos custos com a obrigação de fazer a liquidação de operações centralizada na CIP. Em que pese as justificativas do Banco Central para implementar a medida, o que vocês estão fazendo para facilitar a vida dessas empresas inovadoras nesse contexto? O prazo para integração foi adiado para setembro. Vai haver um novo adiamento?
A gente não vai adiar de novo. A fase de ficar adiando já passou. Agora é uma questão de adaptação. A centralização entrou em novembro de 2017 e foi bem sucedida. No começo, deu aqueles ruídos iniciais normais, mas depois engrenou. Os players de marketplace são a única coisa que foi adiada.
Traduzindo isso para o leigo: os marketplaces estão sendo regulados porque recebem dinheiro de um lado (o comprador) e repassam ao vendedor, e por isso eles representam um risco sistêmico na medida em que eles crescerem. Hoje pode ser pequenininho, mas você está regulando proativamente porque esses fluxos ainda vão crescer muito?
Qual a ideia? Se alguma linha na cadeia ficar de fora, e essa linha quebra, ela representa um risco. Então o ideal é botar todo mundo pra dentro. E não ter risco de uma parte da cadeia ficar fora. Hoje eu considero que os marketplaces já têm uma massa considerável em conjunto. O conjunto já é representativo, então já tem que olhar.
Mas como uma questão de princípio, o senhor acha que medidas aplicáveis às grandes empresas de meios de pagamento devem ser replicadas às pequenas empresas, como as startups?
Nós não definimos o preço. Nós não definimos que pequenas tem que pagar tanto, e que as grandes também tem que pagar isso daqui… É uma estratégia comercial, não cabe à gente saber que os valores que nos falaram parecem razoáveis. Claro que se você é muito pequenininho, tem que fazer acordos e tal. Qual foi a nossa decisão? Todo mundo tem que estar dentro, se vai cobrar mais ou cobrar menos é o mercado que vai definir.
Por diversos motivos, o setor bancário brasileiro se tornou um dos mais concentrados do mundo, e hoje há uma cobrança forte da sociedade em cima disso. É possível levar o Brasil para um modelo como o americano, onde há inúmeros bancos locais e cooperativas de crédito?
Hoje a gente é mais parecido com os outros países do mundo e não com os Estados Unidos. A maioria dos países do mundo — Alemanha, França, Itália, Espanha — tem quatro ou cinco bancos grandes e você tem mais ou menos o que o Brasil tem. Acho que o que a gente pode fazer é incentivar a concorrência. Primeiro, continuar permitindo entrada de bancos e saída de bancos, que é salutar, e você tem isso acontecendo: bancos entrando, bancos saindo. Ao longo do tempo, aconteceu de tudo.
Quando se diz que o setor bancário brasileiro é um dos mais concentrados do mundo, isso é um mito então? Não somos mais concentrados que o resto do mundo?
A gente não é mais que os europeus, é igual. A gente está lá na meiuca. Agora, nos Estados Unidos, de fato eles são menos concentrados. Reino Unido também. Agora, tem uma coisa que os Estados Unidos têm que a gente pode avançar: eles têm uma ênfase no mercado de capitais muito mais presente do que na Europa, e acho que a gente podia avançar nisso, porque tem espaço.
Mas hoje existe uma agenda, na sua mesa e na do Marcelo Barbosa [presidente da CVM], para vocês trabalharem juntos nisso?
Tem uma medida que eu acho que rompeu o paradigma anterior e fez com que, no ano passado, o crescimento do mercado de capitais fosse 20%, 30%, uma barbaridade, que foi a mudança no custos dos empréstimos do BNDES. A mudança para a TLP e ao mesmo tempo a TLP estar mais perto da Selic fez com que quem quer ir ao mercado de capitais e não ia porque dizia que a diferença era muito grande… Quando esse cara percebeu que o subsídio era bem menor, ele vai para o mercado de capitais. Se tivermos neste ano a mesma tendência que teve no ano passado, é uma mudança muito relevante.
Existe uma discussão sobre o fim do parcelado sem juros para transações de cartão de crédito. Essa medida vem sendo proposta pela ABECS e pode ter um impacto muito negativo para as vendas do comércio. Você pode dar mais detalhes da proposta feita pela ABECS?
Nada que a gente está pensando, a gente pensa fazer de uma forma unilateral e nem abrupta, mas nesse caso específico, o lojista vai continuar parcelando, a ABECS pode oferecer um produto que seja concorrencial, tudo vai ser a mercado. A única coisa que a gente faz questão é deixar claro para a sociedade que não existe nada sem juros no país. Porque as vezes dá uma ideia de que tem uma coisa de graça que estamos tirando. Não tem, você paga. Você só tem que saber onde é que você está pagando. Isso é a única coisa que a gente faz questão que fique claro para todo mundo.