Fundado há quase 40 anos, o Mater Dei é uma espécie de gold standard da medicina mineira.
O grupo acaba de inaugurar seu terceiro hospital em Betim, na região metropolitana de Belo Horizonte e se prepara para botar o pé fora de Minas Gerais pela primeira vez.
Num mercado que caminha para a verticalização e no qual as negociações com as operadoras de saúde estão cada vez mais duras, “escala virou o nome do jogo”, diz o Dr. Henrique Salvador, CEO e filho do fundador.
O interior de São Paulo, ABC Paulista e a região Centro-Oeste estão entre as possíveis regiões de expansão — que deve acontecer de forma orgânica, ainda que a família não descarte aquisições.
O Mater Dei é, acima de tudo, a obra da vida de José Salvador Silva — o “Doutor Salvador” —, que preside o conselho de administração e ainda dá expediente na sede aos 88 anos.
Nascido em Santana do Pirapama, uma cidadezinha no cerrado mineiro, quando adolescente Salvador viu muitas mulheres morrerem no parto. Formou-se ginecologista e, em 60 anos de carreira, trouxe mais de 20 mil bebês ao mundo.
Entre o consultório e o centro cirúrgico, construiu seu patrimônio investindo em imóveis — uma convicção que estendeu ao Mater Dei. O terreno de 256 mil metros quadrados do hospital em Betim, às margens da Via Expressa, foi comprado há 15 anos. (O hospital ocupa apenas um quinto.)
“Sou um frango caipira”, brinca o Dr. Salvador ao adentrar a sala onde estava a reportagem do Brazil Journal. (Ele queria a assinatura do primogênito para comprar um pequeno terreno contíguo a uma das unidades.)
O grupo tem ainda um terreno em Nova Lima, na BR-040, onde ficava uma antiga fábrica da Skol. A construção dos três hospitais foi feita com uma equipe própria de engenharia, e a obra de Betim ficou pronta um ano e meio antes do acordado em contrato.
Três dos quatro filhos são médicos: Henrique, o CEO, Maria Norma e Márcia, que também são diretoras do hospital. Renato, que não seguiu a carreira do pai, é engenheiro e tem uma construtora.
Com um plano de sucessão assessorado pela Fundação Dom Cabral e registrado em cartório, a família prepara a terceira geração. Apenas um dos filhos de cada irmão pode assumir função executiva — e nos últimos anos vem se preparando, com passagem por outros hospitais de mercado e pós-graduação fora do País.
A Rede de Saúde Mater Dei é formada hoje por três unidades: a mais antiga, no bairro Santo Agostinho, tem 320 leitos. A da Avenida Contorno, também em BH, foi inaugurada em 2014, demandou um investimento de R$ 220 milhões, e tem outros 320. A recém aberta unidade de Betim-Contagem, orçada em cerca de R$ 350 milhões, está com 120 leitos e deve chegar a 400 quando todas as alas estiverem concluídas. As expansões foram feitas com capital próprio e empréstimo do BNDES.
A seguir, os principais trechos da entrevista com Henrique Salvador.
O Mater Dei tem tradição em Belo Horizonte e acaba de inaugurar uma unidade em Betim. Por que expandir fora do Estado agora?
Temos um modelo de negócio que deu certo. Mas chegamos a uma conclusão: se não crescermos, se não houver uma consolidação, não vamos nos sustentar ao longo do tempo. Para poder ter uma sinergia maior, tenho que ter escala, um poder de compra maior com os fornecedores e condição de negociar melhor com meu cliente na ponta, que são as operadoras de planos de saúde. Se eu sou uma unidade só, a minha capacidade de negociação é muito diferente daquela que eu teria se fosse cinco, oito, dez… Em paralelo, temos na família uma terceira geração que está se preparando muito.
Fomos formando também um pool de pessoas que suportam esse crescimento. Hoje, formamos em torno de 60 residente por ano. Isso foi o que justificou a expansão para o Contorno e o Betim. Foi esse número de médicos formados na instituição — tecnicamente e segundo padrões que a gente acredita — que permitiu essa expansão. Tem toda uma estruturação que foi acontecendo ao longo das últimas décadas e que permitiu que a gente construísse esse caminho.
Vocês pretendem construir hospitais do zero ou consideram aquisições?
Pretendemos continuar a expandir organicamente, mas se surgir uma oportunidade de aquisição que faça sentido, estamos dispostos [a comprar]. Já estudamos algumas aquisições, mas é mais fácil aculturar um empreendimento novo. Quando você compra um hospital, já tem todo um rol de prestadores credenciados e um corpo clínico aderido, que pode ter os vícios daquela organização. Quando você começa um hospital do zero, não tem os passivos: tanto de ordem econômica, quanto de custos. Mas demora mais para maturar o projeto. A nossa experiência é com greenfield, não temos experiência ainda com aquisição.
Então parece que uma nova operação greenfield é mais provável...
Sim, o mais provável é que a gente faça algum crescimento orgânico em outra região do Brasil.
Tem alguma região que vocês estão olhando mais prioritariamente?
Algumas. O interior de São Paulo, por exemplo. O ABC Paulista é sabidamente uma praça muito interessante. Já tem muitos hospitais bons operando, mas ainda tem espaço. Apesar de Brasília estar inaugurando três hospitais — o Sírio Libanês, o DF Star, da Rede D’Or, e outro que está em construção da Rede Ímpar — também é uma região interessante, junto com todo o Centro-Oeste. O Nordeste é uma praça bem diferente, mas temos conversado com algumas pessoas e prospectado terrenos também nessa região.
A família está disposta a abrir mão de equity, com a entrada de um private equity, por exemplo, para acelerar esse plano?
Essa questão está em estudo. Mas essas firmas de private equity normalmente tem um ciclo muito curto, de cinco, seis, sete anos. Precisaríamos de um parceiro com um ciclo de vida mais longo. O nosso foco não é exclusivamente retorno financeiro num primeiro momento. Se fosse, a gente não teria imobilizado tanto capital em imóveis como fizemos, por exemplo.
Qual outra alternativa, que não um parceiro de capital permanente? Vocês tem recursos próprios?
Temos feito um crescimento autossustentável. Os hospitais de Contorno e Betim tiveram financiamento do BNDES. Demos 50% de contrapartida financeira e financiamos o resto com carência de três anos e pagamento em dez. E temos uma boa ficha corrida com os bancos.
Esse movimento de começar um novo hospital acontece esse ano ainda?
Acho que sim, é provável.
Vocês já fecharam os números de 2018?
Devemos ter faturado algo como R$ 700 milhões ano passado, não tenho ainda os outros números para falar agora. Mas é uma operação em que a gente prima muito por gerir custos, porque o mercado de Belo Horizonte é muito particular. Em São Paulo, hospitais com a estrutura semelhante à nossa faturam muito mais. Aqui em BH se comprime muito as receitas hospitalares. Então nossa margem é feita com base em gestão muito disciplinada de custos.
Comprime custos por quê? Por que a Unimed é muito grande?
Cerca de 55% do mercado é Unimed. E, obviamente, quando você tem um grande comprador que parametriza o mercado, as outras operadoras tem que cobrar um preço mais baixo para concorrer também. Daí o fornecedor dessas outras operadoras tem que ter preço mais baixo, que é o meu caso. [O Mater Dei não atende Unimed.]
Como está sua relação com as operadoras? Nos últimos anos, elas perderam muitas vidas e enfrentaram uma forte inflação médica…
Houve uma melhoria muito grande nessa relação ao longo dos anos, principalmente com as operadoras que são mais parceiras e com as quais temos um relacionamento de mais tempo. Somos custo para eles, e eles são receita para gente; sempre existe um embate natural na negociação. Mas hoje é uma relação de muito mais confiança do que já foi no passado, até porque estamos estudando novos modelos de remuneração que aumentam a previsibilidade das operadoras.
No caso de cirurgia, por exemplo, trabalhamos muito mais com pacotes fechados, especialmente para procedimentos que são menos variáveis e mais previsíveis. No caso de um parto, a operadora paga um pacote fechado, independente daquilo que foi gasto. É nosso papel como hospital negociar com o médico para ele operar segundo um padrão de insumo e recursos.
Tem havido uma tendência grande de verticalização, com planos de saúde comprando hospitais para controlar melhor os custos — e vice-versa. Vocês participariam de algum movimento de verticalização?
Não, não é do nosso interesse ter plano de saúde. O produto 100% vertical carrega o conceito de que o hospital é centro de custo e, sendo assim, você tem que priorizar principalmente o que você gasta. Nós achamos que é importante, sim, controlar custo, mas sem abrir mão da qualidade e da segurança assistencial.
Há uma tendência que nós chamamos de ‘verticalização virtual’. É o Mater Dei se aproximar cada vez mais das operadoras e quase que ser o parceiro vertical, com práticas que controlem custos, mas mantendo a rede como uma estrutura de mercado, que se relaciona com o público, cuida da marca, da qualidade, do acolhimento.
Você pode ter, por exemplo, acordos comerciais em que a operadora te enxergue como um parceiro preferencial, com parâmetros de custos alinhados. Fomos estabelecendo esse vínculo com muitas operadoras que a gente atende hoje em Belo Horizonte e Betim.
Você acha que falta esse tipo de parceiro em outras praças?
Acho que sim. Hospital e médico não são commodities. Temo que, por trás de um conceito de verticalização pode estar embutida uma mensagem de que hospital e médico são commodities. A chance que o hospital de mercado tem de sobreviver é atuar de maneira que não seja. A operação hospitalar tem duas coisas muito distintas: uma é o backoffice, em que tudo tem que ser muito padronizado. Outra é a entrega na frente, que é o contrário: tem que ser customizada. Cada pessoa, cada médico, cada operadora é diferente. Temos que identificar as necessidades de cada um e ter a competência para entregar o produto conforme a expectativa do cliente, tendo uma estrutura flexível para isso.
Há uma crítica comum no mercado de que no sistema de saúde quase todo mundo perde dinheiro, e o hospital é o único elo que está ganhando. Você concorda?
Não. De 2010 a 2018, inúmeros hospitais fecharam no Brasil. A Federação Brasileira de Hospitais apresentou um estudo em meados de 2018 mostrando que, em oito anos, muitos leitos e hospitais fecharam no País, especialmente os hospitais menores. Boa parte dos 6600 hospitais do Brasil têm poucos leitos. É a questão da escala que a gente já conversou. Hospitais com menos de 100 leitos estão fadados a desaparecer com o tempo