É lugar comum afirmar que o crime organizado é um mal a ser combatido, a ser encarado com seriedade pelo Estado, e que deve pautar políticas e atenções de autoridades de todos os Poderes.
Mas há formas e formas de fazê-lo. Existem as populistas, estridentes, que buscam votos e aplausos mas pouco contribuem para solucionar o problema. Dentre elas, as propostas limitadas ao aumento de penas, a transformar crimes em “hediondos”, em dificultar as progressões de regime.
Em suma, aquelas que pregam aumentar o número de presos, como se o Brasil não fosse recordista mundial nesse quesito, e como se o crime organizado não se multiplicasse justamente dentro dos muros penitenciários.
Há, por outro lado, ideias mais sérias. Aquelas que estudam os movimentos criminosos, as rotas do dinheiro produzido pelo delito, as formas de funcionamento e financiamento de suas estruturas. São estratégias para identificar os líderes das organizações e os instrumentos que usam para manter suas entidades em atividade.
No plano internacional, várias são as políticas colocadas em prática para enfrentar o crime organizado. Em El Salvador, o presidente Bukele optou pelo recrudescimento. Prendeu em poucos dias mais de 80 mil pessoas, suprimiu o direito ao habeas corpus, às manifestações públicas, ao contato de presos com advogados, autorizou julgamentos coletivos e colocou o Exército nas ruas para garantir a segurança da população.
Teve sucesso em popularidade, mas colocou em xeque as garantias constitucionais e a própria democracia ao aditar por 38 vezes um estado de emergência e buscar um novo mandato não previsto na Constituição. Mais: corre o risco de perder fôlego futuro, porque as mega unidades prisionais construídas para abrigar tantas pessoas podem se transformar em focos de treinamento de criminosos, como ocorre no Brasil e no México.
O Chile optou por um caminho diferente. Em julho deste ano, a Justiça do país condenou Carlos González – o “Estrella” – e mais cinco líderes da máfia Tren de Aragua, de origem venezuelana, conhecida pela sua crueldade e capacidade de organização. Trata-se da mais visível conquista das autoridades no combate ao crime organizado, resultado de um trabalho silencioso de inteligência, iniciado com a primeira identificação da presença do grupo criminoso em território chileno.
Se em 2020 os promotores daquele país não tinham ideia da existência do Tren de Aragua, tendo admitido o Procurador Arancibia da Região de Taracapá que, no final daquele ano, os investigadores tiveram que pesquisar no Google para conhecer a organização, alguns anos mais tarde já detinham um conjunto de informações que possibilitaram a prisão de seus líderes e o bloqueio de seus bens.
Ações de inteligência miraram também o ramo “não violento” da organização, que garantia seu sustento financeiro. A operação Tren del Mar atingiu o setor de lavagem de dinheiro da máfia, identificou mais de US$ 13 milhões de origem ilícita enviados a países do exterior; e bloqueou as contas bancárias do grupo. Levantou ainda dados de como os recursos provenientes dos crimes de tráfico humano, homicídio, sequestro, extorsão e tráfico de drogas eram lavados, por meio de uma rede de serviços supostamente lícitos e “exportados” a outros países na forma de criptomoedas.
Para alcançar tais resultados, o Ministério Público chileno fundiu equipes e unidades, criou a Unidade Especializada em Crime Organizado e Drogas em 2023 e focou na ordenação da inteligência. Organizou as bases estatísticas, e segundo Ángel Vásquez, cujo posto equivale ao nosso Procurador-Geral da República, criou ferramentas para avaliar a eficácia das ações estatais e garantir que as decisões se fundamentassem em dados sólidos objetivos e representativos. Foram criadas redes de informação, conectando Ministérios Públicos, Receitas e Polícias de vários países, contando com uma legislação sofisticada de proteção e uso de dados.
A opção chilena pela inteligência talvez seja mais eficiente que a salvadorenha. Por mais populares que sejam, prisões em larga escala garantem militantes para o crime organizado e são um remédio temporário, uma vez que todos mais tarde retornam à vida social, onde as entidades ilícitas aguardam com ansiedade os egressos com oportunidades de trabalho e remuneração.
Prisões em larga escala também não são mais eficientes que trabalhos bem articulados de inteligência, que permitam identificar e prender líderes e recursos das organizações.
Atos de força contra o crime não substituem um trabalho de estudo e a leitura atenta de dados; operações ostensivas devem ser acompanhadas do uso de instrumentos financeiros sofisticados, capazes bloquear bens de criminosos onde quer que estejam.
A experiência chilena mostra como a obstinação silenciosa de técnicos de informação, de contabilidade, de agentes fiscais, e de operadores de finanças pode ser mais eficiente que estridentes supressões de direitos.
Talvez sejam menos conhecidas, atraiam menos votos, mas abalam de forma mais efetiva o mal que assola a América Latina.
Cabe ao Brasil escolher qual caminho seguir.
Pierpaolo Bottini é advogado e professor de direito penal da USP.
João Paulo de Moura Gonet Branco é advogado.