Depois de um breve colapso em abril – na esteira do tarifaço de Trump – as bolsas dos EUA já voltaram com tudo e operam nas máximas históricas.

Voltaram também as análises de que os preços estão esticados demais, com algumas companhias negociando a múltiplos acima daqueles da bolha da internet.

Mas para Thiago Kapulskis, gestor do fundo global de ações de tecnologia da São Pedro Capital, há muitas empresas com preços atraentes no mercado americano, mesmo entre as Big Techs.

“Posso dizer com um grau de convicção muito alto: não estamos numa bolha,” ele disse nesta entrevista ao Brazil Journal. “Todas essas empresas geram muito caixa: Meta, Microsoft, Google, a própria Nvidia.”

07 17 Thiago Kapulskis ok

Kapulskis deixou o Itaú, onde era o analista-chefe de tech, e há três meses está na gestora de Alex Dias, ex-presidente do Google no Brasil.

O fundo Global Technology procura papeis subvalorizados de empresas de grande potencial, com boa execução e operando em mercados em expansão.

É um fundo long only, sem hedge nem trava de câmbio, com aplicação mínima é de R$ 1 milhão. O público-alvo são family offices e clientes high net worth, sem distribuição no varejo. A São Pedro também pretende lançar em breve um fundo espelho offshore.

A carteira carrega entre 15 e 20 papéis, todos de companhias de tecnologia. O co-gestor é José Medeiros, que mora em São Francisco e trabalha há mais de duas décadas no Vale do Silício.

“O escopo de tecnologia ficou maior nos últimos anos,” disse Kapulskis. “Transcende software ou hardware.”

Na conversa a seguir, ele comenta algumas das principais apostas do fundo – entre elas, a Alphabet, dona do Google.

Os índices dos EUA já voltaram às máximas históricas. Muitos analistas e gestores dizem que há uma bolha de AI que lembra a bolha da internet nos anos 90. Como capturar valor em um mercado que já andou tanto?

Andou, andou sim, mas a gente acha que tem mais para acontecer.

Estamos sempre em busca de temas de longo prazo, ao lado de uma análise fundamentalista das empresas.

Podem ser desde empresas mais conhecidas, como na área de ecommerce ou digital advertising, até coisas como cibersegurança e saúde. Há temas como o onshoring de produtos de saúde nos EUA.

Para nós, é importante também olhar para o tamanho do mercado potencial envolvido. O sweet spot que estamos sempre procurando é uma empresa que opera num mercado cuja direção já foi dada, mas ao mesmo tempo cujo crescimento ainda não se materializou totalmente e será robusto por algum tempo.

Independentemente do que o Trump vai falar amanhã, ou de alguma decisão dele, é baixa a probabilidade de as pessoas deixarem de aumentar os seus gastos no ecommerce versus o varejo físico, ou de haver menos pessoas com diabetes, infelizmente, ou de os ataques cibernéticos serem menos sofisticados. Essas tendências vão se manter, não importando esses sobressaltos de curto prazo.

O AI está muito dentro dessa lógica. E que é uma das coisas que mais nos deixa animados. Acho que o valor gerado pelo AI está ficando cada vez mais claro.

Há temas com uma subpenetração em mercados muito grandes, dentro dessas tendências. E a gente acha que vai ver novos temas, tem novas coisas ainda por aparecer. A robótica, por exemplo, ainda está bastante na infância.

Quase sempre investimos em companhias que estão gerando caixa. São poucas as exceções, mas o economics precisa ser bastante sólido. Normalmente, é apenas uma questão de escala. A trajetória está dada.

Há ETFs temáticos, mas muitos deles não têm retornos interessantes. Então buscamos encontrar o sweet spot.

A tecnologia acaba vindo em ondas, mas elas se sobrepõem. Ocorre um compounding em cima da onda anterior. Quando olhamos para frente, há novas ondas a caminho.

Quando você tem deslocamentos de curto prazo – e o mercado foca demais no curto prazo – isso cria uma distorção de preço tão significativa que se torna uma oportunidade muito boa para quem está olhando para dois ou três anos à frente.

A Nvidia acabou de atingir um valor de mercado de US$ 4 trilhões, algo que parecia inconcebível para qualquer companhia até pouco tempo atrás. Outras Big Techs não ficam muito atrás. É uma bolha?

Essa é uma questão interessante. Precisa olhar para esses 4 trilhões divididos pelo que a gente está esperando de lucro da companhia.

É uma empresa que está negociando a 25 vezes lucro. Ela já negociou a 70x. Um range de 20 a 30 é muito natural para uma Nvidia.

Para empresas como a Microsoft, o que chamaria atenção seria um múltiplo abaixo de 30 vezes o lucro.

Posso dizer com um grau de convicção muito alto: não estamos numa bolha. Não é algo exagerado, que possa gerar uma crise. Não é o caso aqui.

Todas essas empresas geram muito caixa: Meta, Microsoft, Google, a própria Nvidia.

O Mark Zuckerberg disse que vai investir centenas de bilhões só com o dinheiro da companhia, não vai precisar levantar dinheiro de ninguém.

Muitas dessas empresas já se assemelham, de certa maneira, a utilities. Têm uma demanda futura contrata, correto?

Sem dúvida. Por exemplo, quase metade do workload de computação está na nuvem. E se pegarmos as maiores desse setor, elas detêm algo como 80% ou 90% desse mercado.

Se amanhã essas quatro empresas deixarem de prestar o seu serviço, cai tudo. Cai tudo mesmo. De fato, a humanidade depende dessas empresas.

Voltando na questão de por que não estamos em uma bolha, vejo que essas grandes empresas têm um retorno de “OK” para “atrativo”.

E aí quando olhamos para fora das Magnificent Seven, encontramos oportunidades bem interessantes.

Veja que são duas coisas bem diferentes. Uma coisa é a gente falar de bolha, que não é, mas também precisamos pensar no retorno. Está bacana, está legal, mas não é espetacular.

Então, precisamos abrir um pouco mais o nosso espectro.

Uma das teses de investimento do fundo é a Alphabet, dona do Google. De fato, é o papel que parece mais barato entre as Mag Seven. É uma empresa cujo negócio central está ameaçado. Dou um exemplo: fui pesquisar os múltiplos das Big Techs e pedi para a Perplexity, que me deu uma tabela pronta. Até dois meses atrás, eu teria usado o Google. Por que aplicar nesse papel?

Essa foi a análise à qual eu talvez mais tenha dedicado tempo, junto com os sócios também. Fizemos um trabalho muito profundo.

O Alex, que foi CEO do Google no Brasil, ajudou muito, conhece muito a empresa, e tivemos a oportunidade de conversar com grandes clientes deles.

Estamos bem convencidos de que o ataque que está vindo de AI contra o Google está indo muito no que a gente chama de queries não comerciais, queries mais informacionais.

É um pouco disso que você relatou, usando a Perplexity em vez do Google. É pouco provável que essa sua pesquisa gerasse uma receita de publicidade para o Google, ou, no limite, seria uma receita muito baixa.

Quando a gente olha para a parte mais comercial, não vemos grandes mudanças. É algo sobre o qual a companhia vem falando bastante, mas a gente conseguiu comprovar por outras fontes.

Isso nos deixou um pouco mais confortáveis. Pelo menos por ora, vemos o Google protegido, pelo menos em termos do economics dele.

Aí quando a gente olha para a execução, que foi o lado bem relevante que a gente fez de diligência, a percepção foi que a empresa mudou muito a maneira de se estruturar e de se comunicar com os clientes – e de uma maneira muito positiva, algo que ocorreu nos últimos doze meses.

Então, todos esses fatores, junto com um valuation que aguenta desaforo, nos convenceram de que valia fazer um investimento no Google – e, diga-se, foi uma mudança de avaliação para mim, porque eu tinha uma visão mais cética.

E a ameaça regulatória? O processo antitruste não é um grande risco, com a possibilidade de a empresa ser dividida?

A quebra do Chrome seria algo bastante relevante. O Chrome é um canal muito importante para o Google, tem 67% de mercado de browsers, e sem dúvida seria ruim.

Algum outro destaque, um papel com grande potencial de alta, entre as Big Techs?

Microsoft. A gente conseguiu capturar esse momento bom deles no começo do fundo.

Os próximos 12 meses da Microsoft devem ser animadores, os feedbacks são muito bons. Vemos a infraestrutura de nuvem também acelerar bastante.

A companhia vai colher os investimentos pesados que fez nos últimos anos.

Fora dessas gigantes, quais as principais apostas do fundo?

Um tema de interesse é cybersecurity. Adicionamos na carteira recentemente uma empresa chamada Tenable.

É uma empresa que eu conheço há alguns bons anos, dominante num negócio chamado vulnerability management.

Ela fez uma série de aquisições nos últimos anos e passou a atuar em mercados adjacentes, de maior crescimento. Era uma companhia muito focada no on-premise e passou a atacar os mercados de cloud mais diretamente.

A Tenable está muito barata. É líder nesse mercado, gera bastante caixa, e os feedbacks que tivemos sobre a tecnologia dela foram positivos. Ela está começando a executar do lado comercial.

Achamos que esse papel, sem exagero, pode subir de 50% a 70% nos próximos 12 a 18 meses.

E na área de saúde, qual a tese de vocês?

Quando olhamos para os valuations, o setor de saúde está negociando com o múltiplo mais baixo em 15 anos.

Algumas áreas ainda estão digerindo os investimentos feitos durante a covid, há também as tarifas sobre as importações das farmacêuticas, a discussão de redução do orçamento do NIH (National Institutes of Health).

É um inferno astral. Mas é aquela coisa de curto prazo versus longo prazo.

Quando você olha para os vetores, eles continuam os mesmos: a população vai continuar envelhecendo, não tem volta, não tem como a demografia não ser a favor de saúde.

Com a AI, as empresas de saúde estarão entre as mais beneficiadas. O processo de descoberta de medicamentos, por exemplo, deve cair à metade do tempo. Há ainda o reshoring.

São várias tendências interessantes, mas com valuations deprimidos.

Fizemos um investimento em uma empresa que eu conheço bem, a Thermo Fisher, líder na parte de equipamentos e reagentes para toda a indústria. Produz também medicamentos.

Está negociando no menor múltiplo desde 2018. Tem um grande track record, management espetacular.

Temos uma convicção muito grande nela. A saúde, na nossa opinião, é uma área muito fértil hoje para quem tem um olhar de longo prazo.

Estamos vendo o negócio de carros autônomos decolar, os táxis robôs. Vocês têm Tesla na carteira?

Não. Estamos mais animados com o Uber.

O cenário parece ser de bastante competição em relação aos provedores dos carros, mas do lado dos usuários a gente acha que vai precisar ter um agregador. O Uber está na frente.