Numa das transações mais relevantes do mercado de viagens nos últimos anos, a Flytour — a terceira maior companhia de turismo da América Latina e a maior de capital fechado — está sendo comprada pelo empresário Marcelo Cohen.
Um veterano do setor, Cohen já controla a Belvitur, a maior agência de turismo de Minas Gerais, fundada por seu pai, David, há 58 anos em Belo Horizonte.
Na prática, uma agência que fez R$ 800 milhões de GMV em 2019 está comprando uma empresa quase oito vezes maior.
Um ‘household name’ no setor de viagens, a Flytour vendia 700 mil passagens aéreas e 1 milhão de diárias de hotel por mês antes da pandemia.
Mas com os lockdowns e o fechamento das fronteiras, a empresa enfrentou uma crise de liquidez e foi forçada a uma recuperação extrajudicial sob o peso de uma dívida bancária de R$ 142 milhões. Os fornecedores não entraram na recuperação e não sofreram haircut.
Eloi D’Ávila — o lendário empreendedor que superou uma infância abusiva e foi morador de rua e engraxate antes de fundar a Flytour em 1974 — continuará na companhia como executivo e terá um assento no conselho.
A aquisição da Flytour é parte de uma estratégia maior.
Cohen quer construir um holding de turismo diversificado e levar essa empresa para a Bolsa nos próximos dois anos. O empresário disse ao Brazil Journal que está negociando a compra de outras cinco empresas — incluindo uma operadora, empresas de transporte e hotelaria, e uma agência de luxo.
Ele também vai plugar na Flytour oito empresas de tecnologia que a Belvitur adquiriu durante a pandemia, como uma online booking tool, uma travel tech que digitaliza o processo de vendas e uma empresa de mobilidade que cota e compara os custos de deslocamento do passageiro de casa para o aeroporto.
A construção do ecossistema também inclui aquisições oportunísticas de hotéis. Há dois meses, Cohen se associou ao empresário Daniel Vorcaro, controlador do Banco Master, para comprar o Botanique, o hotel de luxo de Campos do Jordão que hoje opera sob a bandeira Six Senses. (A Belvitur já era dona do Tryp Guarulhos, no Terminal 3, que também ficará debaixo da holding).
A troca de controle vem num momento em que a Flytour já conseguiu a adesão a seu plano de recuperação extrajudicial de credores representativos de 80% de sua dívida.
O plano — desenhado pela Alvarez & Marsal — oferece duas opções aos nove bancos credores: receber o pagamento em seis meses aceitando um deságio de 80%; ou receber 100% do crédito em 16 anos, com dois de carência.
A Flytour opera quatro verticais de negócios. A principal é o turismo corporativo, no qual a Flytour é a representante exclusiva da American Express Global Business Travel na América Latina. Este business atende 70% das contas de multinacionais no Brasil e é a maior operação de viagens corporativas da Amex no mundo.
A segunda linha de receita é a consolidadora, que vende passagens aéreas para pequenas agências de viagem, seguida pela Flytour Eventos, que organizou mais de 8 mil eventos corporativos em 2019, incluindo as clássicas convenções de médicos, advogados e representantes de vendas em resorts da Bahia. Quem nunca?
A Flytour também é dona de uma operadora de viagens tradicional, que concorre com companhias como a CVC.
Cohen diz que a Flytour vai ganhar share apesar das previsões de uma redução estrutural do mercado de corporate travel.
“O mercado pode até não voltar integralmente, mas a Flytour volta,” disse Cohen. “Nos últimos oito meses a empresa ganhou 100 novas contas. É um jogo de rouba-monte: a gente tira da concorrência. Meu apetite por novos clientes é tão grande que vamos voltar ao patamar de 2019 fácil.”
A Flytour fez um GMV de R$ 6,2 bilhões em 2019, o último ano sem covid. Cohen diz que este ano deve fechar com um volume transacionado de R$ 3 bilhões e projeta R$ 10 bi em 2023.
“Essa empresa esteve à venda por 18 meses,” disse Cohen. “Todo mundo achava pequena, ou achava caro, ou via algum problema nela. Agora que eu comprei, tá todo mundo me ligando.”
O Banco Master assessorou Cohen.