WASHINGTON, D.C. — O hinduísmo possui 1,1 bilhão de fiéis e mais de 33 deuses. Dentre eles, o Hanuman é conhecido como o deus das causas impossíveis — aquela que nos lembra que temos poderes ilimitados e somos capazes de enfrentar tudo.
Em 2024, a causa impossível na política americana é derrotar Donald Trump, que lidera todas as pesquisas nas primárias do Partido Republicano.
Haverá um candidato ou candidata capaz de superá-lo? Talvez sim — e ela se chama Nikki Haley.
Filha de imigrantes indianos (do Punjab), ex-governadora da Carolina do Sul e ex-embaixadora dos Estados Unidos na ONU (Organização das Nações Unidas), Haley pode ser a única com um caminho possível para derrotar o trumpismo nas primárias. Um caminho tortuoso, complexo, árduo e improvável. Mas crível.
Esse roteiro passa por uma equação de êxitos nas primeiras disputas republicanas. Haley precisará chegar em segundo lugar tanto em Iowa (em 15 de janeiro) como em New Hampshire (23 de janeiro). Em ambos estados, a republicana já aparece em segundo lugar nas pesquisas de opinião. Em Iowa, está empatada com Ron DeSantis, o governador da Flórida.
A estratégia de DeSantis é apostar todas as fichas em Iowa. Por outro lado, se ficar em terceiro, dificilmente terá musculatura política e financeira para seguir na corrida. Já Chris Christie, o ex-governador de New Jersey, tem seu foco em New Hampshire. Até o momento, a estratégia não parece exitosa, e muita gente aposta que ele deve abandonar a disputa mesmo antes de Iowa.
Se conseguir passar por essa primeira etapa, Haley chegará às primárias da Carolina do Sul (seu estado natal) e à Super Tuesday (quando haverá 18 estados em disputa, incluindo Texas e Califórnia) como a única alternativa real para derrotar Trump. E o pleito passará a ser um referendo sobre ter ou não ter Trump nas eleições gerais.
Para turbinar suas chances, a indiana-americana tem atraído o suporte de empresários e doadores relevantes. O mais impactante foi o recente apoio da Americans for Prosperity Action, uma rede conservadora financiada pelos bilionários irmãos Koch. O desempenho da republicana nos debates foi fundamental para angariar seguidores, apoiadores e financiadores.
Segundo o New York Times, no final de outubro Haley recebeu uma ligação inesperada de Jamie Dimon. O CEO do JPMorgan Chase disse que ficou impressionado com o conhecimento da candidata sobre os detalhes de políticas públicas e com sua postura de “mente aberta” sobre questões complexas na agenda dos EUA. Continue assim, Dimon disse a ela.
Ele não está sozinho. Segundo o Times, vários CEOs, gestores e banqueiros de ambos os partidos começaram a gravitar em torno de Haley e, em alguns casos, fazendo doações para ajudá-la.
Na semana passada, Dimon deu um passo adiante. “Mesmo que você seja um democrata muito liberal, peço-lhe que ajude Nikki Haley também,” Dimon disse a uma conferência de líderes empresariais. “Consigam um nome do lado Republicano que possa ser melhor do que Trump.”
Haley se apresenta como uma conservadora pragmática. Promete ser dura com a imigração, enviar tropas americanas para combater traficantes no México e endurecer a conversa com a China e a Rússia.
Não tenham dúvidas: se Trump for o candidato, ela certamente vai apoiá-lo. Por outro lado, Haley faz um discurso muito mais realista em áreas como política fiscal, monetária e comercial. Também não ilude os eleitores a respeito dos limitados poderes da Casa Branca sobre a proibição do aborto.
Todavia, o mais importante para o sonho republicano de retomar a Casa Branca é que Nikki Haley não é Donald Trump. Todas as pesquisas apontam que Haley teria muito mais chances de vencer Joe Biden na eleição geral. A disputa entre Biden e Trump será uma batalha de rejeições — e um roteiro temperado pela imprevisibilidade.
Já a ex-governadora tem muito menos rejeição entre os eleitores independentes que seu concorrente republicano. No caso dela ser a candidata, a eleição deixa de ser uma decisão por níveis de rejeição e passa a ser um plebiscito sobre o Governo Biden.
Não custa lembrar que a gestão do democrata não passa de 45% de aprovação, e nunca um presidente americano foi reeleito com menos de 50% de aprovação.
Portanto, é real o amplo favoritismo do bilionário na disputa do Partido Republicano, e o pleito segue sendo uma missão para Hanuman, o Deus indiano das causas impossíveis.
Porém, a política é a arte do impossível. Quem imaginava que um candidato chamado Barack Hussein Obama derrotaria a máquina política dos Clinton em 2008? E se existe uma surpresa política guardada para 2024, ela atende pelo nome de Nikki Haley.
Maurício Moura é economista, professor da Universidade George Washington e sócio do fundo Gauss-Zaftra.