A CVM publicou hoje um novo marco regulatório para os fundos de investimento, com mudanças substanciais que vão afetar uma indústria que soma mais de R$ 7,5 trilhões divididos em 27 mil fundos. 

O novo regramento – um colosso de mais de 200 páginas construído ao longo dos últimos três anos – traz algumas mudanças amplamente aguardadas pelos gestores, incluindo a permissão para que os fundos de varejo tenham 100% de seus ativos no exterior.

Até agora, a regulação permitia que esses fundos tivessem uma exposição de no máximo 20% do patrimônio fora do Brasil. 

Para investir em fundos com uma exposição maior do que essa, era preciso ser investidor qualificado (com pelo menos R$ 1 milhão em liquidez).

Com a nova regra – que passa a valer a partir de abril – a expectativa é que os fundos de investimento no exterior vejam um fluxo relevante de novos recursos.

“O interesse por investir no exterior tem crescido muito nos últimos anos e a incerteza econômica com o novo governo aumenta ainda mais o apetite do brasileiro por dolarizar a carteira,” disse Daniel Martins, da GEO Capital, cuja carteira é 100% de ações americanas e europeias.

A mudança também deve impulsionar o surgimento de novos fundos focados no exterior bem como levar as gestoras a aumentar sua exposição lá fora.

Outra mudança relevante é a limitação da responsabilidade dos cotistas ao valor de suas participações nos fundos, que foi feita para adequar as regras do setor à Lei de Liberdade Econômica, aprovada em 2019. 

Na prática isso dará mais segurança aos cotistas já que, até agora, se o PL do fundo ficasse negativo os cotistas tinham que colocar mais capital. 

“Isso era muito ruim porque inibia o investimento em produtos mais arriscados e sofisticados,” disse Pedro Rudge, da Leblon Equities. “Imagina um fundo de private equity. Muita gente ficava desconfortável [de investir] porque o cara ia investir R$ 1 milhão agora, mas quem garante que ele não vai ter que colocar mais R$ 1 milhão lá na frente?”

A nova regra permite que um fundo com PL negativo fique insolvente, não obrigando os cotistas a colocar mais dinheiro para cobrir o rombo.

O novo marco regulatório também vai permitir que investidores de varejo invistam em FIDCs – antes restritos a investidores qualificados – e que fundos invistam diretamente em criptoativos, desde que o investimento seja feito em uma exchange regulada pela CVM ou o Banco Central.

Outra mudança: os fundos poderão criar classes e subclasses, o que deve otimizar a forma como são distribuídos e reduzir os custos de transação. 

Por exemplo: hoje, quando um distribuidor vai oferecer um fundo para sua base, ele normalmente cria um FIC (fundo de investimento em cotas) que existe apenas para investir no fundo master.

“Esses FIC têm taxas, auditorias e custos fixos que oneram toda a estrutura,” disse Pedro. “Na medida em que você puder simplificar isso e colocar tudo na mesma estrutura, todo mundo ganha.”

Em tese, a nova regra também permite que os multimercados criem classes para separar os diversos segmentos em que investe (renda fixa, ações, etc), transformando o fundo num guarda-chuva com várias estratégias. Com isso, a gestora poderia captar apenas para uma estratégia específica em vez de para o fundo todo.

Por enquanto, no entanto, isso não deve acontecer, por uma questão tributária. A lei fiscal menciona “fundo” e não “classe”. Parece um detalhe, mas isso abriria espaço para que a Receita começasse a cobrar come-cotas da ‘classe de ações’, que hoje não tem essa cobrança.

Para as gestoras começarem a operar com essa nova estrutura, terá que haver uma mudança na lei fiscal dos fundos para incluir a palavra “classe”.

O novo marco – que vai substituir a Instrução 555 da CVM – foi bem recebido pelo mercado, que participou ativamente na construção do novo regramento. As discussões começaram em 2020 e a CVM organizou duas audiências públicas para receber comentários e sugestões.

Foram mais de 2.000 páginas de comentários de 35 instituições diferentes. 

“Essa nova norma nos aproxima mais dos padrões internacionais, torna mais clara a responsabilidade dos agentes e melhora a qualidade dos fundos,” disse Pedro, da Leblon. “A CVM teve uma postura muito boa de ouvir bastante o mercado.”