Muita gente não gostou da forma como o Ministro Paulo Guedes chamou atenção para a questão do funcionalismo público — o cerne da reforma administrativa.
Todo mundo pode ter uma opinião sobre a importância e o valor que o funcionalismo público agrega para a sociedade, mas o que dizem os dados?
Olhando apenas as diferenças de salário, um servidor público ganha, em média, 75% a mais que um trabalhador do setor privado. Essa é uma diferença esperada, já que servidores públicos têm, na média, escolaridade maior. Comparar a média do setor privado com a do setor público, portanto, não é uma boa forma de fazer essa avaliação. É necessário analisar trabalhadores em funções semelhantes nos dois lados do balcão. Foi o que o Banco Mundial fez.
Segundo o relatório “Gestão de pessoas e folha de pagamentos no setor público brasileiro”, de 2019, um servidor público ganha 96% a mais que o trabalhador no setor privado no Brasil. A média internacional é de 21%. Esse é o chamado “prêmio salarial” do funcionalismo público e considera pessoas em cargos semelhantes. De 53 países analisados, o Brasil ficou em primeiro lugar, ou seja, é o que dá o maior prêmio.
Nos estados, o prêmio salarial é bem menor, 36%, mas ainda acima da média dos 53 países. A surpresa é que, no âmbito municipal, não há disparidade entre as remunerações.
O relatório sugere que os salários elevados recebidos pelos servidores contribuem para aumentar a desigualdade no Brasil. Mas, ao que parece, grande parte do imbróglio está nos servidores federais. Em outras palavras: o problema não está no atendente do posto de saúde, no agente penitenciário ou nos professores do ensino básico, mas sim em Brasília, nos servidores federais, nos juízes, no Ministério Público, entre outros.
E como o buraco ficou deste tamanho? Esta é uma questão que vem de décadas e não é deste ou daquele governo. E mostra como o país se entregou – muitas vezes — aos grupos de interesse. A discrepância veio dos reajustes salariais acima da inflação, mesmo em períodos de queda da arrecadação e crise econômica. Eles foram o principal motor para o aumento da folha de pagamentos servidores. Mais uma vez, vejamos os números.
Um estudo do IPEA chamado “Atlas do Estado Brasileiro” mapeia três décadas de evolução do funcionalismo público. Entre 1986 e 2017, o salário médio mensal de quem trabalha no setor público cresceu 23,5% enquanto o setor privado permaneceu estagnado.
Em valores nominais, isso significa que o salário médio de um trabalhador do setor público saiu de R$ 3,4 mil (1986) para R$ 4,2 mil (2017). (No nível federal, pulou de R$ 5 mil para R$ 9,2 mil — um crescimento acumulado de 84%.) Já os do setor privado tiveram até uma pequena queda no período: foram de R$ 2,5 mil para R$ 2,4 mil. E o pior é que, durante a crise recente, essa diferença aumentou.
Entre 2003 e 2016, os salários do funcionalismo público subiram 33% acima da inflação, enquanto na inciativa privada esse aumento foi de 10%. Ou seja, em 13 anos — período que inclui a maior crise do País — o salário do serviço público subiu 3 vezes mais que o privado.
Assim como sugere o relatório do Banco Mundial, uma reforma administrativa deveria considerar: a redução dos salários iniciais, um aumento do tempo médio até o topo da carreira, corte no número de carreiras (atualmente são 300) e redução das taxas de reposição dos servidores.
Ou a sociedade opta por reformar esse sistema de carreira de servidores públicos ultrapassado para a economia atual, ou as despesas com folha de pagamentos dos servidores vão continuar pressionando Governo, Estados e Municípios (Doze estados já ultrapassaram o limite de 60% com gasto de pessoal estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal.)
Ainda que alguns possam reclamar da forma de Paulo Guedes, os números mostram o óbvio: o ministro estava correto em sua análise. Seu erro foi colocar todos no mesmo balaio, já que o problema está nos grandes salários de Brasília, e não naqueles que ganham até R$ 3 mil.
E é por isso que a reforma administrativa deve ser ainda mais difícil que a da Previdência.
Leonardo Siqueira é economista pela FGV, mestre em Economia pela Barcelona Graduate School of Economics e fundador do Terraço Econômico.