Na paisagem árida da Faria Lima, eles sumiram. Mas na Índia há uma inundação deles.
Estamos falando dos IPOs – aquele bom e velho sintoma de uma economia saudável e de um país confiante no futuro.
Na Bolsa de Mumbai, a oferta inicial de uma empresa de financiamentos imobiliários acaba de atrair uma demanda 60 vezes maior que o total disponível para distribuição.
Segundo a Bloomberg, a Bajaj Housing Finance queria levantar 65,6 bilhões de rupias – pouco mais de US$ 780 milhões – na maior abertura de capital do mercado local deste ano. Mas os bids totalizaram US$ 39 bilhões.
Os principais interessados foram os investidores institucionais, cujas ofertas superaram em 200x a fatia reservada a eles.
Num mercado que vai dando sinais de superaquecimento e formação de bolhas, os investidores se acotovelam para botar as mãos numa nova oferta – de olho no potencial de alta do primeiro dia de negociação.
Em média, a valorização na estreia tem ficado acima de 30% na Índia – mas houve casos em que as novatas disparam mais de 300% no primeiro dia, como na listagem da Winsol Engineers, em maio, e da Kay Cee Energy, em janeiro.
Até agora, os IPOs em Mumbai já levantaram US$ 7,75 bilhões este ano – mais que o total de 2023 e 2022.
Há outras ofertas a caminho. A maior delas deve ser da Hyundai Motor, que vai listar sua subsidiária indiana buscando levantar US$ 3,5 bilhões.
Mumbai já destronou Hong Kong como o maior hub de IPOs da Ásia. No primeiro semestre, enquanto as novas listagens na região caíram 60%, na Índia elas dobraram.
O mercado indiano representou quase 25% do valor total captado em IPOs entre os mercados da Ásia e do Pacífico. Hong Kong, que há cinco anos tinha um share de 40%, agora está abaixo de 8%.
A frenética demanda por ações na Índia vem criando uma bola de neve (ou seria uma avalanche), e o Securities and Exchange Board – a CVM local – já planeja endurecer as regras para a autorização de novos IPOs, especialmente para as micro caps.
Segundo o portal indiano Business Standard, as listagens de micro caps começaram a bombar durante a pandemia, com os investidores buscando capturar o potencial de crescimento desses negócios no ambiente macro de rápido avanço do PIB e expansão da classe média.
Há duas semanas, um IPO de US$ 1,4 milhão feito por uma concessionária de motocicletas com apenas duas lojas e oito funcionários atraiu 400x o total disponível.
A demanda vem sobretudo de investidores locais. Os estrangeiros estão na outra ponta: reduzindo suas posições na bolsa indiana depois de anos seguidos de forte alta, e vendendo até mesmo as blue chips.
De acordo com o Financial Times, os investidores institucionais estrangeiros tiraram US$ 1 bi do mercado indiano em agosto. No ano, o fluxo está positivo em US$ 2,6 bi, bem abaixo dos US$ 22 bi de ingresso líquido no ano passado.
Com a debacle na China – onde o mercado está no nível mais baixo em cinco anos – parte do dinheiro migrou para a Índia, que, entre as maiores economias do mundo, é a que mais cresce, num ambiente de inflação controlada e juros em viés de baixa.
Nos últimos cinco anos, o índice MSCI Índia subiu mais de 50% – quase 5x a valorização do MSCI Emerging Markets no mesmo período.
Os estrangeiros decidiram realizar seus lucros, mas os locais continuam insaciáveis – pelo menos até algumas bolhas começarem a estourar.
“Os valuations estão meio malucos, mas não os vejo caindo,” disse ao FT o executivo de um banco internacional em Mumbai. “Muitos investidores indianos não entendem os riscos. Há toda uma nova geração que nunca viu uma correção no mercado – e é por isso que vemos tantas pessoas colocando suas economias em ações.”
A Bolsa de Mumbai está nos seus maiores níveis históricos – e, segundo os analistas locais, os múltiplos ficaram particularmente esticados para as small e medium caps.
O preço/lucro do índice Nifty 50, que reúne as maiores companhias do país, está em 24,7x. É um número em linha com a média dos últimos cinco anos e um pouco acima da média dos últimos dez.
Já o P/L do Nifty Midcap 100 é de 47x, bem acima do múltiplo médio de 32,4x em dez anos, segundo o Business Standard.