Ainda tem quem ache que morador de favela não compra tênis Nike, iPhone ou TV Samsung.

Quando pensa em favela, a maioria da população a associa a palavras como pobreza e violência. Não sou eu quem está dizendo: são dados da pesquisa Data Favela, que destaca ainda que as 18 milhões de pessoas que vivem em favelas no Brasil movimentam cerca de R$ 200 bilhões por ano.

Apesar de longe do ideal, vemos, no entanto, um movimento das empresas construindo um novo olhar sobre a favela. É fato que há cada vez mais solidariedade, doações e uma agenda ESG no mundo corporativo. Ainda bem. Mas quero falar sobre comunicação. A comunicação com este público ainda é muito tímida.

Desde que comecei a estudar mais sobre esse mercado consumidor e me aproximar de pessoas que movimentam com maestria o setor – como Celso Athayde, Edu Lyra, Gilson Rodrigues e Tia Dag – tenho enxergado além dos estigmas.

Afinal, não estamos falando de uma massa única, com hábitos de consumo e poder aquisitivo homogêneos. Estamos diante de um mercado formado sobretudo por pessoas das gerações Z e Y, economicamente ativas, conectadas, que sabem a sua força dentro dessa grande engrenagem econômica e querem ser reconhecidas em toda a sua individualidade.

Um levantamento de 2022 da NÓS Inteligência aponta que 18% das populações de favelas do País pertencem à classe A-B, e 47% à classe C. Ter um entendimento profundo e respeitoso dessa população – valorizando sua identidade e contribuições para o mosaico cultural brasileiro – é o ponto de partida para conseguirmos construir histórias de marca que impactem de fato essa população.

Verdade seja repetida: avançamos, mas ainda não chegamos lá. E isso afeta o nosso próprio negócio. Como ignorar esse mercado de R$ 200 bilhões?

Veja: 88% dos moradores de favela afirmam que confiam mais em um influenciador da própria comunidade do que em um famoso. E se a gente começasse a incluir mais essas perspectivas da favela também na comunicação fora do nicho, o que isso impactaria nos resultados de negócio de uma marca?

Enxergo aqui um movimento em dois caminhos. De um lado, a partir do marketing de influência, as marcas têm a oportunidade de falar com esse público através de criadores que conhecem essa realidade. Utilizando sua própria linguagem e perspectiva, esses influenciadores garantem que a narrativa da favela seja contada por quem realmente a vive, dando verdade e reconhecimento. É importante também deixar esses profissionais cada vez mais livres para criarem, promovendo uma imagem mais humanizada e multidimensional.

Do outro, a partir de ações afirmativas, as agências podem ficar mais capacitadas para criar estratégias e campanhas a partir da inclusão de profissionais de publicidade que vêm dessa realidade. No dia a dia, dentro da rotina, é muito válido ter profissionais que ajudem a gerar ideias que se conectem com esse consumidor.

Existem, claro, outros caminhos. Mas todos se sustentam na ideia da busca pela autenticidade. Comunicação tem sido cada vez mais sobre isso – e este é o caminho mais seguro se sua marca quer falar com quem movimenta R$ 200 bi por ano.

Hugo Rodrigues é chairman do McCann Worldgroup e das agências WMcCann, Aldeiah. e Craft Brasil.