Matías Molina foi um dos principais jornalistas de economia das últimas décadas. Como diretor de redação da Gazeta Mercantil, ajudou a formar mais de uma geração de jornalistas que até hoje ocupam cargos relevantes nos principais veículos do País.
Sua influência é reforçada agora – poucos meses depois de sua morte – pela publicação do segundo volume de sua ambiciosa História dos jornais no Brasil, que ainda ganhará outros tomos: um dedicado aos jornais do Rio, com um capítulo sobre O Globo, e outro sobre os jornais de São Paulo. Somados, os volumes deverão ultrapassar com folga duas mil páginas. (Compre aqui.)
Este segundo volume que acaba de ser publicado vai muito além do que indica o título, que restringe a abordagem aos anos de 1840 a 1930, o período que vai da Regência ao fim da Primeira República. (Para proveito do leitor, o autor esticou a narrativa até os dias atuais, no caso de veículos surgidos no Rio no intervalo de tempo que se propôs a pesquisar.)
A opção pela maior abrangência temporal sublinha o caráter monumental da obra: o mural mais minucioso, completo e analítico já escrito sobre a imprensa brasileira.
O foco são as redações, as linhas editoriais, as relações dos jornalistas com o poder, mas Molina não descuida do contexto. Descreve, por exemplo, como durante a maior parte do século XIX e o início do século XX, as sedes dos jornais estavam concentradas na estreita rua do Ouvidor, no centro da então capital do País, que ele considera apropriadamente equivalente à Fleet Street, a rua dos jornais em Londres.
A referência à imprensa estrangeira, a propósito, é recorrente. Espanhol de nascimento, correspondente da Gazeta em Londres nos anos 1980 e autor do livro Os melhores jornais do mundo, Molina sempre se ocupou do exercício da profissão além das fronteiras nacionais.
Assim, munido de robusto referencial, ele nota que, durante o segundo império e a primeira República, o modelo de jornalismo no Brasil era o francês – a língua da elite – e não o de Portugal, país que ainda exercia grande influência sobre a ex-colônia.
Mas é a percepção do ambiente doméstico que oferece o maior diferencial da obra. Muito já se comentou, por exemplo, sobre o fato de os jornais da segunda metade do século XIX serem palco de debates sobre a escravidão.
Molina, porém, dá mais um passo nessa direção, ao esquadrinhar seções de classificados para tirar conclusões surpreendentes. O fato é que, ao lado das polêmicas, anunciava-se a compra, a venda ou o aluguel de escravos. “Essa ambivalência é mais notável no Jornal do Commercio, a publicação mais importante da época, que combatia a escravidão mas lucrava com ela,” escreve Molina.
O livro refaz a trajetória de quinze jornais do Rio de Janeiro. Seis são dos tempos do Império, como O Brasil (o mais antigo, fundado em 1840), o Cidade do Rio e O Paiz. E nove são da Primeira República, com destaque para o Jornal do Brasil e Correio da Manhã, que, juntos, respondem por cerca de um terço das mais de 600 páginas do volume.
A ênfase se justifica plenamente. Lançado por um grupo de monarquistas no raiar da República, em 1891, o Jornal do Brasil teve vida errática e pouca influência até o final dos anos 1950, quando uma série de reformas editoriais o transformou no jornal mais importante do País.
Autor analítico, Molina não é dado a contar anedotas – a não ser quando essas histórias curiosas revelam algo essencial sobre o fato narrado. Uma delas é a demissão de José Sarney do “JB”.
O futuro presidente do Brasil foi dispensado pelo diretor de redação Alberto Dines, que estava determinado a elevar a qualidade dos quadros do jornal para fazer frente à concorrência da recém-fundada TV Globo. Depois do auge, o “JB” definhou rapidamente. “Gastou demais e parou de circular em agosto de 2010,” resume Molina.
Outro jornal carioca excelente que não resistiu foi o Correio da Manhã. Mas a culpa, ao contrário do que aconteceu com o “JB”, não foi das finanças – e sim da política.
Surgido em 1901, ele se tornaria “o diário mais temido do Brasil,” na visão de Molina. Defendia as classes populares. Seu diretor, Edmundo Bittencourt, “era ousado e conhecia poucos limites”. Depois do golpe de 1964 – que o jornal apoiou, como de resto praticamente toda a grande imprensa – o Correio entrou em conflito com a ditadura e encerrou as atividades em 1974.
Oscar Pilagallo é o autor de História da imprensa paulista e O Girassol que nos tinge – uma história das Diretas Já, entre outros livros.