Apertem os cintos. A globalização durou enquanto havia dinheiro barato e demografia favorável. Não é mais esse o cenário – e os próximos anos serão ainda mais difíceis.
O envelhecimento populacional reduzirá drasticamente o volume de recursos disponíveis e o número de consumidores, emperrando o funcionamento da economia mundial, prevê o estrategista geopolítico Peter Zeihan, autor do best-seller The End of the World is Just the Beginning – Mapping the Collapse of Globalization.
“O desequilíbrio entre oferta e demanda que o mundo precisa absorver é imensa. Não é algo politicamente sustentável – mesmo que a China fosse considerada uma nação aliada, algo que ela não é,” Peter disse ao Brazil Journal. “Esse sistema não funciona mais.”
Com comentários diretos e muitas vezes contra o consenso, Peter arregimentou uma pequena legião de fãs para o seu canal do YouTube, onde tem 688 mil inscritos e posta análises diariamente. Um vídeo recente sobre o possível colapso chinês viralizou e passou dos 2 milhões de visualizações.
Em dezembro chegará às livrarias a nova edição de seu primeiro best-seller, The Accidental Superpower, de 2014. Em cada um dos capítulos há um comentário sobre como os assuntos tratados evoluíram na última década.
Ex-estrategista da consultoria Stratfor, Peter segue a tradição de enfatizar a relevância de aspectos geográficos e demográficos em suas análises.
Falando sobre a perspectiva das exportações brasileiras, ele observou que o elevado custo de transporte é um fator secundário enquanto a China estiver disposta a bancar as importações — mas alerta que o eventual colapso do consumo chinês poderá inviabilizar parte dos produtores.
“Não há razão para o Brasil ser apenas um país com uma pá que manda tudo para o exterior,” disse Zeihan.
Para ele, o País caiu numa arapuca, e os brasileiros deveriam melhorar suas relações com os EUA, cuja economia deverá resistir melhor à reversão da globalização.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Muitos gestores e analistas têm afirmado que vivem hoje no cenário geopolítico mais complicado de suas carreiras. Qual a sua avaliação? É ainda mais complicado do que era nos 60 ou nos anos 70?
Do ponto de vista de um gestor financeiro, é muito pior e vai piorar consideravelmente.
Nas décadas de 60 e 70, a situação geopolítica estava em grande parte relacionada com petróleo e energia. O outro lado da Guerra Fria não era financeiramente ativo, e o mundo em desenvolvimento era muito limitado no seu envolvimento, geralmente de maneira indireta por meio de empréstimos.
Hoje temos muito mais correntes cruzadas. O volume de recursos é maior e o número de jogadores é significativamente maior. As perturbações no equilíbrio geopolítico afetam uma indústria que lidava até pouco tempo atrás com um ambiente rico em capital, de crescimento constante e a ascensão do mundo em desenvolvimento.
Há outro ângulo ainda mais significativo e ele tem a ver com a demografia.
Qual o impacto da demografia nos mercados?
À medida que você envelhece, seu patrimônio líquido aumenta. Para a maioria de nós, entre 55 e 65 anos é quando seremos mais ricos. Nossos filhos já saíram de casa, nossas despesas estão sob controle. A poupança detida pela faixa etária entre 55 e 65 anos representa 70% do capital privado global.
Do início da década de 2000 ao final da década de 2010, a geração baby boomer mundial tinha entre 55 e 65 anos. Estávamos no máximo capital disponível.
Para países como o Brasil, que entraram na história do desenvolvimento um pouco mais tarde, havia capital com o menor custo de toda a história. Mas essa situação foi um breve momento na história – e está chegando ao fim.
As próximas gerações são menores e possuem menos recursos. Portanto, a disponibilidade global de capital irá diminuir num futuro próximo. E quando digo futuro previsível, estou falando de meio século.
Uma das perguntas incômodas que as pessoas no setor financeiro terão que se fazer é se, num cenário de queda do capital, haverá a necessidade de tanta gente trabalhando na gestão de recursos.
Em ‘The End of the World is Just the Beggining,’ você diz que a “globalização vai se despedaçar.” O que explica o colapso da globalização?
Vamos começar com o estratégico e depois passar para o demográfico e o econômico.
Estrategicamente, os EUA nunca foram globalizados. Criamos o sistema globalizado para construir uma aliança para enfrentar a Guerra Fria.
As importações como percentual do PIB são de apenas 14%. Cerca de metade disso está dentro do Nafta (área de livre comércio da América do Norte). Existem pontos de exposição ao comércio global e, obviamente, vários deles são com a China.
Estamos trabalhando pouco a pouco e cada vez mais para trazer indústrias de volta para territórios amigos. Os EUA estão no processo de renacionalizar para a América do Norte o que haviam espalhado pelo mundo.
Volto à demografia. Todo o mundo rico está envelhecendo. Para haver comércio internacional, é preciso ter um número suficiente de jovens consumidores em diversos países. Só assim é possível justificar essas idas e vindas do comércio mundial.
Já não temos isso. Há relações comerciais resultantes da ascensão chinesa, mas agora os chineses descobriram que simplesmente não têm filhos suficientes para manter um sistema orientado para o consumo.
A China depende hoje de fazer algo que os sul-coreanos costumavam fazer, que é o despejo de produtos baratos pelo globo. A diferença é que a Coreia do Sul tem apenas 40 milhões de pessoas. A China tem mais de 1 bilhão.
Portanto, o desequilíbrio entre oferta e demanda que o mundo precisa absorver é imensa. Não é algo politicamente sustentável – mesmo que a China fosse considerada uma nação aliada, algo que ela não é.
Esse sistema não funciona mais. Se olharmos para a política nos EUA, até mesmo de presidentes que todos consideram radicalmente diferentes, como Trump e Biden, perceberemos que nos assuntos econômicos internacionais eles têm uma política muito semelhante. O diferencial de Biden é apenas um sorriso no rosto e uma gramática melhor.
Na sua análise, todos os países deverão sentir os impactos negativos da ‘desglobalização,’ mas os EUA nem tanto. Por quê?
Vamos começar com o básico. Os EUA têm a melhor geografia econômica do mundo. Isso independe do capital humano ou da política. Temos muitas terras aráveis planas que não exigem muito trabalho para serem aproveitadas e temos a melhor rede hidroviária do mundo.
Também temos uma proteção natural entre os nossos dois vizinhos mais próximos. Não enfrentamos um ataque militar desde a Guerra Mexicano-Americana (1846-1848).
Isso nos permite investir na economia, em pesquisa e desenvolvimento tecnológico, e subir na escala de valor adicionado e em todas essas coisas pelas quais os EUA são famosos e infames.
Temos também uma vantagem demográfica. Quando um país se industrializa, as pessoas mudam da fazenda para a cidade. Mas se a sua transição for muito rápida, você basicamente se esquece de como administrar a fazenda e de como ter filhos e de uma geração depois, você fica paralisado. É onde os chineses estão agora.
Eles comprimiram 250 anos de industrialização em 40. Conseguiram um crescimento espantoso, mas só se pode urbanizar uma vez. Eles estão descobrindo que envelheceram tão rapidamente que já não há pessoas suficientes com menos de 40 anos para sequer teoricamente ter a próxima geração.
Nos EUA, a urbanização foi mais lenta e não intensa, a natalidade não caiu tão vertiginosamente como a de todos os outros. Nossos boomers fizeram filhos, algo que seus equivalentes no resto do mundo não fizeram.
Todos os problemas que descrevi para os outros países se aplicam aos EUA, mas numa escala menor, porque nossas novas gerações são proporcionalmente maiores do que em outras economias maduras.
Há gestores e economistas menos otimistas com o futuro americano, tendo em vista a questão fiscal. As projeções mostram um avanço expressivo dos gastos com aposentadorias e outros benefícios. A dívida pública já supera 110% do PIB. Isso não o preocupa?
Sim, claro que é um problema agora. Algumas despesas são de fato pouco produtivas e, quando fazemos isso, estamos basicamente queimando dinheiro.
Se tivéssemos seguido o plano de Bill Clinton nos anos 90, não só teríamos um orçamento equilibrado como já já teríamos assegurado a aposentadoria dos boomers. Estaríamos livres das dívidas.
Mas quase todos os outros países estão em uma situação pior – e os EUA imprimem a moeda de reserva internacional.
Você acha que os chineses serão capazes de fazer a transição para uma economia mais orientada para o consumo?
Um sistema orientado para o consumo está completamente além da sua capacidade. Eles têm mais pessoas na faixa dos 60 na adolescência. Quase não têm filhos.
É um país que está morrendo. A questão é apenas de ritmo. Estamos perante um colapso da base industrial chinesa devido à falta de trabalhadores dentro de uma década.
Além do mais, é um país que tem um culto à personalidade. Então a capacidade de evoluir depende do processo de pensamento de um sujeito que decidiu se manter isolado.
Tudo que gostaria de fazer, como gestor em qualquer setor, seria limitar minha exposição a um país assim.
O Brasil tem números bastante favoráveis na balança comercial, graças em boa parte às vendas para a China. A economia brasileira precisa se preparar para uma desaceleração chinesa? Ou nossas commodities serão menos afetadas?
A produção no Brasil, seja ela de material agrícola, ferro ou qualquer outra coisa, é feita no interior do País e vocês precisam despachar essas mercadorias por rotas bastante caras. Isso só funciona quando o crédito é barato e o consumidor é bastante insensível aos preços.
Esse foi o ambiente em que vivemos nos últimos 25 anos. Os chineses basicamente expandiram a sua oferta monetária, imprimindo moeda a um ritmo que o Brasil dos anos 70 consideraria embaraçoso.
Eles têm essa aura de invencibilidade, mas a sua carga de dívida aumentou 35 vezes nos últimos 20 anos.
Sabemos como isso vai acabar. Enfrentarão um colapso financeiro que fará com que a crise da América Latina na década de 80 pareça apenas um piquenique.
Os brasileiros deveriam se preparar. Se os chineses não continuarem sendo uma fonte infinita de dinheiro, muitos produtores do Brasil deixarão de ser viáveis.
Quanto mais vocês puderem subir na escala de valor agregado, mais protegidos vocês estarão em relação ao que vem a seguir. Poderão se aproveitar de possíveis novos compradores em regiões que estão se industrializando na Ásia.
Não há razão para o Brasil ser apenas um país com uma pá que manda tudo para o exterior.
Como fazer isso?
Um desafio é que, se o Brasil continuar envelhecendo no ritmo atual, estará em uma situação parecida com a chinesa ou alemã até 2060, talvez 2070.
O problema é que Lula decidiu fazer parceria com os chineses, constituir joint ventures, e depois os chineses competiram com você em todos os mercados industriais que vocês tinham.
Ao mesmo tempo em que vocês estavam se urbanizando, você estavam desindustrializando.
Vocês precisam reconstruir a sua base industrial. Em segundo lugar, será necessário incentivar as famílias a terem mais filhos. Caso contrário, o Brasil desaparecerá da face da Terra no início do próximo século.
Uma forma de mitigar isso é estabelecer parcerias com países com população mais jovem. Vejo duas opções naturais, a Argentina e os EUA.
A Argentina, como sabemos, tem uma política econômica consistentemente criativa. Então as alternativas são se amarrar com um país empenhado em ser um caso perdido ou encontrar uma maneira de melhorar as relações com os americanos.
Mas o Brasil está cada vez mais próximo da China, e as áreas mais dinâmicas da economia brasileira são justamente as exportadoras de commodities…
A China tomou medidas para garantir que esse seja precisamente o caso.
É uma espécie de armadilha?
Os chineses armaram uma armadilha e vocês caíram nela.
Não há nada de errado em produzir produtos agrícolas para exportação. Não estou tentando dizer para não fazer isso. Estou dizendo que vocês precisam ter uma situação parecida com a dos australianos. Vocês não agregam nenhum valor. Deveriam.