Menos de duas semanas depois de anunciar sua parceria com a OpenAI, a Figure – uma startup da Califórnia que desenvolve robôs humanoides – já apresenta os resultados iniciais de sua colaboração com a criadora do ChatGPT.
Em um vídeo publicado ontem, um engenheiro da empresa conversa com o robô, que não apenas executa os pedidos como demonstra raciocínio e toma decisões próprias – por exemplo, pega uma maçã na mesa e explica por que fez isso.
A Figure criou o humanoide e os sistemas neurais para habilitar os movimentos. Agora a inteligência artificial da OpenAI fornece sistemas de raciocínio visual e compreensão de linguagem falada.
“Estamos combinando o nosso IA de baixo nível com o IA de nível superior da OpenAI para criar um modelo em que o robô possa conversar, raciocinar, e executar as atividades,” Brett Adcock, o fundador e CEO da Figure, disse ao Brazil Journal numa entrevista exclusiva na segunda-feira. “Nossa meta é criar robôs muito inteligentes – que poderão até mesmo escrever códigos e executá-los.”
A Figure despontou como uma provável líder na corrida pelo desenvolvimento de humanóides com aplicação comercial. A empresa já mantém uma parceria com a BMW.
Fundada em 2022, a Figure acaba de levantar US$ 675 milhões em sua segunda rodada de investimentos, atraindo Jeff Bezos e a Microsoft, além da própria OpenAI.
Participou também do investimento a Aliya Capital Partners, empresa de investimentos alternativos baseada em Miami que tem family offices brasileiros como os seus principais clientes. A gestora já havia entrado na primeira rodada.
“Quando fizemos o primeiro investimento, há 9 meses, muitos diziam que a Figure não seria páreo para a Tesla, que está desenvolvendo o robô Optimus. Mas acreditamos que ela poderá ser uma das duas ou três líderes nesse mercado,” disse Ross Kestin, CEO da Aliya, que também investiu na SpaceX, de Elon Musk.
“Se a Figure for bem-sucedida, será um leading horse,” afirmou Kestin. “Poderá valer US$ 1 tri.”
Na entrevista a seguir – a primeira desde o acordo com a OpenAI –, Brett Adcock explicou por que os robôs não deverão tirar empregos dos humanos – ao menos no início – e como eles poderão contribuir para o desenvolvimento econômico.
“O objetivo primordial é fazer com que robôs comecem a fazer trabalhos chatos, perigosos e sujos,” afirmou o empreendedor, que também criou a Archer Aviation, startup de carros voadores. “Em algum momento teremos milhões de robôs. Será um mercado enorme.”
Quando você percebeu que os robôs humanóides poderiam ser o mais novo grande mercado potencial em tecnologia?
Comecei uma empresa em 2018 chamada Archer Aviation [startup de carros voadores]. Em grande parte, é basicamente um robô que voa.
O que é um robô? Um robô consiste em baterias, motores e software, além de sistemas e sensores. Os aviões da Archer são, em muitos aspectos, robôs no ar.
Para mim, ficou claro que, com o avanço que estava acontecendo na IA, era o momento certo para investir em robôs humanóides.
É a primeira vez na história que, graças a uma conjunção de fatores, as portas se abriram para termos esses robôs em aplicações do mundo real.
Por que você diz isso? Quais são os fatores?
Basicamente, por causa dos avanços em duas grandes áreas.
Em primeiro lugar, em baterias e motores elétricos, com ganhos tanto em autonomia como em torque. As baterias de íons foram inventadas em 1991.
Então temos essa evolução em hardware com tudo o que está acontecendo em software com a inteligência artificial.
Não podemos escrever um novo código toda vez que o robô fará um movimento. Nisso a IA nos ajuda muito.
Então usamos uma rede neural para comprimir essas informações e dizer ao robô o que fazer. Somos capazes de construir um sistema de hardware e software que vai permitir ao humanóide, em breve, fazer atividades com aplicação comercial. Isso deve começar a ocorrer dentro de um ano ou dois.
Há muita gente fazendo pesquisa em laboratório e protótipos, mas nosso objetivo final na Figure é colocar esses robôs no mundo real.
Um primeiro teste vai acontecer com a BMW, um dos nossos clientes. Temos uma grande instalação na fábrica deles em Spartanburg, Carolina do Sul.
Quais deverão ser as primeiras aplicações e atividades desses robôs?
Um humanóide pode fazer quase tudo.
Mas nosso objetivo primordial é fazer com que robôs comecem a fazer trabalhos chatos, perigosos e sujos.
Há uma enorme escassez de mão de obra em atividades desse tipo, pelo menos aqui nos EUA.
Na BMW, os robôs devem auxiliar na linha de montagem e também no trabalho de logística.
Há muitas aplicações. Escolhemos, inicialmente, selecionar cinco áreas [manufatura, logística, varejo, saúde e educação].
Estamos trabalhando para entregar os primeiros robôs num prazo entre 12 e 24 meses.
Há milhões de pessoas empregadas em atividades de baixa qualificação. Você acha que a introdução de robôs em larga escala pode desencadear uma ruptura social?
Essa é uma questão interessante.
Nos EUA, temos cerca de 11 milhões de empregos não preenchidos porque as pessoas simplesmente não querem se ocupar em atividades como trabalho em centros de distribuição.
Outra maneira de olhar para essa questão é o ambiente macro da demografia. Há 3,3 bilhões de humanos na força de trabalho em todo o mundo e isso diminuirá rapidamente nos próximos 10 ou 20 anos.
Estamos em um colapso populacional e haverá menos trabalhadores. Isso está acontecendo agora. Está acontecendo nos EUA, no Japão, na China e em muitas das principais economias do mundo.
Então temos, como eu disse, milhões de empregos que ninguém quer fazer. Isso vai piorar com o tempo.
Levará muito tempo até que tenhamos robôs suficientes no planeta para começarmos a falar em tirar os empregos das pessoas.
Em cada galpão e em cada fábrica que eu vá, todos sempre se queixam da elevada rotatividade de funcionários. Os executivos estão suplicando por ajuda. Vamos ajudar a automatizar essas funções.
Certamente, com o tempo, os robôs farão as coisas a cada dia melhor. É simplesmente inevitável.
Mas isso, de alguma maneira, vem ocorrendo há séculos.
Cresci em uma fazenda do Meio-Oeste, em Illinois. No passado, há 200 anos, metade da população mundial trabalhava na agricultura. Hoje, o total não passa de 1%. A automação foi a razão disso, certo?
Para os EUA, será uma oportunidade de trazer de volta fábricas e atividades que haviam sido levadas para outros países em razão dos custos?
Certamente. Estamos fabricando aqui na Califórnia. Esperamos continuar a fabricar aqui nos EUA, com certeza.
Então, sim, as manufaturas são uma área extremamente importante para que a Figure tenha um bom desempenho ao longo do tempo.
Em algum momento teremos milhões de robôs. Eles farão tudo o que os humanos podem fazer – e isso será um mercado enorme, o que trará o desafio de colocar robôs suficientes no mercado.
Há um debate entre investidores e executivos se a IA deve ser uma tecnologia ‘open source’ ou não, por causa de sua relevância estratégica na economia e até na defesa. Qual a sua visão sobre isso?
Há um debate mais amplo acontecendo neste momento: se chegarmos à inteligência artificial geral [IA de capacidade cognitiva ampla e superior à humana] por meio apenas dos modelos de linguagem.
Talvez seja a pergunta mais importante a ser feita agora. A comunidade está dividida – há uma parte que pensa que sim, e parte pensa que não.
Se formos capazes de chegar à inteligência geral através da linguagem, então a questão do código fechado vai se tornar mais importante.
A questão é a seguinte: será necessário ter um corpo físico, uma personificação da IA, para chegar à inteligência geral?
Na minha percepção, parece cada vez mais que sim. Os grandes modelos de linguagem em si não têm a capacidade de compreender o mundo físico.
Não tenho uma visão consolidada sobre se o código deve ser aberto ou fechado. Mas tenho uma visão consolidada de que é extremamente perigoso se o governo trancar essa tecnologia e que apenas poucas pessoas tenham acesso a essa tecnologia.
Imagino que escalar o desenvolvimento e a produção dos robôs exigirá uma enorme quantia de recursos. A Figure fará uma nova rodada em breve?
Provavelmente não. Temos muito capital para o estágio do negócio em que estamos, o que é ótimo porque precisamos trabalhar bastante na construção de robôs e treinamento.
Precisamos mudar para novas instalações, porque estamos ficando sem espaço para os robôs. Há um monte de coisas que precisávamos fazer, mas temos um capital muito adequado para os próximos anos.
Além da injeção de capital, qual o significado da parceria com a OpenAI?
Estamos trabalhando juntos no desenvolvimento de modelos de IA de próxima geração para robótica e assim levar nossos humanóides para as aplicações comerciais.
Vamos desenvolver modelos de IA do zero. Dispor de um modelo de linguagem grande [large language model] para interpretar a semântica do mundo ao redor será um trunfo incrível
O robô precisa ser capaz de falar com você, ouvir o que você está dizendo, entender a mensagem e responder. Podemos alcançar isso por meio do modelo de linguagem
É algo fundamental e teremos agora a melhor equipe do mundo, a melhor IA do mundo.
Estamos usando nosso poder de IA com o deles para criar novos modelos do zero. Vamos ajudar com nosso sistemas para o mundo físico.
A IA deles pode identificar uma xícara de café ou qualquer outra coisa sobre a mesa, a partir de uma imagem tokenizada. Mas o sistema deles não podem mover nosso robô.
Eles não sabem como dizer aos motores quanta corrente elétrica deve ser colocada no sistema para produzir o torque suficiente no movimento.Eles simplesmente não sabem como fazer isso. Nós sabemos.
Então, estamos combinando o nosso tipo de código de IA de baixo nível com o IA de nível superior deles para criar um modelo em que o robô possa conversar, raciocinar, e executar as atividades. A meta é criar robôs muito inteligentes. Eles poderão até criar novos códigos e executá-los.
São como duas metades do cérebro.
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