O Federal Reserve está conseguindo entregar aquilo que muitas vozes proeminentes duvidaram que seria possível: controlar a inflação sem empurrar a economia para uma recessão nem provocar uma alta no desemprego.

Essa é a visão do economista-chefe para EUA da Goldman Sachs, David Mericle.

boopo david mericle 1“Os bancos centrais merecem muito crédito por ter seguido um caminho de ajuste suave, em vez de chegarem à conclusão precipitada de que seria necessário aumentar substancialmente a taxa de desemprego para fazer a inflação baixar,” disse Mericle, em sua entrevista ao Brazil Journal.

Segundo Mericle, boa parte dos desequilíbrios na economia foram passageiros, causados pela pandemia. Por isso o time da Goldman acredita já há algum tempo que seria possível alcançar um pouso suave da economia.

Recentemente, a Goldman reduziu para 15% a probabilidade de a economia americana entrar em recessão, um índice dentro da média histórica e que coloca o banco na ponta mais otimista de Wall Street.

“Estou inclinado a dizer que a parte difícil ficou para trás,” disse Mericle. “As expectativas de inflação voltaram a ser compatíveis com a meta de 2%. Enquanto isso, a taxa de desemprego é a mesma de quando o Fed fez o primeiro aumento na taxa de juros.”

Apesar do tom mais hawkish do Fed em sua última reunião, a Goldman não espera novas altas nos juros. A taxa deve ficar na faixa entre 5,25% e 5,5% até o terceiro trimestre do próximo ano e, se a inflação permitir, o primeiro corte deve ocorrer no último tri de 2024. 

PhD por Harvard, Mericle está na Goldman desde 2012. 

Abaixo, os principais trechos da conversa, feita na manhã de segunda-feira.

Na Goldman, vocês mantêm há algum tempo uma posição mais otimista do que o mercado em relação à probabilidade de os EUA entrarem em recessão. Por que a economia americana está mais forte do que muitos imaginavam?

Há muito tempo mantemos probabilidades de recessão muito abaixo do consenso.

No início deste ano houve um pico de temor entre os investidores de que uma recessão pudesse acontecer, mas nossa análise indicava que a maior parte do efeito do aperto nas condições financeiras havia ficado para trás.

Acreditamos que o crescimento potencial do PIB deve ser maior do que o imaginado, e um dos motivos para isso é o efeito causado pelo aumento na imigração.

Historicamente, a inversão da curva de juros dos Treasuries antecipa uma recessão. A curva se mantém invertida desde o ano passado. Por que dessa vez é diferente? Por que essa inversão não é o sinal de alarme de que uma recessão esteja se aproximando? 

De fato, historicamente os investidores encararam uma curva invertida como uma espécie de sinal de alerta de recessão. Isso porque é uma situação em que o mercado, coletivamente, vê uma grande possibilidade de corte nos juros à frente, algo normalmente associado a uma recessão.

Pensando na situação presente, há dois erros nas conclusões a partir dessa sabedoria coletiva. Em primeiro lugar, houve uma queda nos prêmios relativos aos prazos de vencimentos. Esse prêmio caiu muito.

Com prêmios menores, ficou mais fácil ocorrer uma inversão da curva. Isso já era verdade antes da pandemia e continua valendo agora.

O segundo ponto é que, em nossa avaliação, a queda de juros esperada não se deve a uma recessão, mas sim a um recuo da inflação.

É relativamente raro que as pessoas esperem corte de juros por um bom motivo, e não por causa de algo negativo, como uma crise ou uma recessão. Mas penso que estamos vendo isso agora, a precificação de cortes dos juros por uma boa razão.

É por isso que a curva está invertida – e não há absolutamente nada de contraditório nisso.

Alguns macroeconomistas – como Larry Summers – têm afirmado que é improvável que o Fed consiga trazer a inflação para a meta de 2% sem que haja ao menos uma recessão suave e um aumento mais acentuado do desemprego. Por que vocês acreditam que seja possível controlar a inflação sem que haja esses efeitos colaterais?

É verdade que alguns macroeconomistas proeminentes imaginaram que a redução da inflação exigiria um grande aumento na taxa de desemprego.

Se alguém tivesse assumido, como alguns deles fizeram, que a inflação iria se manter resistente em um nível entre 4,5% e 5%, então haveria uma grande taxa de sacrifício para diminuí-la em 3 pontos percentuais, porque seria elevar o desemprego para acima da sua taxa de equilíbrio, a NAIRU (Non-Accelerating Inflation Rate of Unemployment).

Mas, nos últimos dois anos, temos sido bastante céticos com esse tipo de argumento, segundo o qual o controle da inflação cobraria um grande custo no emprego. 

Por quê?

Grande parte do excesso de inflação e do crescimento dos salários foram causados ​​por fatores temporários, por causa da pandemia.

Com a diminuição nos desequilíbrios entre a oferta e a demanda vistos durante a pandemia e com a redução nas políticas que desencorajam a oferta de trabalho, grande parte do problema da inflação foi resolvida praticamente de graça, sem grandes custos para a economia.

Nosso segundo argumento foi que não precisávamos de uma recessão para reequilibrar a oferta e a demanda, mesmo com um mercado de trabalho aquecido. Bastaria um período prolongado de crescimento abaixo do potencial.

A restrição no mercado de trabalho seria pela queda na oferta de empregos, e não do aumento das demissões. Se está difícil contratar, as empresas vão evitar dispensar funcionários. Foi o que imaginamos.

Por essas razões, concluímos que o preço a ser pago pela redução da inflação seria pequeno para o mercado de trabalho, inferior ao que outras pessoas estavam sugerindo.

Os bancos centrais merecem muito crédito por ter seguido um caminho de ajuste suave, em vez de chegarem à conclusão precipitada de que seria necessário aumentar substancialmente a taxa de desemprego para fazer a inflação baixar.

Estou inclinado a dizer que a parte difícil ficou para trás. As expectativas de inflação voltaram a ser compatíveis com a meta de 2%. Enquanto isso, a taxa de desemprego é a mesma de quando o Fed fez o primeiro aumento na taxa de juros.

A expansão fiscal é um fator que dificulta o controle da inflação?

Houve um impacto durante a pandemia, devido aos grandes pacotes fiscais do final de 2021 ao final de 2022. Mas muitas dessas políticas já chegaram ao fim.

Parece improvável que ocorram novas mudanças importantes na política fiscal sob um governo dividido. Só quando soubermos o resultado das próximas eleições é que poderemos esperar alguma mudança.

O petróleo voltou a subir. É uma ameaça para o cenário de queda da inflação?

Penso que estamos basicamente de volta ao ambiente pré-pandemia, onde os preços mais elevados do petróleo têm algum efeito, mas um impacto relativamente moderado sobre as expectativas de inflação.

Analisamos os 20 anos anteriores à pandemia e vimos grandes flutuações nos preços do petróleo que simplesmente não causaram grandes problemas para a inflação. Não é mais um problema com o qual tenhamos de nos preocupar, porque os bancos centrais têm hoje maior credibilidade e as expectativas de inflação estão mais ancoradas.

Em 2021 e 2022, houve um efeito maior porque tivemos a reabertura da economia em sincronia com a guerra na Ucrânia. Parecia que a inflação estava fora de controle. Não era absurdo ficar um pouco preocupado com a possibilidade de as pessoas terem que se acostumar com níveis mais elevados.

Esse tipo de preocupação perdeu força. Os preços mais elevados do petróleo poderão afetar um pouco as expectativas, mas não creio que teremos efeitos perturbadores como os que vimos em 2021 e 2022.

O ciclo de aperto monetário do Fed chegou ao fim ou poderemos ver uma nova alta neste ano? 

Acreditamos que não haverá um novo aumento. Na última reunião, a maioria dos participantes sinalizou a possibilidade de uma alta nos juros. Mas achamos que a inflação vai se mostrar mais branda do que eles preveem.

Os indicadores mais favoráveis devem convencer o FOMC (comitê de política monetária do Fed) de que não será preciso fazer uma elevação adicional. Eles apenas terão que manter a taxa estável por mais tempo.

Esperamos que o primeiro corte ocorra no quarto trimestre do próximo ano. Mas tenho sentimentos contraditórios sobre isso. Os argumentos a favor dos cortes não me parecem, neste momento, tão convincentes. 

Algumas das autoridades do Fed argumentam, por exemplo, que a taxa neutra é 2,5%, muito abaixo de onde estão hoje, então seria estranho mantê-la nos 5,5%. Eu tenho uma visão mais agnóstica sobre a taxa neutra.

A inflação talvez tenha que cair de forma mais decisiva em direção à meta de 2% antes de vermos cortes. É possível que o Fed conclua que a inflação tenha caído o suficiente e decida que não há necessidade de cortar os juros. Não haveria nenhum problema que precisasse ser enfrentado e a taxa poderia ficar onde está.

Não é o nosso cenário base, mas acho que é muito plausível.