Peter Estermann é um CEO dois-em-um.
Às segundas e quartas, dá expediente em São Paulo, na sede do Grupo Pão de Açúcar (GPA). Às terças e quintas, vai até São Caetano do Sul tocar a Via Varejo. Às sextas, divide-se entre ambas.
Nas duas companhias, Peter enfrenta realidades bem distintas: o GPA acertou o pé no ano passado, com ganhos de receita e rentabilidade, e precisa apenas de pequenos ajustes.
Já a Via Varejo demanda mais cuidados: o chefe de Peter, Jean-Charles Naouri, do Casino, quer vender a dona das Casas Bahia e do Ponto Frio. Mas, enquanto isso não acontece, Peter tenta fazer o turnaround da empresa, que deu o maior prejuízo trimestral de sua história no quarto tri.
Filho de alemães e formado em engenharia agrônoma, Estermann começou a carreira na alta floresta no Mato Grosso a serviço da Sudam. Seu currículo é tão extenso quanto versátil: ele já passou pela indústria de açúcar e álcool, petroquímica, Aracruz Celulose, Telemar e Medial Saúde – além de ter comandado uma operação da Magnesita na Alemanha.
O executivo está no GPA desde 2014, onde já foi diretor de operações do negócio alimentar, e teve a primeira passagem pelo comando da Via Varejo entre 2015 e o começo de 2018.
Numa conversa com o Brazil Journal, Estermann ressaltou que a prioridade é vender a Via Varejo para um investidor estratégico – com foco em estrangeiros –, e disse que as operações físicas já operam com estabilidade.
No GPA, detalhou sobre o equilíbrio fino entre os diversos tipos de formato, reforçou sua fé nos hipermercados e falou da digitalização do varejo alimentar.
A seguir, trechos da entrevista:
Vamos começar pelo mais complicado: como está o processo de venda da Via Varejo?
Continua firme. Nosso foco principal continua sendo a venda para um estratégico. Temos um deadline até o fim do ano para desinvestir.
Mas vocês estão em conversas avançadas com alguma empresa?
Essas conversas já vem há algum tempo, quando a gente fala de estratégico. Mas a Via Varejo tem um tamanho significativo e, especialmente quando você fala com investidores internacionais, tem um lado do risco do País. No segundo semestre do ano passado, tinha toda a expectativa da eleição, depois da formação da equipe do governo e agora da reforma. As conversas vão e vem em cima desse ambiente. Mas temos uma expectativa positiva de que esses temas vão acabar sendo encaminhados e as conversas continuar evoluindo.
Mas o mais provável então é que seja vendida para um investidor internacional?
Sim, quando falo estratégico o nosso foco é o estrangeiro.
Em fevereiro, quando houve a segunda operação de swap (equivalente a venda de uma participação do GPA em Bolsa), vocês afirmaram que não descartavam uma saída da Via Varejo via mercado. Podemos esperar outras operações parecidas ou uma oferta secundária?
Não tem nenhum plano de que esse seja o caminho preferencial. Pode ser, porque se você não tem estratégico, tem que ter outras formas de sair do mercado. Mas estamos focando em vender para o estratégico e temos confiança de que isso vai acontecer. O swap não é para venda de controle e não é o objetivo principal fazer uma secundária.
No fim do ano, vocês tiveram problemas na integração das lojas com o ecommerce, que acabou impactando a execução até nas lojas físicas. Como está isso agora?
Evoluímos muito nos últimos três meses. Hoje temos uma operação totalmente estabilizada nas lojas físicas. Não tem mais o problema de instabilidade na plataforma de crédito que tivemos e que chegou a impactar as vendas. Mas não é só isso que a gente está ajustando. Também trabalhamos bastante na estratégia comercial: ter eventos sazonais mais fortes e campanhas diferentes durante as semanas do mês. E um ponto super importante é que, quando você faz suas ofertas, elas têm que ser as melhores do mercado. Estamos com uma dinâmica bem organizada, temos um planejamento com mais de três meses de antecedência, que ajuda no relacionamento com o fornecedor. Estamos com a operação física voltando a entrar nos trilhos.
E já dá para sentir os resultados dessa nova dinâmica comercial?
A gente já percebe, sim, uma tendência positiva de vendas, de fluxo de cliente em loja…
Mas essa dinâmica vai ter efeito em margens ou vocês estão conseguindo trazer o fornecedor para a estratégia?
É claro que quando você vai forte em ofertas, tem investimento de margem. Mas temos o alinhamento com o fornecedor. A estratégia comercial tem como foco absoluto crescer o top line com equilíbrio de margens. Um ponto muito importante é que a gente vem trabalhando o mix de categorias. Tem alguns produtos que têm uma margem melhor, então além de ir forte nas ofertas, estamos ativando essas categorias. Em móveis, por exemplo, eu tenho uma margem melhor. Já somos o maior vendedor de móveis do varejo brasileiro, temos a maior fábrica própria de móveis da América Latina, e estamos acelerando essa categoria significativamente, porque ela traz um equilíbrio melhor de margens.
O resultado do quatro trimestre ficou bem abaixo do esperado pelo mercado. Dá pra dizer que o pior ficou para trás?
Eu diria que ficou. Não existe virada milagrosa. A nossa proposta é melhoria contínua, temos que evitar os altos e baixos. Se você olhar o resultado do GPA no ano passado, foi exatamente essa tendência.
A Via Varejo entrou em meios de pagamento com a parceria com o AirFox. Como está essa estratégia?
Ainda está em piloto, em duas lojas. Se funcionar em duas lojas, funciona em mil. Estamos começando com carnê digital, mas a gente entra logo em seguida com a opção de transferir dinheiro, fazer pagamentos, depósito na conta, pagar conta de luz. Vai estar tudo no aplicativo, uma carteira digital completa. Vai ser uma operação mais ágil.
A Via Varejo tem esses problemas de sistema e está investindo nessa tecnologia, ao mesmo tempo em que o GPA quer vender o controle da empresa até o fim do ano. Tem tempo hábil para fazer tudo isso?
Sim. Quando você tem um processo de integração de duas plataformas, de duas empresas diferentes, como foi o caso, é normal ter algumas dificuldades. Mas acho que a gente colocou muita iniciativa além daquelas que a empresa está pronta e tinha planejado inicialmente. Tudo aquilo que está vinculado com loja física, a gente já está num nível operacional muito bom. No fim de junho, acontece a integração definitiva e total das plataformas. Durante o segundo semestre, conseguimos fazer uma evolução muito rápida de todos os aspectos vinculados a nossa plataforma online.
Agora vamos trocar o chapéu para CEO do GPA. 2018 foi um ano bom para a companhia, em que a rentabilidade voltou a aumentar. Mas ainda há um desafio estrutural do setor que é o modelo de hipermercados – que está meio perdido com o avanço do atacarejo. Como vocês têm visto esse modelo?
O fato é que, no varejo alimentar, você tem que ter flexibilidade para se ajustar. Tem que testar, mudar e se ajustar, porque quem manda é o cliente e ele está comprando de forma diferente. Convertemos alguns Extras maiores em Assaí e a maior parte desse movimento já foi feita. Pode ser que tenha alguma coisa adicional, mas aí não é um movimento absurdo. Mas entendemos que o hiper tem uma proposta de valor completamente diferente do atacarejo. O formato veio de anos difíceis, mas 2018 foi excepcional. A gente cresceu, melhorou rentabilidade, produtividade. Acreditamos nesse formato e continuamos fazendo alguns ajustes. Só para ter uma noção: o atacarejo tem de 8 a 10 mil SKUs e o hiper tem 40 mil SKUs. É diferente. E a medida que você tiver uma retomada da economia, o fluxo de clientes do hiper vai vir. A gente acredita no hiper, mas não é um formato que a gente vai fazer grandes expansões no futuro. Vamos manter a operação.
Vocês também estão convertendo supermercados com a bandeira Extra para outras bandeiras, não?
A gente testou dois modelos de conversão do supermercado Extra: para Compre Bem e Mercado Extra. Os dois modelos estão funcionando bem e com resultados excepcionais, vamos acelerar muito essa conversão em 2019. Já temos 13 Compre Bem, que foram desenhados para operar nas microrregiões onde as bandeiras regionais têm atuação forte. A quantidade de itens é menor que a do supermercado: 7 a 8 mil SKUs, contra 11 a 12 mil do supermercados. Mas é muito forte em serviço: padaria, açougue, fatiados, frutas, verduras e legumes. Está operando com rentabilidade boa e achamos que tem espaço para uns 40 Compre Bem. Com a conversão, as vendas cresceram mais de 40% e o tíquete, 20%. A gente já entendeu o modelo, que é voltado mais para o público C e D.
Aí temos o Mercado Extra, que vai para 30 lojas. Ele é mais voltado para público B e C. Nas lojas que já convertemos, a venda subiu quase 30% e o tíquete médio, 15%. Ao todo, são 186 lojas de Supermercado Extra e a gente quer converter mais de 100 lojas nos dois modelos. Não está definido quem será quem.
Em se mantendo esses resultados de conversão podemos esperar algum efeito de margem já para este ano?
Vai impactar alguma coisinha este ano, mas o principal é no ano que vem. Além das conversões de lojas de supermercados para Compre Bem e Mercado Extra, tem também a ampliação das lojas de Geração 7 [as mais modernas] do Pão de Açúcar. Tem potencial para converter 186 lojas do Pão nesse formato e a expansão para fora do Sudeste vai ser toda via G7. E isso ajuda porque o Pão é um formato rentável.
Tem algumas frentes de melhoria operacional. Um dos pontos principais é reduzir a quebra [mercadorias que vencem ou são desperdiçadas]. Isso não muda do dia para noite, mas estamos com uma frente importante aqui e acho que capturamos uma melhora importante já em 2020.
E o modelo das lojas de proximidade, vem avançando?
2017 foi dificílimo para esse formato, mas tivemos alguns aprendizados operacionais e 2018 foi muito melhor. O Minuto Pão é um modelo consagrado desde o começo. Temos 80 lojas, que andam bem pra caramba. O sortimento é bom, é um pequeno Pão de Açúcar. Mas a proximidade hoje é travada em São Paulo, onde fica um centro de distribuição de 32 mil metros quadrados voltados para abastecer esse formato. Tem espaço para triplicar esse modelo em São Paulo ainda. Vamos abrir 10 lojas este ano e acelerar muito em 2020.
E o que estamos fazendo além disso: trabalhando o conceito de mini hub, que é fazer das lojas maiores um mini CD e a partir daí abastecer mercados de proximidade. Por exemplo: temos 86 lojas do hiper com área de estocagem similar à do Assaí, de 2 mil metros quadrados, que hoje é usada para abastecer apenas a loja. É espaço demais. Estamos fazendo um piloto com esses mini hubs – que podem destravar esse crescimento da proximidade. Dá pra implantar de 18 a 25 lojas de proximidade em cada mini hub. Dá pra ir para Recife, Salvador, Brasília, porque em todas as regiões temos um hiper com esse perfil. Esse ano vamos testar três mini hubs, em regiões distintas, com propósitos distintos. Mas se cada hiper abastecer 20 lojas de proximidade, são 400 ou 500 lojas que você tem potencial para abrir.
Vocês estão avançando na digitalização – no fim do ano passado, compraram um superapp, o James Delivery, para fazer as entregas. Como está o avanço no ecommerce?
Nosso ecommerce cresceu mais de 40% no ano passado e segundo a Nielsen a gente é líder de mercado no ecommerce alimentar. Temos uma vantagem muito grande porque temos um centro de distribuição de mais de 32 mil metros quadrados em São Paulo, que atende as operações de loja de proximidade e ecommerce. O picking das duas modalidades é muito parecido. Tem uma sobreposição de mais de 80% dos itens que são pedidos no ecommerce e o que vai para as nossas lojas de proximidade. A gente usa esse centro de distribuição para o next day delivery. Normalmente, são pedidos maiores, nos quais se precisa de um suprimento maior.
Tem também a modalidade em que você compra na Internet e recebe na loja, que é o delivery express ou entrega no mesmo dia, que são pedidos menores. Já temos 70 lojas operando com esse modelo e vamos fechar com 120 a 150 lojas, nas bandeiras Pão de Açúcar e Extra.
Agora, com a aquisição do James, teremos o next hour delivery. São pedidos ainda menores, de conveniência e que a gente também entrega a partir da loja. Já está funcionando em Curitiba e acabamos de lançar em São Paulo, inicialmente a partir do Extra Itaim, que vai ser a primeira loja do GPA totalmente omnichannel. Vai ter click and collect, o express que compra na Internet e entrega no mesmo dia, caixa express, para marcar horário na fila do caixa. A ideia é ir levando esse conceito de omnicanalidade para todas as lojas conforme o James for entrando.
E porque vocês decidiram comprar a operação e não fazer uma parceria, como vocês tinham com o Rappi?
É um serviço estratégico, que está integrado com toda a estratégia digital do GPA. A operação do James é completamente apartada. Os quatro fundadores continuam conosco e o presidente do James, que é o Lucas, responde diretamente para mim. Temos um time que facilita a integração e vai aproveitar oportunidades de sinergia. Tem sinergias nos shoppers, por exemplo. Tem os funcionários na loja que fazem o picking do delivery express e o James tem o shopper dele para os clientes que pedem no aplicativo. Por que não unir? Pode ser que a gente tenha uma sinergia aqui.
Como você enxerga estrategicamente o papel do ecommerce no varejo alimentar? Tradicionalmente, ele é bem menor do que em eletroeletrônicos…
É mais uma opção de compra para o cliente, até porque a aceleração do online no varejo alimentar tem complexidades adicionais. No GPA alimentar, o ecommerce representa 2% das vendas. Em qualquer lugar do mundo é isso: 1%, 2%, no máximo. O next day delivery, que parte do centro de distribuição, é uma equação difícil de fechar, mesmo com taxa de entrega. É diferente do eletroeletrônico, onde o tíquete médio é alto e o custo do transporte pequeno. No alimentar, o tíquete é mais baixo e o custo é praticamente o mesmo. O delivery que parte direto da loja e o James, são bem mais rentáveis. Nosso posicionamento é ter todas as opções de compra para o cliente. Essa é a vantagem de ter todos os formatos.