A direção da Estácio passou as últimas semanas gastando sola de sapato e gogó em outro tipo de educação: a de seus próprios investidores sobre a tese da companhia.
O balanço do primeiro trimestre revelou uma nova política de preços — com as primeiras mensalidades a R$ 49 — que estremeceu a confiança do mercado na história de rentabilidade crescente que estava puxando a ação da empresa desde o ano passado. Em duas semanas, o papel já caiu 15%.
Gustavo Zeno, o ex-CFO da Mills que assumiu há pouco mais de um mês como CFO e RI da Estácio, já chegou tendo que mostrar serviço. Ele e o CEO Pedro Thompson estão tentando convencer os investidores de que eles entenderam tudo errado.
O pomo da discórdia atende por DIS, sigla para “Diluição Solidária”. Com o fim da farra do FIES e o consumo ainda fraco, captar novos alunos está cada vez mais difícil, o que tem levado todo o setor a adotar preços mais agressivos para atrair calouros.
Como as matrículas se estendem até março — e este ano, por conta de atrasos no FIES, invadiram o mês de abril — virou praxe a isenção ou a cobrança de tarifas módicas para as duas ou três primeiras mensalidades, que se referem a janeiro, fevereiro e março. Sem a colher de chá, o valor retroativo a ser pago na entrada seria muito alto, dificultando ainda mais as matrículas.
Foi nesse contexto que a Estácio anunciou sua nova política para este ano. Cerca de 75% dos calouros entraram pagando apenas R$ 49 nas primeiras mensalidades. O saldo restante referente a esses primeiros meses será parcelado ao longo do curso e corrigido apenas pela inflação.
Funciona assim: considerando um tíquete médio de R$ 800 e o prazo médio de duração dos cursos de 48 meses, quem entra em março e paga R$ 49 pelas mensalidades de janeiro e fevereiro tem um saldo restante de R$ 1.502 a quitar. Essa diferença é parcelada em 46 meses e a mensalidade passa a ser de R$ 832,70 (o saldo é corrigido apenas pela inflação).
As ações da Estacio despencaram mais de 5% no dia seguinte à divulgação.
“Na verdade, essa política de preços cria valor, mas só ficou claro desde o início para quem acompanhava bem de perto a companhia”, diz um gestor do Leblon comprado no papel. “Eles pecaram na comunicação”.
O rolo foi ainda maior porque, pelas regras de contabilidade, a Estácio é obrigada a reconhecer o valor cheio dessas primeiras mensalidades na frente — o que ‘inflou’ a receita e poluiu todas as métricas de comparação. O DIS respondeu por 14% da receita no primeiro trimestre, ainda que esse valor ainda esteja longe de virar caixa.
“Houve uma desconfiança de que eles estavam criando uma falsa sensação de melhora, inflando o intake [matrículas] num período em que está muito difícil captar alunos”, diz outro investidor.
Num intervalo de dez dias úteis, Thompson e a equipe de RI participaram de uma conferência do Itaú, um almoço promovido pelo BTG e conversas com analistas de sellside. A mensagem básica: a nova política de preços captura uma receita que vinha sendo deixada na mesa e adiciona 5% ao tíquete médio quando as parcelas são trazidas a valor presente.
Uma das principais preocupações do mercado diz respeito à qualidade da base que está sendo atraída pelos preços baixos: quando a empresa começar a cobrar o valor cheio, o aluno não vai cair fora?
A empresa diz que não, e prova com dados do ano passado. Pouca gente havia se dado conta mas, em 2017, a Estacio já havia cobrado R$ 59 nas primeiras mensalidades na campanha de captação do primeiro semestre — e sem parcelar o valor restante, simplesmente abrindo mão da receita. E a evasão, como mostram os balanços desde então, diminuiu.
Outra dúvida, mais crítica, diz respeito ao provisionamento da inadimplência das mensalidades que foram diferidas no tempo. A Estácio provisionou 15% da receita com o DIS, com base no histórico dos alunos que costumam abandonar o curso no primeiro ano e na probabilidade de recuperação dos créditos. Alguns analistas apontam que esse valor deveria ser mais próximo de 25% a 30%.
“Tem um debate sobre se esse valor de provisão está correto, mas o fato é que de 15% para 25% o impacto sobre o ‘valuation‘ é irrisório”, diz um gestor que não vê razão para o ‘price action’ das últimas semanas. A companhia disse que fará um acompanhamento mensal e ajustará as provisões se a inadimplência ficar maior que o esperado.
A catequese convenceu BTG, JP Morgan e Safra a publicar relatórios detalhando a estratégia do DIS e reforçar as recomendações de compra diante da queda recente. O Morgan Stanley foi na mesma linha e chegou a fazer um vídeo com Thompson para os clientes.
Entre as gestoras fundamentalistas, a percepção é de que, apesar da confusão, a companhia continua entregando melhora de margens e aumento de geração de caixa.
“O case de Estácio nunca foi uma expectativa de crescimento de top line [receita], mas de eficiência e margem”, diz um gestor. “Eles continuam entregando e o DIS vai exatamente nesta linha”.
A Estacio tem uma base histórica de acionistas internacionais, mas a participação dos investidores locais aumentou de 20% no ano passado para cerca de 33% este ano.
Os ruídos, no entanto, tornaram a empresa um play mais tático para fundos long/short, que vêm arbitrando a diferença de preço entre a companhia e as concorrentes.
Kroton e Ânima caem mais de 20% desde o começo do ano, enquanto a Ser derreteu mais de 40%. A Estácio subia 6% até a divulgação do resultado, e agora cai 8% no ano.
O episódio mostra que o setor de educação continua vulnerável depois do fim do FIES, deixando as empresas sem espaço para errar na comunicação. Como diz um gestor, “qualquer faísca vira incêndio”.