Quando abrir as portas ao público em setembro, a 36ª Bienal de Arte de São Paulo deve receber em quatro meses 800 mil pessoas.
Para efeito de comparação, isso é mais do que o MASP no ano passado inteiro, e o mesmo público da Bienal de Veneza do ano passado, que no entanto durou seis meses.
O esforço para colocar uma Bienal de pé é mais ciência do que arte — e começa 24 meses antes.
O processo envolve 76 pessoas na equipe permanente, 250 na montagem, e uma equipe adicional de quase 200 funcionários durante a exposição.
No total, 47 voos trazem as obras de 19 países, do Japão à Nova Zelândia, do Vietnã à Costa do Marfim.
Há ainda a força da grana que ergue (e destrói) coisas belas: a cada dois anos, a Bienal precisa captar as dezenas de milhões de reais em patrocínio necessárias para viabilizar o evento.
“A gente já começa a gestar a próxima Bienal antes da atual ter acabado,” Antonio Lessa, o superintendente executivo da mostra, disse ao Brazil Journal. “A Bienal deste ano abre em setembro, e em novembro já vamos começar as discussões sobre a seleção dos curadores para a próxima, que só vai acontecer dois anos depois.”
Para selecionar os curadores, a presidência da Bienal – hoje a cargo da ex-banqueira Andrea Pinheiro – elege uma comissão responsável por debater os nomes.
São cerca de três meses de discussões até produzir uma short list. Os candidatos nesta lista então enviam seus pré-projetos à comissão, que finalmente escolhe o vencedor.
Com o projeto e a equipe de curadoria definidos, inicia-se então um trabalho extenso de pesquisa do tema, escolha dos artistas e obras, e concepção da arquitetura da exposição. E lá se foi mais um ano.
É só quando faltam seis meses para a Bienal começar que a produção da mostra começa mesmo a sair do papel. “De abril a julho é a fase de montagem e instalação: colocar as obras na parede e colocar a exposição realmente de pé,” disse Lessa.
Mas antes disso há um desafio cabeludo: a logística das obras, que precisam chegar a tempo (e inteiras) para a exposição.
O esforço exige um batalhão de despachantes aduaneiros, seguradoras, transportadoras, montadores, advogados e contabilistas.
“Tem também uma questão tributária sensível com a qual temos que lidar,” disse Lessa. “As obras que vem de fora precisam ser trazidas sempre como importação temporária para evitar o recolhimento de tributos, o que inviabilizaria a exposição.”
A Bienal lida com números de gente grande. Na edição passada, por exemplo, só uma das salas tinha oito obras de museus como o Reina Sofia e o Malba, avaliadas em mais de US$ 15 milhões.
A maioria das obras vem de avião: este ano, a Bienal fez uma parceria com a Air Marrocos, que entrou como patrocinadora do evento e vai cuidar do transporte de diversas obras e artistas.
De navio – a logística mais demorada e custosa – vêm só as obras muito grandes, que não cabem na barriga do avião.
Lessa disse que a Bienal nunca teve problemas graves na logística – mas numa das edições, uma obra importante, que vinha da Itália, ficou presa no porto e quase não chegou a tempo.
“Era uma obra muito grande, que veio de navio e foi desmontada para o transporte. Quando chegou no porto ela ficou presa, porque como estava desmontada eles acharam que se tratava de várias obras e não de apenas uma, como estava no descritivo,” disse o superintendente.
Todo esse processo não sai barato: a Bienal precisa levantar R$ 90 milhões a cada dois anos.
Como a exposição é gratuita ao público, esse montante vem principalmente dos patrocinadores, que doam os recursos usando os incentivos da Lei Rouanet. A Fundação Bienal hoje é a segunda maior beneficiária da Lei, atrás apenas do Inhotim.
Os hoje 47 patrocinadores são divididos em categorias que variam pelo valor aportado. O maior doador desta safra é o Itaú (acima de R$ 15 milhões), seguido por nomes como Bloomberg, Bradesco, Petrobras, Vale, Citi e Vivo.
Outra fonte de receita é a cessão onerosa do pavilhão. O prédio onde acontece a Bienal pertence ao município, mas foi concedido à Fundação num contrato de 30 anos, que foi renovado em 2023. Nos anos sem Bienal, o prédio é cedido a outros eventos, como a SP-Arte.
A Bienal deste ano — intitulada Nem todo viandante anda estradas: da humanidade como prática — propõe uma reflexão sobre os conceitos de humanidade e a relação da humanidade com seu ecossistema natural.
O título da exposição veio do poema Da calma e do silêncio, de Conceição Evaristo, que “fala da escuta ativa da humanidade enquanto prática em constante deslocamento, encontro e negociação.”
O curador é Bonaventure Soh Bejeng Ndikung, nascido no Camarões e diretor e curador geral do Haus der Kulturen der Welt de Berlim desde 2023.
A edição será marcada por uma inovação: pela primeira vez, a Bienal terá quatro meses de duração, indo de setembro até o meio de janeiro – uma ideia da presidente para pegar o início das férias escolares.
A mudança vai ao encontro de um dos pilares da Bienal: seu programa educativo. A cada edição, a Bienal recebe cerca de 70 mil crianças, cujo transporte é custeado muitas vezes pela exposição. Para muitas dessas crianças, a Bienal é o primeiro contato com a arte, assumindo um papel de introduzi-los a este mundo, que muitas vezes é difícil de acontecer num museu tradicional.
“Os museus em geral têm um compromisso muito grande com o historicismo da arte. A Bienal não,” disse Andrea Pinheiro, a presidente. “Pelo contrário: ela tem compromisso com o que as pessoas estão discutindo hoje, com a contemporaneidade, e isso é um consumo mais fácil para as pessoas. Você não precisa de um background em história da arte nem de uma discussão estética e filosófica.”