MOUNTAIN VIEW, Califórnia – Eric Schmidt é uma das poucas pessoas no mundo que consegue falar de absolutamente tudo com profundidade – de Web3 à biologia sintética.
CEO do Google entre 2001 e 2011, Schmidt fez a palestra de encerramento do Brazil@Silicon Valley – um dos melhores painéis do evento – e discorreu sobre suas principais preocupações atualmente.
A primeira é referente ao blockchain e à Web3. Para Schmidt, a grande questão é se esses sistemas são de fato escaláveis.
Segundo ele, desenvolvemos sistemas que não estão prontos para escalarem de forma global, e isso é um problema técnico de software que precisa ser resolvido imediatamente.
A principal característica do blockchain é que a tecnologia foi criada para ser descentralizada e distribuída. O desafio atual é que, para ter o mecanismo de consenso descentralizado, a escalabilidade está sendo prejudicada.
Hoje, qualquer computador que integra uma rede blockchain com protocolo de consenso público deve processar todas as transações que acontecem na rede. E, isso requer um aumento constante do poder computacional, o que acaba acarretando o risco de centralização.
Como resolver?
A solução pode seguir dois caminhos:um aprimoramento do protocolo blockchain, ou as chamadas “layer 2 solutions” – quando usamos o blockchain como uma âncora confiável, mas para direcionar a maioria das transações para fora da cadeia.
Apesar dos Estados Unidos estarem hoje bem à frente no tema de blockchain e criptomoeda, Schmidt disse que a China possui um sistema de pagamentos mais sofisticado, liderado pelo WeChat Pay e Alipay.
Para ele, a combinação entre esse sistema de pagamentos e a evolução da China na tecnologia de blockchain pode ser muito poderosa. Apesar do governo chinês ter se mostrado cético quando o blockchain foi lançado há alguns anos – dada sua característica de descentralização – o tema começou a surgir no Plano Quinquenal de 2016, e apareceu novamente no plano de 2021.
No início deste ano, o lançamento oficial do Yuan Digital, moeda que roda em blockchain, foi um marco importante. Para que os Estados Unidos mantenham o pioneirismo e dominância, é preciso que eles resolvam o problema de escalabilidade antes que a China o faça.
A segunda preocupação de Schmidt gira em torno da importância do tema da biologia sintética: será cada vez mais importante substituir itens como o plástico, que são nocivos ao meio ambiente, por algo desenvolvido em laboratório.
Dando um passo atrás, what the hell is “biologia sintética”?
O conceito integra diferentes áreas da pesquisa (química, biologia, engenharia, física e ciência da computação) na construção de novos componentes biológicos, envolvendo também o re-design de sistemas naturais que já existem.
Em outras palavras, significa usar a tecnologia de DNA recombinante para desenhar organismos que atendam às necessidades atuais da humanidade.
Segundo Schmidt, já estamos em uma “global biotech race,” e novamente a China se destaca frente aos demais países. Beijing acumulou o maior banco genômico do mundo, dando aos chineses uma vantagem natural no que tange à biologia sintética.
A última preocupação do executivo é relacionada à inteligência artificial e aos grandes desafios que virão quanto mais desenvolvermos suas aplicações. No ano passado, o próprio Schmidt alertou o Congresso americano de que a China deve estar no máximo um ano atrás dos EUA em aplicações e desenvolvimento de IA.
O país quer ser o líder em IA até 2030, e já tem inclusive um plano detalhado sobre as 7 áreas-chave que precisam ser desenvolvidas – com datas esperadas de conclusão.
Apesar dos EUA serem pioneiros no que tange ao research destes tópicos e descobertas inovadoras, a China está fechando o gap.
Com metas agressivas, um governo centralizador, e muito investimento, Schmidt teme que seja questão de tempo a China chegar lá.
Júlia De Luca é uma ‘tech manager’ no Itaú BBA.