Até pouco tempo atrás, Eric Soares era dono de quatro galpões contendo milhares de móveis modernistas de nomes como Joaquim Tenreiro e Sergio Rodrigues.
Agora, é dono de cinco.
Eric — que trabalha com restauração e venda de móveis há 35 anos com sua empresa, a ArquivoVivo — acaba de comprar o acervo de um outro veterano do mercado, uma coleção de mais de 900 itens diferentes, reproduzidos em milhares de peças.
“Deve ter umas 50 mil peças nesses 5 galpões,” diz Eric. “É estoque para uns 15 anos de venda.”
O comerciante não tem pressa nenhuma — aliás, só vende quando está a fim.
“Às vezes você vai no Eric e ele não quer vender nada, ou porque se apegou àquela peça, ou porque tá com dinheiro — aí ele joga o preço lá em cima pra te forçar a não comprar,” diz Luiz Lima, sócio do multifamily office Berkana Patrimônio e cliente de Eric há quase uma década. “Ele é um excêntrico, mas visionário. Quando ninguém dava importância para esses móveis, ele já estava lá restaurando e vendendo.”
Eric começou a se interessar por móveis ainda nos anos 80.
Dividia seu tempo entre um emprego na Caterpillar e a ReformaFlex, uma empresa de reforma de estofados que montou para ajudar um vizinho que ficara desempregado.
“Eu saía da Caterpillar às 16h30 e ia visitar clientes — Banco Nacional, American Express, Tintas Renner — para restaurar qualquer móvel, desde sofás comuns até cadeiras,” diz o vendedor excêntrico.
A grande virada de chave aconteceu em 1990, quando Eric recebeu um telefonema de Mário Garnero, do Banco Brasilinvest.
Garnero precisava restaurar alguns móveis — e ofereceu pagar pelo serviço com centenas de outras peças que antes mobiliavam os dois prédios da Brasilinvest, que havia quebrado e estava reabrindo com apenas dois andares.
Havia móveis da Forma — a lendária fábrica que fazia móveis de nomes como Mies van der Rhoe, Eero Saarinen e Marcel Breuer — bem como da Teperman, que fabricava as onipresentes cadeiras Charles Eames.
Eric levou tudo para um galpão alugado e começou a restaurar e revender os móveis, criando a ArquivoVivo. Como não cabia tudo dentro, colocou o estoque ao ar livre. Vendeu rápido.
Depois de começar com os clássicos internacionais, Eric foi descobrindo o design brasileiro. Entre incursões pela Avenida do Estado, em São Paulo, e lojas de móveis usados no Rio e Brasília , deu de cara com um tal de Sergio Rodrigues. Ficaram amigos.
Eric antecipou uma tendência. De uns 10 anos para cá, o brasileiro começou a descobrir e se orgulhar da história e da qualidade do mobiliário do País.
O mundo também: móveis modernistas brasileiros ocupam casas e museus em Portugal, Nova York e na Califórnia.
“É aquela coisa meio tupiniquim, não tinha valor nenhum, mas do nada ficou uma coisa super valorizada,” diz Luiz. “Uma cadeira de jacarandá tem um valor inestimável, porque você não pode mais extrair. O mogno ainda está sendo extraído, mas é uma madeira valiosa.”
O acervo que Eric comprou com Luiz Lima contém móveis de Sergio Rodrigues, Joaquim Tenreiro, Jorge Zalszupin e Giuseppe Scapinelli — todos marceneiros que se tornaram marcas.
A precificação do mercado costuma ser arbitrária.
“Em termos de preço, o Eric está no meio do caminho entre uma TokStok (que vende réplicas) e um leilão da Sotheby’s. É um mercado muito pouco arbitrado, onde as pessoas têm muita dificuldade de precificar,” diz Luiz. “Um mesmo sofá que foi vendido na Sotheby’s por US$ 100 mil, eu comprei do Eric por R$ 50 mil.”
Eric diz que o mercado de móveis “é um pouco diferente do mercado de arte, porque lá você ainda tem produção nova e coisa vindo… No mercado de móveis, você não tem produção nova. Talvez a gente tenha um terço de peças maravilhosas, um terço medianas e um terço de peças que não servem pra nada.”
“É um mercado em que você não tem reposição, e tem muita jóia escondida.”