Nessa entrevista com o Brazil Journal, o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, confirma que deverá sair do governo entre julho e agosto, mas antes de sair quer ajudar na própria transição para que não haja ruídos desnecessários quanto ao compromisso do governo com o ajuste fiscal. 

10926 e9dd47a2 e0cc 8f4f fd19 607d1ee46f8bMansueto diz que sua saída não muda em nada o compromisso do governo com o ajuste, o qual, na sua opinião, depende muito mais da posição do Presidente da República, do Ministro da Economia e do apoio político do Congresso Nacional. 

O secretário do Tesouro afirma que o ajuste fiscal está hoje na Constituição Federal, e que isso dá segurança institucional para sua continuidade. Para o ajuste não ocorrer, o Congresso Nacional — por inciativa própria ou do Poder Executivo — teria que mudar a Constituição e acabar com o teto dos gastos. 

Por que você resolveu sair agora? 

Eu estou desde maio de 2016 no governo em diferentes cargos no Ministério da Economia e há dois anos como secretário do Tesouro Nacional. Eu gosto muito do setor público e a cada dia eu aprendo mais. Mas estou um pouco cansado e está próximo o momento de sair porque no próximo semestre o governo vai debater um conjunto de reformas estruturais e novas medidas para o pós-crise do COVID-19. O ideal é que o novo Secretário do Tesouro já acompanhe este debate e fique até o final de 2022. 

Não é cedo para sair, dado que o ajuste fiscal ainda está incompleto?

Vamos ser claros. Primeiro, o fato de eu sair não altera em nada o esforço de ajuste fiscal que este governo e o próximo precisam fazer. Sim, o ajuste fiscal não se esgotará neste governo. O próximo presidente terá que continuá-lo ao longo de todo o seu mandato. O que se pode debater é a intensidade, ou seja, a velocidade do ajuste fiscal. 

Segundo, numa democracia na qual 94% da despesa é obrigatória e com um volume excessivo de receitas vinculadas e regras de indexação no orçamento que pesam no crescimento da despesa, o aprofundamento do ajuste fiscal depende de mudanças infraconstitucionais e constitucionais. Assim, vamos precisar de um bom debate político para se criar o apoio da sociedade para essas mudanças. 

Terceiro, o ajuste fiscal no Brasil está na Constituição Federal com o teto dos gastos. Sinceramente, isso é mais importante que o titular da Secretaria do Tesouro Nacional. O mais importante é termos o apoio político do Executivo e do Legislativo para o cumprimento do teto dos gastos. 

Ok, mas vamos ser sinceros:  existe o risco do próximo Secretário do Tesouro não ter firmeza para dizer ‘não’ para muitas demandas políticas que naturalmente existem. 

Eu não vejo isso como um risco porque quem quer que seja o próximo secretário do Tesouro, ele vai seguir as diretrizes do Ministro Paulo Guedes que, no final, segue as diretrizes do chefe do Poder Executivo que é o Presidente Jair Bolsonaro. 

Eu vou ajudar nessa transição e toda minha equipe de subsecretários que está no Tesouro desde o governo passado vai continuar com o novo secretário porque eles são todos funcionários púbicos comprometidos com o ajuste fiscal.

E tem um lado positivo na troca do Secretário do Tesouro. As pessoas vão notar que nada vai mudar. Isso é importante do ponto de vista institucional porque o trabalho de uma instituição não pode depender de quem é o titular. E o Tesouro Nacional passou mudanças institucionais muito positivas desde 2015. 

Por trás do meu trabalho no Tesouro tem uma equipe de cerca de 600 funcionários públicos extremamente competentes. Meus subsecretários formaram nos últimos anos comitês de governança que se reúnem mensalmente e mandam atas das reuniões para o TCU. Eu participo dessas reuniões como convidado, mas são funcionários públicos do Tesouro Nacional que coordenam e escrevem as atas dessas reuniões. Se alguém não respeitar essa governança ou tentar interferir nesse trabalho, essa pessoa terá sérios problemas com o TCU. Por isso que afirmo que, quando eu sair, nada muda. 

Qual é exatamente o tamanho do ajuste fiscal que estamos falando para este e o próximo governo? 

Este ano vamos ter um déficit primário do setor público que, em uma visão otimista, será de R$ 700 bilhões (7% do PIB). No ano passado esse número foi de R$ 61 bilhões (0,9% do PIB). Mas com a renovação de alguns programas da covid-19 e com novas frustrações de receita o déficit primário poderá passar de R$ 800 bilhões, ou seja, acima de 11% do PIB, sem incluir aqui a conta de juros. 

Com o conceito mais amplo, que chamamos de déficit fiscal ou resultado nominal, estamos falando de um buraco fiscal este ano acima de R$ 1 trilhão, algo como 15% do PIB ante R$ 429 bilhões (5,91% do PIB) no ano passado. Ou seja, o nosso buraco fiscal no conceito mais amplo será quase 3 vezes maior que o resultado do ano passado, e isso significa que a dívida bruta crescerá entre 15 a 20 pontos do PIB em um ano, um crescimento muito forte para um país que já tem a dívida pública muito alta. 

Qual o tamanho do ajuste fiscal?  No próximo ano mais de R$ 400 bilhões de despesas primária deste ano ligadas à covid-19 vão desaparecer, mas ainda vamos ficar com um déficit primário entre 2,5% a 3% do PIB, que precisa se transformar um resultado primário de pelo menos 2,5% a 3% do PIB. Ou seja, estamos falando de um ajuste fiscal para os próximos anos de 5 a 6 pontos do PIB — ou seja, algo entre R$ 350 a R$ 420 bilhões — que não termina neste governo. 

Você enfatiza muito a necessidade do apoio politico para a o ajuste fiscal no Brasil. O governo não tem como avançar no ajuste fiscal independentemente do Congresso? 

Não. O Congresso em uma democracia é quem aprova as leis e o Orçamento. Cabe ao Executivo estabelecer o diálogo político com o para criar o consenso do ajuste fiscal que, em muito casos, exige mudanças constitucionais. Esse debate terá que continuar e o governo precisa organizar sua base política para ter apoio para dar continuidade ao ajuste fiscal. 

Ë bom que todos, inclusive o Judiciário, tenham a dimensão dos desafios que temos à frente. O Brasil há cinco anos atrás tinha uma inflação acima de 10% ao ano, uma taxa de juros Selic acima de 14% ao ano e uma conta de despesa com previdência que era insustentável. Isso tudo já mudou, mas precisamos fazer mais. O que foi feito ainda não nos garante o ajuste estrutural que precisamos.  

Temos que garantir o ajuste fiscal estrutural para assegurar o cenário de inflação e juros baixos e, com as demais reformas estruturais, o crescimento do nosso PIB potencial e, assim, garantir um cenário sustentável para nossa dívida pública. 

Mas se os poderes da República falharem no diálogo politico necessário, que é o primeiro passo na busca do consenso para aprovar as reformas, não vamos ter recuperação forte do crescimento e haverá o risco de aumento dos juros no futuro. Ajuste fiscal é por natureza um desafio político a partir de um diagnóstico técnico. Mas o que se vai cortar, se haverá ou não mudança em alguns impostos, etc. é por natureza um debate político. 

Você tem receio de algum problema no financiamento da dívida? Sua eventual saída poderia causar algum problema? 

O FED anunciou recentemente que as taxas de juros nos EUA ficarão próxima de zero até 2022. E no Brasil o cenário de inflação está bem-comportado e vamos também usufrui de um cenário de juros baixos por um bom tempo, o que vai nos ajudar a ganhar tempo para aprovar medidas e avançar no ajuste fiscal e nas reformas importantes como a administrativa e a tributária. O período de juros baixos abriu um janela para conseguirmos criar o consenso politico necessário para aprovarmos as reformas necessárias tanto para crescermos mais quanto para fazer o ajuste fiscal. 

E a situação dos estados e municípios no Brasil? Eles sairão da crise mais endividados e ainda com a necessidade de fazer o ajuste fiscal que ainda não conseguiram. O que vai acontecer? 

Vamos ter que retomar a agenda que já estava posta antes da covid-19. Aqui vamos precisar de mudanças na Constituição e parte dessa agenda já está na PEC Federativa que está no Senado desde o ano passado.

Eu sempre tive um bom diálogo com a grade maioria dos governadores, independentemente de partido politico ou de suas preferências ideológicas. Mas esse diálogo tem que evoluir para uma boa coordenação política porque será essencial no debate do PLP 101/2020, o Plano de Equilíbrio Fiscal (PEF), e nas mudanças necessárias do Regime de Recuperação Fiscal (RRF) e na própria Constituição Federal. 

Na semana passada tive uma reunião com um grupo de secretários da fazenda e o que mais me surpreendeu em uma conversa aberta e transparente foi a convergência de ideias e proposta deles com o governo federal. Mas todos alertaram que o diálogo entre eles o governo federal precisa melhorar. Este é o desafio. Temos muita convergência, mas precisamos transformar essa potencial convergência do que fazer em uma atuação conjunta e coordenada para avançar no ajuste fiscal dos entes subnacionais. 

Não é ruim você sair do debate do ajuste fiscal quando você próprio fala que ainda vamos ter pelo menos mais seis anos de ajuste pela frente? 

Mas quem falou que vou sair do debate? Vou continuar ajudando no debate do ajuste fiscal da melhor forma possível com o meu sucessor e com qualquer um que venha depois dele. A minha experiência aqui vai me levar, necessariamente, a ter mais responsabilidade no debate público para ajudar no ajuste fiscal. 

Temos que criar o hábito positivo de respeitar o contraditório, tornar o debate das reformas um debate de ideias e não atacar aqueles que propõem políticas radicalmente diferentes. Muitas vezes as pessoas não aprovam determinadas reformas porque não entendem o seu benefício ou mesmo o custo de não mudar. Todos nós — dentro ou fora do governo —  temos que ajudar nesse debate, mas sem transformar o debate político necessário e desejável uma luta do bem contra o mal. 

Em resumo, não vou sair do debate fiscal e espero continuar com o bom diálogo que tenho com políticos, governadores e meus colegas de governo. Mas para fazer isso, preciso estar no governo? Não.