A fusão entre a Parnaíba Gás Natural (PGN) e a Eneva reúne dois negócios que nunca deveriam ter sido separados e cria a maior empresa de gás natural do Brasil depois da Petrobras.
Pelo acordo anunciado ontem, os atuais acionistas da PGN — Cambuhy e OGX — aumentarão o capital da Eneva contribuindo as ações que detêm na PGN, que passará a ser uma subsidiária integral da Eneva
A fusão transforma a Eneva numa empresa verticalmente integrada e pronta para explorar as sinergias de possuir, no mesmo balanço, a matéria-prima e o produto final, a molécula de gás e o elétron.
Para efeito da transação, a contribuição da Cambuhy e OGX foi avaliada em 1,15 bilhão de reais, e o aumento de capital será feito a 15 centavos por ação — a cotação de mercado da Eneva, que ainda vale 2,26 bilhões de reais na Bovespa.
Os outros acionistas da Eneva ainda podem subscrever o aumento de capital, mas o nível de participação é incerto. Assumindo que nenhum outro acionista contribua, a Cambuhy emergirá como a segunda maior acionista da Eneva, com 25,5% do capital da empresa. O BTG Pactual, hoje o maior acionista da Eneva com 49,57%, deve passar a deter cerca de 34%, o que sugere que o banco abriu mão de seu direito de preferência.
A transação promove o reencontro de dois ativos siameses separados no nascimento por Eike Batista, cujo conglomerado mais tarde desmoronou em meio a poços secos na OGX, problemas de execução e endividamento pesado. A Eneva é a antiga MPX Energia, dona de termelétricas a gás que, por sorte, ajudaram o Brasil a evitar um racionamento de energia em 2014. Já a petroleira OGX, o maior de todos os projetos de Eike, era a dona das reservas de gás que abastecem as térmicas da MPX através de uma subsidiária chamada OGX Maranhão. Esta empresa — sem problemas de caixa, com reservas promissoras e contratos em andamento — foi vendida para a Cambuhy em outubro de 2013 e em seguida renomeada PGN.
Nos dois anos e meio seguintes, analistas estimam que a PGN investiu cerca de 2 bilhões de reais. A Cambuhy, a companhia de investimentos do banqueiro Pedro Moreira Salles e de seus sócios Marcelo Medeiros, Pedro Bodin e Marcelo Barbará, injetou 550 milhões de reais na empresa, através de um aumento de capital e debêntures conversíveis.
“Quando os alemães compraram o controle da MPX, eles deveriam ter comprado o controle da OGX Maranhão também,” diz uma fonte do setor. “Não havia por que estes ativos ficarem separados.”
Ao deixá-la mais redonda em termos operacionais e estratégicos, a fusão posiciona a Eneva para ser consolidadora — por exemplo, comprando térmicas que serão vendidas pela Petrobras — ou consolidada.
Por exemplo, o grupo francês Engie (a antiga GDF Suez) pretende investir em termelétricas e tem comprado campos de gás pelo País, inclusive em parceria com a PGN. Representantes da Engie e da Eneva já negociaram uma fusão, mas não houve acordo no preço. A fusão com a PGN torna a Eneva mais interessante para uma nova conversa no futuro.
Hoje, a PGN fornece todo o seu gás para as térmicas da Eneva, mas a empresa já está prospectando novos blocos em áreas distantes das térmicas atuais. “No futuro eles têm várias opções: ou construir mais térmicas para aproveitar o gás, ou entrar em algum grande projeto industrial, ou passar a atender clientes industriais e residenciais,” diz um executivo do setor.
Os esforços para resgatar a Eneva e colocá-la na lista dos sobreviventes — e no radar dos investidores — são uma novela em três capítulos.
A fusão com a PGN foi o segundo. O primeiro foi performado pelo ex-CEO Fábio Bicudo.
Depois de intermediar a venda da Eneva para a alemã E.on como banker da Goldman, Bicudo foi recrutado pelos alemães para administrar o que lhes havia vendido. Encontrou uma empresa altamente alavancada em meio a um setor elétrico destruído pela MP 579 — a famosa canetada de Dilma que semeou tarifas mais baixas e colheu bandeira vermelha. Em dado momento, Bicudo deixou o cargo executivo e passou a ser o ‘chairman da empresa: começou a reestruturar a dívida e sonhou em tranformar a Eneva numa corporação à la Equatorial Energia, um dos mais bem-sucedidos ‘turnarounds brasileiros. Não foi suficiente: com dívidas da ordem de 2,5 bilhões de reais, a empresa teve que entrar em recuperação judicial.
Mas a negociação com os credores foi rápida, e a Eneva conseguiu reduzir sua dívida drasticamente, combinando um ‘haircut’ (tradução: o credor aceitou receber de volta menos do que emprestou) de 20% e a conversão de 40% da dívida em ações.
Agora, o epílogo da volta da Eneva será escrito pelo CEO José Drummond, que fez carreira na Whirlpool e na Alcoa e entrou na Eneva no fim do ano passado.
A dívida na holding da Eneva é de 1,11 bilhão de reais, mas tem prazo de 18 anos e só começa a amortizar em 2023. Ainda assim, como a holding não tem receita, esta dívida tem que ser equacionada para que a Eneva possa investir em novos projetos.
Após a fusão com a PGN, a dívida líquida da Eneva passará a representar cerca de 5,5 vezes sua geração de caixa, comparado com 7 vezes agora, mas a maior parte está na forma de project finance, uma modalidade de financiamento em que a dívida é paga com a receita dos projetos, sem descasamento. (Os projetos — as termelétricas — não entraram na recuperação judicial.)
Toda a atenção agora se voltará para o aumento de capital. Uma inesperada adesão por parte dos acionistas pode consertar a estrutura de capital mais rápido do que você dizer ‘Parnaíba’. Um aproveitamento das sinergias melhor do que o esperado também pode acelerar o processo de desalavancagem ou, do contrário, retardá-lo.
Além disto, talvez o mercado demore para se reaproximar da empresa, que teve uma história conturbada e ainda terá que carregar, por exigência legal, o incômodo epíteto em recuperação judicial’ por mais um ano.