Inovar e lançar novos negócios digitais virou uma necessidade para incumbentes sobreviverem, mas ter sucesso com estas iniciativas é mais difícil do que se imagina.

Há muito se sabe que o mundo digital veio para ficar. No Brasil, já somos mais de 150 milhões de usuários de internet. O cenário de pandemia tem acelerado o ritmo de transformação – apenas neste ano, o faturamento do e-commerce no Brasil cresceu 56.8% de Janeiro a Agosto quando comparado com o mesmo período do ano anterior, segundo a ABComm (Associação Brasileira de Comércio Eletrônico).

Empresas tradicionais têm a necessidade e oportunidade de participar do mercado digital e muitas, além de digitalizarem seu core business, se lançam ao ataque e inovam, criando novos negócios digitais disruptivos. Esta tendência está crescendo de forma acelerada, até 2019, 30% dos CEOs globais colocavam a construção de novos negócios como prioridade, segundo o McKinsey Digital Business Building Survey. No entanto, a partir de 2020, este número alcançou impressionantes 52%.

Os três maiores racionais estratégicos para se criar um novo negócio Digital são a busca de novas fontes de receita (65% de respondentes), a pressão por atender a expectativa dos clientes digitais (44% dos respondentes) e o intuito de se proteger contra novos entrantes (18% dos respondentes).

A criação de um novo negócio pode seguir por diferentes caminhos:

(i)             Manter o mesmo produto e público-alvo, mas mudar completamente o modelo de servir: grandes varejistas, por exemplo, estão apostando em SuperApps  e no relacionamento digital com o cliente, usando as lojas físicas como ponto de suporte e conectando todos os canais em um novo modelo de negócio. Nestes casos, vemos disrupções tecnológicas abrindo uma avenida de possibilidades com novas formas de servir o cliente.

(ii)            Manter o mesmo público-alvo e acrescentar novos ofertas alavancando tecnologias digitais: um bom exemplo são plataformas com foco em produtos de investimento financeiro ampliando sua oferta para outros produtos bancários; ou Bancos criando marketplaces. Neste contexto, empresas com alto grau de relacionamento e grandes bases de cliente, lançam estas novas ofertas para fidelizar os clientes e criar novas fontes de receita.

(iii)           Servir um novo segmento de clientes com novos produtos e novos modelos de negócio: empresas que têm uma vantagem competitiva muito grande e apetite para investimentos altos e de longo prazo, lançam produtos completamente novos e diferentes de seu negócio principal, alavancando sua marca e reconhecimento de mercado.

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Ao longos dos anos, vimos casos de criação de novos negócios que atingiram grande sucesso, mas este não é o caminho de 76% das ideias inovadoras que surgem em grandes empresas de acordo com o McKinsey Business Building Survey, apenas 24% dos novos negócios digitais criados nos últimos 10 anos se tornaram viáveis e ganharam escala.

Ao longo dos últimos anos, trabalhando lado a lado em inovações digitais com nossos clientes, vimos seis grandes erros que comprometem o sucesso de boas ideias:

1) Ausência de vantagens competitivas claras. Novos negócios digitais que surgem dentro de empresas incumbentes podem ter algumas vantagens em relação aos novos entrantes, mas para tanto precisam conseguir alavancar ativos já existentes, tais como conhecimento, processos, áreas de suporte (RH, jurídico, contábil) e sistemas tecnológicos; ganhando velocidade e robustez em comparação a competidores independentes. Projetos que não conseguem vantagens competitivas claras acabam não conseguindo acelerar o crescimento dos novos negócios.

2) Falta de investimento. O primeiro grande desafio de startups que lançam seu negócio é acesso a capital. As que alcançam notoriedade entre fundos de Venture Capital (VCs), por sua vez, recebem aportes robustos e com isso investem em aquisição rápida de clientes e na atração e retenção de talentos tecnológicos, mão de obra escassa no mercado Brasileiro. Projetos de inovação em incumbentes em muitos casos acabam recebendo menos capital que seus competidores independentes. Vale lembrar que nos últimos 10 anos, vimos multiplicar o fluxo de capital direcionado a fundos de Venture Capital – antes de 2012 a média era de U$60mn ao ano e em 2019 esse número alcançou impressionantes U$4.6bn segundo a LAVCA – Latin America Private Equity and Venture Capital Association. Neste contexto, incumbentes que realmente desejam competir com digital attackers investidos por grandes VCs precisam estar dispostos a oferecer fonte de capital equivalentes para que os novos negócios consigam competir.

3) Desalinhamento de expectativas. Negócios inovadores dentro de incumbentes muitas vezes acabam sendo medidos pelas mesmas métricas do negócio tradicional, sofrendo pressão de retorno rápido e lucratividade. Fundos de VC, que já estão acostumados com o mercado de inovação e sabem que o retorno pode vir no médio-longo prazo utilizam métricas de sucesso que, por exemplo, estão relacionadas mais ao crescimento da base de clientes ou engajamento do que a lucratividade no curto-prazo.

4) Burocracia. Empresas grandes e já estabelecidas tendem a ter uma governança e processos de decisão mais complexos e cautelosos versos Startups. Inúmeras vezes presenciamos a burocracia vencer a inovação e a lenta tomada de decisão fazer ideias geniais perderem o timing de irem a mercado, demorando em média dois anos para se concretizarem versus Startups que são lançadas em poucos meses.

5) Canibalização. Com o uso crescente da tecnologia, as barreiras entre indústrias estão se desfazendo. Por conta disso, muitas vezes ideias novas que parecem complementar o core business, podem acabar canibalizando parte da operação tradicional. Quando isso acontece, é importante que a empresa enxergue isso como uma grande oportunidade de transformar sua empresa, apostando ainda mais no novo negócio mesmo que coloque em risco o status quo (“é melhor que eu seja minha própria disrupção”). Porém, em muitos casos a organização acaba vendo a nova ideia como uma ameaça e bloqueia o seu desenvolvimento.

6) Contaminação cultural. Por fim, novos negócios digitais criados dentro de empresas tradicionais precisam ser protegidos e muitas vezes isolados da cultura tradicional da empresa. Por mais digital que seja a companhia, dificilmente a cultura existente oferecerá os elementos necessários para a nova ideia florescer. Startups, por exemplo, têm a cultura de errar rápido, de testar e aprender e lançar produtos simplificados (os MVPs), mesmo que ainda não estejam prontos, para irem testando a reação dos consumidores. Companhias tradicionais, por sua vez, têm dificuldade de lançar um produto mínimo, acreditando que precisam ter a versão completa para não colocarem em risco a reputação da marca. Por conta disso, em alguns casos de sucesso vemos que empresas buscam criar uma “bolha cultural”, replicando a mentalidade de startups inovadoras e protegendo de contaminações não desejadas da empresa tradicional.

Acreditamos que a capacidade de criar novos negócios Digitais é uma habilidade necessária para a longevidade das empresas incumbentes. Muitas empresas existentes hoje precisarão transformar seu negócio e apostar em inovação. Definir a estratégia e modelo de execução adequados, contornando os obstáculos mencionados a cima, é fundamental para que novas ideias possam florescer e se transformar em novos negócios saudáveis e relevantes.

Heitor Martins é sócio sênior da McKinsey e líder da prática Digital na América Latina.

Marina Mansur é associate partner da McKinsey.

Yran Dias é sócio sênior da McKinsey.

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