A demanda pelo IPO da BK Brasil, que opera o Burger King do País, parece estar tão farta quanto os baldes de batata frita que a rede distribuiu na Black Friday.
Pela primeira vez em muitos IPOs, o Leblon não está dando o tom do processo, em grande parte graças a uma estratégia da companhia: buscar primeiro os investidores internacionais que já são familiarizados com o Burger King e que se encantam com uma história de crescimento em mercados emergentes.
Na sexta à noite, a rede de fast food anunciou que pretende precificar a oferta num intervalo entre R$ 14,50 e R$ 18 por ação, o que lhe daria um valor de mercado entre R$ 3,2 bilhões e R$ 4 bilhões — um prêmio de 25% a 50% em relação ao múltiplo da Arcos Dorados, a franqueadora-master da rede McDonald’s na América Latina.
Enquanto a rede do Big Mac negocia a 8,4 vezes o múltiplo EV/EBITDA para 2018, a dona do Whopper está buscando algo entre 10,5 e 13 vezes.
O ágio seria justificado pela “cultura 3G, com todo o DNA de meritocracia e eficiência que eles trazem, numa empresa que tem uma avenida de crescimento pela frente. Isso é música para o ouvido dos gringos”, diz um gestor.
Num intervalo de seis anos, o BK saiu de uma marca desconhecida para a maior pedra no sapato do McDonald’s no País.
A rede abriu 542 lojas desde 2011, já fatura R$ 1,4 bilhão e a receita das lojas abertas há mais de um ano vem crescendo a taxas de dois dígitos apesar da crise épica dos últimos anos.
Ainda que o IPO não tenha uma ancoragem formal, alguns fundos – em sua maioria estrangeiros – já sinalizaram que vão entrar no preço proposto e a percepção geral no mercado é que o deal está praticamente garantido.
“Tem uma certa impressão dos locais que eles já chegaram aqui meio displicentes, com um nível de atenção e transparência menor que o management costuma dar. Uma postura de quem já está garantido”, diz o analista de uma grande asset do Leblon.
“O case é interessante, mas nem estamos gastando muito tempo porque, no fim das contas, a demanda vai ser de várias vezes o book e, mesmo se a gente entrasse, a alocação acabaria sendo muito pequena”, diz o analista de uma gestora da Faria Lima com alguns bilhões de patrimônio.
Nas rodadas de conversas com investidores nas últimas semanas, o CEO Iuri Miranda e o CFO Clayton Malheiros enfatizaram a força da marca, que já tem níveis de conhecimento e preferência do público próximos aos do McDonald’s, e a estratégia de buscar mais crescimento nos próximos anos.
O BK ainda tem um faturamento por loja muito menor que o de seu maior concorrente, mas sinalizou que vem fechando o gap. Nas lojas de rua, a venda por metro quadrado, que há três anos era metade da do McDonald’s, hoje já equivale a 65%.
A diferença foi vendida como oportunidade. O BK vê muito espaço para crescer em sobremesas, que têm o dobro da margem dos hambúrgueres e combos tradicionais. Enquanto o McDonald’s tem 1400 quiosques de sobremesas espalhados no País, no BK esse número ainda não chega aos 200.
Outro plano para incrementar receitas é um app próprio de delivery, que já funciona de forma piloto em algumas lojas e deve ganhar tração nos próximos meses.
Mas os riscos concorrenciais não podem ser subestimados. O crescimento exponencial do BK no Brasil coincidiu com um período em que a Arcos Dorados estava muito alavancada e investiu pouco na abertura de lojas no País. “Até que ponto o BK pode ser afetado quando o Mac voltar com mais força? Vai ter guerra de preço?”, pondera um gestor.
Os analistas das gestoras locais ainda se queixam da falta de clareza dos números apresentados pela companhia, tão customizáveis quanto os sanduíches que o Burger King oferece no balcão.
Os bancos que coordenam a oferta estão sinalizando um EBITDA ajustado de R$ 315 milhões para o próximo ano, quase o dobro dos R$ 180 milhões previstos para 2017.
Na conta, expurgam os gastos incorridos na abertura de lojas antes de elas serem inauguradas, as chamadas ‘despesas pré-operacionais’, sob a alegação de que isso deixa a comparação com a concorrência mais justa. “Mas se tira a despesa operacional, teriam que tirar também o crescimento a mais que eles entregam por conta das inaugurações. Não faz muito sentido”, diz um analista.
O retorno sobre o capital investido (ROIC) da companhia também é uma incógnita. A empresa adotou uma métrica batizada de ‘cash ROIC’, com vários ajustes, que aponta para uma taxa de 25%. Um analista que fez suas próprias contas chegou a algo entre 10% e 15%.
“Tem pouquíssima transparência sobre esses números e eles não têm muita transparência para explicar a conta. É um deal bem opaco”, resume uma fonte. “Posso dizer que tem local achando o preço bem salgado”.
Considerando apenas o lote inicial e assumindo que a ação saia na média do intervalo de preço sugerido, a oferta deve somar R$ 1,73 bilhão, dos quais R$ 800 milhões vão para o caixa da companhia — e serão usados para abrir novas lojas e comprar um grande franqueado. Os R$ 930 milhões restantes vão para os acionistas vendedores: Vinci Partners, Temasek e Capital Group.
A depender da demanda e da colocação dos lotes adicional e suplementar, estes acionistas vendedores podem embolsar mais R$ 570 milhões.
A Restaurant Brands International (RBI), controlada pela 3G Capital, não venderá ações e terá apenas sua fatia diluída. No topo da faixa, a oferta pode movimentar R$ 2,5 bilhões. O pricing está previsto para 14 de dezembro.