Os brasileiros têm cerca de R$ 1 trilhão em aparelhos celulares parados em suas casas — um reflexo de outro dado impressionante: 80% das pessoas não vendem seus usados depois de comprar um novo. 

“O problema disso é que os celulares depreciam 30% ao ano. Então são R$ 300 bilhões que estão virando pó todos os anos – sem falar no impacto ambiental disso tudo,” Fernando Montera Filho, que fundou a Doji para resolver esse problema, disse ao Brazil Journal.

Fundada em 2021, a startup opera uma plataforma de trade-in que ajuda a orquestrar a compra e venda de aparelhos usados. O modelo é 100% asset light: ela apenas conecta quem quer vender seu aparelho com as empresas que querem comprá-los. 

Para escalar a ideia, a Doji acaba de levantar uma rodada de cerca de R$ 3 milhões com a Indicator Capital, numa extensão de uma captação de R$ 10 milhões feita há cinco meses com a Positive Ventures, NiuVentures, SeedStars, Canary, Mago Capital e Exit North Ventures. 

A Doji está tentando um segundo ato em sua história. Fernando montou a startup inicialmente no Reino Unido, junto com dois colegas de MBA em Oxford. 

O negócio chegou a captar com fundos europeus e já tinha uma escala relevante. No quarto tri de 2023, a empresa estava faturando R$ 1,7 milhão por mês na região. 

O problema: quando tentou levantar a Série A, a Doji não conseguiu atrair novos fundos e, vendo o caixa minguar mês a mês, Fernando decidiu fechar a operação no Reino Unido e trazer o negócio para o Brasil. 

“Passei seis meses conversando com fundos no Reino Unido, mas o cenário de fundraising estava muito ruim. Ninguém queria apostar em teses B2C, ainda mais num mercado onde já existia um ganhador claro, a BackMarket,” disse o fundador. 

No Brasil, “o ecossistema desse mercado ainda não foi construído e ainda não há um vencedor claro.”

No Brasil, o mercado de celulares usados tem alguns players relevantes, mas nenhum domina o mercado. Os maiores são a Trocafone, que enfrentou problemas recentemente e entrou em recuperação extrajudicial, e a Allied, que é dona de centenas de lojas da Samsung e opera na compra e venda de usados com a marca Trocafy.

Outro grande comprador de usados é a seguradora Assurant, que tem uma parceria com a Vivo, fazendo boa parte das compras dos celulares que são dados nas lojas como parte do pagamento de um novo. 

Fernando diz, no entanto, que não vê nenhum desses players como concorrentes diretos, já que seu sistema poderia ser usado inclusive por essas empresas. 

“Estamos nos posicionando como uma plataforma de trade-in agnóstica, que pode ser usada pelos varejistas de eletrônicos, pelas empresas interessadas em comprar celulares usados e pelo consumidor final,” disse o fundador.

A Doji já atende 350 lojas, incluindo franquias da TIM e da Claro, que usam seu sistema para operar toda a parte de compra e venda de usados. A startup usa o varejo como canal de captação dos celulares e organiza os potenciais compradores num livro de ofertas parecido com o sistema da Bolsa. 

Quando o varejista aceita um celular usado como moeda de troca para a compra de um novo, a Doji oferece o celular para sua base de compradores, que vão de revendas a seguradoras. Quem oferecer o melhor preço leva. 

Segundo Fernando, um diferencial do sistema é que ele faz uma avaliação granular dos aparelhos, o que permite oferecer preços maiores. 

A primeira coisa que a startup faz é avaliar se o celular tem algum registro de perda ou roubo ou se está em algum sistema de financiamento. Depois, faz uma verificação cosmética, usando um algoritmo para ver com a foto se o aparelho está riscado ou trincado. 

Por fim, faz uma avaliação do sistema, verificando 300 potenciais pontos de defeito. Para isso, o vendedor baixa um app no seu celular, que faz essa verificação. 

“Nos trade-ins normais, eles fazem poucas perguntas e acabam nivelando o preço para baixo. Com essa avaliação granular que fazemos, descontamos só o equivalente ao reparo do problema, o que gera preços de 1,5x a 6x o dos trade-ins tradicionais,” disse o fundador. 

A Doji está fazendo um GMV de R$ 3,5 milhões por mês. Sua receita é uma comissão em cima desse valor, que varia de 10% a 20%. 

Fernando disse que no modelo atual as empresas que operam o trade-in da Vivo e Samsung, por exemplo, acabam tendo que fechar contratos que as obrigam a comprar todos os celulares usados. 

“Se a seguradora precisa naquela semana só de 15 aparelhos Iphone 14 e de 20 Iphone Pro Max, ela vai precisar ainda assim comprar todo o resto. E aí ela tem que pagar menos nos que ela quer, para absorver o prejuízo dos outros que ela não quer,” disse o fundador. “Com o nosso sistema, elas vão pagar unitariamente mais no celular, mas vão pagar o preço justo e não vão precisar absorver toda essa calda longa.”

Essa é a terceira startup de Fernando, que já fundou e vendeu outros dois negócios. Sua primeira empreitada foi a Becommerce, adquirida pelo Mercado Livre em 2017. 

Alguns anos depois, em 2023, ele vendeu a Hubsters — uma vertical da Becommerce que o MELI não quis comprar — para a CloudKitchens, do fundador do Uber. De 2017 até 2021, Fernando foi executivo do Mercado Livre, cuidando da parte logística.