Renato Raduan foi dormir reflexivo no dia após o seu primeiro balanço à frente da RD Saúde.

No primeiro tri deste ano, a dona das redes Raia e Drogasil viu a sua ação implodir com resultados bem abaixo da expectativa do mercado.

Mesmo antes de divulgar os números, o executivo sabia que o mercado não ficaria tão satisfeito: nem a RD estava feliz com eles. A varejista, sempre precificada à perfeição dado um histórico de execução exemplar, havia reportado um same-store sales abaixo da concorrência, assim como um aumento das despesas.

“Não foi fácil… Acho que foi o primeiro teste para ver se eu estava pronto para a cadeira ou não,” Raduan disse ao Brazil Journal.

Na manhã seguinte, ele reuniu a diretoria e deu início a uma revisão profunda da estrutura corporativa: a empresa simplificou sua estrutura e cortou 15% do quadro corporativo. Segundo Raduan, o tema já vinha sendo debatido desde janeiro. 

“Foi duro mas necessário. Queríamos uma RD mais leve, mais ágil, com diretores que tivessem autonomia e responsabilidade,” disse o CEO. “Usamos o aprendizado para voltar à essência: eficiência, preço, atendimento e cultura de loja.”

(Assista aos principais trechos da entrevista no vídeo acima.)

O movimento funcionou, e os resultados do trimestre seguinte já agradaram o mercado. Agora, o balanço do terceiro tri, publicado ontem à noite, veio em linha com o consenso de mercado – que era construtivo.

A receita bruta da RD Saúde cresceu 12,7% e chegou a R$ 12,2 bilhões. A margem EBITDA, por sua vez, se consolidou em 7,5% – 1,4 ponto acima do registrado no primeiro tri e praticamente em linha com o resultado do segundo. 

As vendas no conceito mesmas lojas cresceram 9,7%, enquanto as lojas maduras tiveram alta de 7,8%. O lucro líquido cresceu 18,7% em relação ao terceiro tri do ano passado e chegou a R$ 400 milhões, batendo o consenso de R$ 375 milhões.

Boa parte do crescimento veio dos medicamentos GLP-1 – como Ozempic, Wegovy e Mounjaro – que já respondem por entre 5% e 10% das vendas, segundo o CEO. (Em algumas farmácias, chegam a 12%.) 

“O GLP-1 ajuda, claro, mas não é tudo. Os genéricos cresceram 19%, e a perfumaria voltou a subir dois dígitos. É um crescimento de base ampla,” disse Raduan.

Analistas e gestores veem o GLP-1 como um dos principais motores de crescimento da RD para os próximos trimestres.

O UBS BB aponta que esse mercado já movimenta cerca de R$ 5 bilhões por ano no Brasil. Somente o Ozempic teve uma taxa média de crescimento composta de 131% entre 2019 e 2023, chegando a um faturamento anual de R$ 3,4 bilhões no País. 

O banco estima que a RD tem participação de 33% das vendas – ante um market share total da RD de 16,8% no terceiro tri –, mostrando que a empresa tem conseguido atender melhor ao mercado das classes A e B.11 04 Renato Raduan ok

O Santander chama esses medicamentos de “um vento favorável duradouro” para a RD, e que ainda vai crescer, já que a patente do semaglutida expira em março de 2026, o que deve baratear o produto para as classes C e D. 

“Mas existem discussões sobre uma extensão da patente por mais alguns anos, e isso poderia postergar uma alavanca de crescimento para essas drogas,” disse Danniela Eiger, que cobre o setor na XP. 

Esses medicamentos também foram responsáveis pela penetração das vendas digitais saltar de 20,2% para 26,7% em um ano. (Explica-se: por causa do aumento de assaltos às farmácias, as fabricantes de GLP-1 decidiram dar desconto aos usuários que comprarem pela internet.)

Esse trunfo digital é um motivo que faz Raduan ficar mais tranquilo em relação à entrada de novos concorrentes – como os supermercados e os marketplaces, especialmente o Mercado Livre

No terceiro tri, 97% das vendas digitais da RD foram entregues ou coletados nas lojas em menos de 60 minutos, uma rapidez que nem o Mercado Livre com sua estrutura logística consegue.

Mas a competição com os marketplaces já está acirrada nos produtos de higiene & beleza. Esse foi um fator preponderante para a empresa ver sua margem bruta cair 0,2 ponto na comparação anual para 27,4% no terceiro tri. 

Raduan admite que a RD demorou a reagir no pós-pandemia, quando as grandes varejistas passaram a abocanhar uma fatia relevante desse mercado. Isso fez com que a RD reprecificasse a categoria inteira, principalmente no primeiro tri, e abrisse mão de parte da margem para retomar o fluxo de clientes.

“Foi uma decisão nossa: reduzir preço e recuperar volume. Preferimos sacrificar margem no curto prazo para ganhar frequência e tíquete. Agora, com o mix ajustado e o private label crescendo, a margem começa a voltar,” disse o CEO.

Mas a margem antiga não deve voltar.

“E nem precisa voltar. O importante é voltar a crescer e gerar caixa, algo que já está acontecendo agora,” disse Raduan.

No caso dos supermercados, Raduan não enxerga uma concorrência preocupante. Segundo o CEO, a RD já testou esse modelo no passado: chegou a operar 12 farmácias dentro de redes de supermercado e reduziu o número para oito, depois de constatar que essas unidades vendiam cerca de 30% menos que a média da rede. 

“O consumidor brasileiro não vai ao mercado para comprar remédio – ele vai à farmácia porque confia na procedência, no farmacêutico, no ambiente. A experiência é completamente diferente,” disse.

O CEO também disse que a abertura de 330 a 350 novas farmácias por ano vai continuar, mesmo com o crescimento digital. Mas com uma mudança: em vez de abrir nos grandes centros, o foco será em cidades em que a RD ainda não tem grande atuação. 

Segundo Raduan, a empresa vai seguir no mesmo ritmo porque o faturamento das novas unidades “segue muito alto e crescendo rápido”. Só duas lojas das 330 abertas recentemente foram fechadas.

“O Brasil tem 70 mil farmácias, e a gente tem 3.500. Mesmo depois de crescer quatro vezes em 12 anos, o nosso market share continua em torno de 16%. Ou seja, o setor cresce junto com a gente. Ainda há muito espaço,” disse. 

Ainda assim, parte do mercado segue reticente em comprar a ação da RD. O motivo principal é o preço: mesmo com a queda de 20% nos últimos doze meses, a empresa negocia a 25x o lucro do ano que vem. A Pague Menos, por exemplo, negocia a 11x.

O papel fechou ontem a R$ 19,48, com a RD valendo R$ 33,4 bilhões na B3. 

“A empresa é ótima, mas meu enrosco é com o preço. Quem está acostumado a pagar caro em coisa boa é o gringo,” disse um gestor. 

O sellside está mais otimista. Na segunda-feira, o Morgan Stanley elevou o papel de ‘neutro’ para ‘compra’ com preço-alvo de R$ 24 – um upside potencial de 24% em relação ao fechamento de ontem – dizendo que o mercado “superestima os riscos competitivos” da RD.  

O JP Morgan também reiterou no dia 15 de outubro o ‘buy’ e vê as ações valendo R$ 27 no fim de 2026.

Apesar do ceticismo de parte do mercado, a RD quer voltar a provar que o varejo de farmácias é um jogo de execução – um jogo que ela ainda domina.

Raduan parece ter assimilado a lição do primeiro tombo no cargo. “Você dorme reflexivo, mas acorda acreditando,” disse. “E é isso que faz a gente continuar abrindo loja, ajustando preço e acreditando que dá para crescer mais.”