E se você tivesse a oportunidade de retribuir à cidade que te formou?

Nos últimos 20 anos, fiz uma carreira no setor privado, fundando empresas e desenvolvendo marcas. Construí duas agências que representavam artistas como Anitta e Regina Casé, e vendi uma delas para uma gigante global. 

Tudo caminhava bem, até que um convite inesperado transformou minha rota.

No início de 2023, recebi uma ligação do prefeito Bruno Reis, que até então não conhecia pessoalmente, com o convite para assumir a Secretaria de Cultura e Turismo de Salvador. 

A proposta trazia consigo a oportunidade de devolver à minha cidade natal um pouco do que aprendi, bem como a responsabilidade – e o medo – de encarar um desafio no setor público.

No primeiro instante, veio o frio na barriga, o receio de errar, de não dar certo, de não valer a pena. Na análise mais apurada, os desafios eram ainda maiores: alta exposição jurídica, a lupa da imprensa e das redes sociais, entraves políticos de todos os tipos e a burocracia da administração pública, que muitas vezes parece feita para travar, e não para viabilizar.

Tudo isso com a decisão pessoal de abrir mão da remuneração e do conforto do setor privado para me dedicar integralmente.

“O coração, se pensasse, pararia,” escreveu Fernando Pessoa. Não pensei duas vezes. Aceitei.

Numa cidade financeiramente organizada e com crédito, quando há vontade política e eficiência administrativa os resultados são gigantes. Tive a sorte de encontrar Salvador vivendo esse momento.

Em dois anos, minha aventura incluiu gerir o Carnaval, a maior festa de rua do mundo; abrir cinco novos museus para a cidade, entre eles o Museu Nacional de Cultura Afro-Brasileira e a Galeria do Mercado Modelo; encaminhar a reforma do Teatro Vila Velha; criar a Escola de Música e Artes Letieres Leite, que será a grande escola pública de música do Brasil; implementar o Salcine, um bem-sucedido plano de desenvolvimento do audiovisual na cidade, com a construção do maior polo de cinema fora do eixo Rio-São Paulo.

Fortalecemos diversas políticas afirmativas, entre elas a Salvador Capital Afro, que reposiciona a cidade a partir de sua identidade negra. Isso ressoou tão forte que até Beyoncé veio buscar um pouco de axé para seu último lançamento internacional. Viola Davis também escolheu Salvador para abrir a Ashe, sua produtora voltada para histórias afrodiaspóricas. Recebemos o G20 da Cultura e provocamos discussões amplas sobre o setor.

Esses movimentos reforçam um fato inegável: além de ser uma cidade histórica e turística, Salvador pode ser também o epicentro da cultura negra global. Ao investir nisso, vimos o futuro.

Os desafios burocráticos que vivi foram diferentes, mas nem maiores nem piores que os que enfrentamos diariamente no mercado.

Em relação à política, cada empresa e indústria tem sua dinâmica, seu Game of Thrones e House of Cards. O setor público tem a sua, e é preciso entendê-la desde o início para saber até onde se pode ir.

A gestão de uma equipe de servidores públicos também tem seus desafios, mas em nenhum outro lugar encontrei profissionais tão apaixonados pelo seu ofício e pelo produto para o qual trabalham – neste caso, a própria cidade e sua gente.

Entrei com um prazo de validade (estratégico) de dois anos, focado em realizar o máximo possível nesse período e com a missão de mostrar que investir em cultura de forma afirmativa vale a pena.

Dá resultado simbólico, civilizatório, promove desenvolvimento econômico e justiça social. Um povo que conhece e carrega sua identidade como bandeira é mais forte, mais potente, e tem menos medo do que é diferente – e daí podemos sonhar com uma sociedade mais próspera e pacífica. Esta é a disciplina da comunicação e o poder da cultura.

Se no setor privado medimos o impacto por números, engajamento e retorno financeiro, no setor público ele se mede sobretudo na vida das pessoas, na rua, no simbólico e na economia que se movimenta quando a cultura se fortalece.

O que vi e vivi nesses dois anos é que sim, vale a pena encarar um desafio no setor público, e que executivos e empreendedores podem olhar para isso com mais atenção e outra perspectiva. É impacto e realização na veia, são experiências e aprendizados numa dimensão que jamais imaginei.

Pedro Tourinho é empresário e foi secretário de Cultura de Salvador.