Nos últimos três anos, o empresário Guilherme Leal esteve envolvido, de um lado, em negócios bilionários como a compra da Body Shop e da Avon.  

10907 f571ca18 46fc 1c71 a622 96e294a26565Do outro, o co-fundador da Natura levava uma vida de startup estruturando a Dengo — uma marca de chocolates diferente de tudo que existe no mercado — envolvendo-se da embalagem ao look & feel da marca, do atendimento à arquitetura das lojas.

A Dengo já tem 18 lojas em quatro estados, e precisa chegar a 25 para atingir o ‘breakeven’.  A companhia acredita haver espaço para até 200 lojas no Brasil ao longo dos próximos anos.  

A estratégia de varejo da Dengo foca na experiência do cliente: os vendedores são proativos em educar o cliente sobre a marca e o produto e, depois de um ano de casa, todos vão à Bahia conhecer os agricultores e o processo de beneficiamento do cacau.  

O projeto das lojas é elegante, e um dos carros-chefe são barras de chocolate brutas chamadas ‘quebra-quebras’, em variações como banana com castanha de caju e abacaxi com coco.

O preço médio praticado — cerca de R$ 220/kg — é em linha com concorrentes como Kopenhagen e Lindt, mas a percepção do cliente é de estar numa loja mais cara.

O grande orgulho da Dengo, no entanto, está no início da cadeia: a empresa está redesenhando a economia do cacau — pelo menos para seus fornecedores no sul da Bahia. 

Na cadeia do chocolate, o varejo abocanha 50% do valor do produto final, enquanto a indústria fica com cerca de 38%.  Os 12% restantes ficam, em grande parte, nas mãos de quem financia o pequeno agricultor, geralmente atravessadores ou outros fazendeiros mais capitalizados. 

“O cacaueiro, que teve que trabalhar seis meses, fica só com 4% a 5% do valor final,” diz o CEO e co-fundador da Dengo, Estevan Sartoreli, um executivo de marketing que também passou sete anos na Natura antes de se interessar pelo mercado de alimentos.

10906 41288827 e223 2275 9ad8 3afd8c278f84A Dengo está mudando esse jogo.  Ao treinar o agricultor com técnicas de manejo e fermentação, acertando a acidez e outras características, a Dengo ajuda a requalificar o produto.  Depois que um centro independente certifica a qualidade da amêndoa, a Dengo compra o cacau direto do produtor, eliminando os atravessadores — com um prêmio de pelo menos 70% sobre o preço da commodity na New York Mercantile Exchange (NYMEX).  

Há cerca de 30 mil produtores no sul da Bahia.  A Dengo já tem uma rede de 200 fornecedores e o número pode multiplicar por 10 nos próximos anos.

“Hoje temos um chocolate de qualidade suíça feito no Brasil,” diz Pedro Villares, que também trabalhou na Natura e hoje comanda o family office de Guilherme.  

Apesar de sua escala ainda pequena, o experimento de supply chain da Dengo pode inspirar mudanças numa cadeia econômica que é parte importante do PIB de muitos países africanos — e provocar grandes players como Nestlé e Callebaut a caminhar na mesma direção.

“Se não limparmos a cadeia do cacau das questões da miséria, do trabalho infantil e da devastação florestal, não tem jeito.  E os avanços têm sido pífios, medíocres até agora, mesmo com todos os compromissos e ações que a indústria já assumiu,” diz Guilherme. “E olha que no Brasil o problema é bem menor que na África.”

A busca por uma alimentação mais saudável — com repercussões na saúde pública — também vai impor uma transição para chocolates com “mais cacau e menos açúcar,” o lema da Dengo. 

“A indústria de chocolate global vai ter que endereçar isso,” diz Guilherme. “Aquele negócio de baratear o chocolate enfiando um monte de açúcar… o custo da saúde pública não aguenta.” 

Até a Primeira Guerra, o Brasil era o maior produtor de cacau do mundo, graças ao sul da Bahia.  Depois, caiu para o segundo lugar, onde ficou até o final dos anos 80, quando a praga da vassoura de bruxa dizimou a cultura e empurrou o Brasil para sétimo lugar.  “Se a gente tivesse outro ciclo de pujança, daria para gerar 300 mil empregos na região,” diz Estevan. 

A Dengo acha que o cacau no Brasil caminha para ser como o vinho, com terroirs reconhecidos e uma denominação de origem controlada.

O Brasil ainda precisa de investimento técnico e científico para valorizar a cadeia, mas o microclima das várias regiões do sul da Bahia — aliado a práticas de manejo —  produz variedades de cacau com personalidades distintas.  Num cacaueiro plantado perto de uma bananeira, por exemplo, a análise sensorial da amêndoa mostra notas de frutas.

Há cerca de 2 mil variedades de cacau no mundo.  No Brasil, a Dengo faz chocolates baseados em varietais como o cacau Ph16, cruzamento de duas outras variedades que apresenta notas de nozes, ameixas e frutas frescas, ou o cacau Parazinho, de sabor intenso com toque de frutas amarelas e gostinho final com notas tostadas.

Mas enquanto tenta gourmetizar o chocolate e elevar o produtor de cacau, a Dengo tem o desafio de crescer para escalar seu modelo.

Bancos e fundos de private equity frequentemente procuram Guilherme para falar de sociedade.  Mas o que preocupa os fundadores não é a disponibilidade de capital, e sim as limitações de boa mão de obra nas lojas, bons pontos comerciais e até de produto.  Tudo precisa ser fatorado no ritmo de expansão.

Na prática, a Dengo é atormentada pela mesma dúvida que tira o sono de todo CEO obcecado com a integridade de sua marca:  como crescer mantendo a personalidade?

Hoje, a Dengo está apenas em shopping centers porque, como a marca ainda é desconhecida, ela precisa de alguma garantia de tráfego.  (Internamente, a companhia debate se já é hora de ir para a rua, ou mesmo shoppings de segunda linha.)

Na medida em que a base de lojas crescer, como evitar que os vendedores sucumbam ao grande clichê (deselegante) do varejo:  “Vai levar só isso hoje?”

“Não quero empresa mimada,” diz Guilherme. “Tem que decolar como startup — mas tem esse pensar grande na cadeia como um todo.  A nossa definição de sucesso é que esta cadeia evolua, e não só que a Dengo dê um bom lucro.  Mas para ajudar a mudar a cadeia, tem que dar um bom lucro, senão ninguém vai querer fazer.  Vão dizer que é brincadeira de rico.”