Controlar equipamentos com a mente, realizar cirurgias robóticas, projetar peças complexas em questão de minutos ou desenvolver novos medicamentos utilizando visão computacional.

Esses são alguns dos negócios nos quais a GRIDS Capital consegue investir. A gestora de venture capital brasileira foca num nicho mais conhecido como deep tech empresas que atuam na fronteira da tecnologia, em áreas como inteligência artificial, biotecnologia, robótica, nanotecnologia e internet das coisas.


10911 b1dada9c c063 803d d9ff 151af0c03dcc“Só investimos em setores onde existe uma barreira de entrada tecnológica significativa,” diz o fundador da GRIDS, Guy Perelmuter, que fez seu mestrado em engenharia elétrica com ênfase em inteligência artificial na PUC-Rio. “Quando decidimos fazer um investimento, não assumimos que a chance de sucesso é 5%; trabalhamos com chances de sucesso muito mais altas.”

A GRIDS tem um fundo de US$ 45 milhões — dos quais cerca de 85% já foram comprometidos — e está fechando a captação do segundo, de US$ 75 milhões. 

A gestora já investiu em empresas como a CRTL-Labs, comprada recentemente pelo Facebook; a Optimus Ride, de carros autônomos; e a Halter, que desenvolveu uma coleira que permite controlar as vacas remotamente.


Perelmuter, que foi chief risk officer do Banco Pactual e do UBS Pactual, conversou com o Brazil Journal sobre deep tech e explicou seu modelo de investimentos. 

AS QUATRO VARIÁVEIS DA DEEP TECH

Existem quatro variáveis que permitiram o crescimento da deep tech ao longo das últimas décadas. Primeiro, o aumento no poder de processamento dos circuitos integrados (há mais ou menos 60 anos, Gordon Moore, um dos fundadores da Intel, fez a previsão — que virou a lei de Moore — que ele conseguiria “duplicar as quantidades de transistores em cada microprocessador a cada 18 meses.”), acompanhado de uma redução de preço. Segundo, outra queda de preço, desta vez das memórias de computador: em 1980, ela custava US$ 6,5 milhões por 1 GB. Os smartphones mais simples hoje tem 8 GB, 16 GB… Hoje, cada giga não custa mais que US$ 4. Terceiro vetor: o preço dos sensores também caiu. Estes sensores permitem hoje monitorar objetos, máquinas, pessoas, plantas, bichos. Eles transformam numa entidade digital um objeto que é do mundo real. Por último, os smartphones, amplamente difundidos, e que permitem acesso à informação e interação entre pessoas e negócios.

Essas quatro variáveis estão viabilizando o crescimento de áreas como inteligência artificial, robótica, internet das coisas, biotecnologia, e são as áreas de investimento da GRIDS. Ao contrário da maior parte do mercado de VC ao redor do mundo, não focamos em fintechs, ecommerce, social media ou enterprise software.

BARREIRA TECNOLÓGICA

Todas as empresas, independente de suas respectivas áreas de atuação, são impactadas por vetores de deep tech. O que vai fazer as grandes empresas de alimentos e bebidas sobreviverem às mudanças que estão chegando não é investir num app de filtro de foto no celular; é saber o que eu tenho em nanotecnologia para ajudar seus processos, o que eu tenho em impressão 3D, em engenharia aeroespacial, em agtech. Essas grandes empresas são os grandes tomadores das tecnologias nas quais investimos.

Em 2019, quase 30% dos investimentos em venture capital foi feito por grandes empresas, pelos incumbentes de todos os setores. Ninguém quer ser a próxima Kodak ou Blockbuster. Ninguém quer ficar pra trás porque deixou de investir US$ 10 milhões, US$ 20 milhões, US$ 50 milhões, ou até US$ 1 bilhão numa startup que muda seu modelo de negócios. 

ACESSANDO AS OPORTUNIDADES

Vamos pensar num PhD em robótica, que acabou de terminar o doutorado em uma Universidade de primeira linha. Ele recebeu bolsas, verbas para fazer a pesquisa e chegou num ponto em que desenvolveu um modelo de um robô novo para colocar em centros de distribuição de grandes empresas. Ele precisa de US$ 1 milhão para contratar uma equipe, achar um espaço e montar esse robô. 

Esse empreendedor vai para o mercado buscar o recurso. O primeiro candidato que ele procura é um fundo de venture capital que está no Vale do Silício há 20 anos e que é especializado em ciência da vida, mas que está começando a olhar para robótica. O segundo é um que está há 15 anos no Vale do Silício e só faz robótica. Já o terceiro é um fundo da América Latina. Os três têm dinheiro pra dar. Mas o segundo além do dinheiro, dá 15 anos de experiência em robótica nos EUA. Obviamente, esse empreendedor vai escolher o segundo, porque não é só dinheiro, é networking e experiência na área.

Eu vou para os empreendedores de mais qualidade que consigo e descubro quem são os nomes no topo da lista deles de potenciais investidores para suas empresas. Ou seja, descubro quem são os melhores investidores de robótica, biotecnologia, inteligência artificial, etc. Depois disso, utilizando uma rede de relacionamentos na qual estamos trabalhando há mais de 20 anos, e investimos nesses fundos aspiracionais, que todos os empreendedores querem estar junto. Montamos nossa rede de ciências da vida, robótica, nanotecnologia, e com isso conseguimos neutralizar a seleção adversa. Como temos relacionamento com os melhores investidores de cada área, conseguimos ter um deal flow diferenciado. Investindo com esses fundos especializados eu não vejo só uma startup de robótica, mas virtualmente todas as startups qualificadas de robótica. 

INVESTIMENTOS DIRETOS

Mas não investimos apenas em fundos. Fazemos as duas coisas: entre 55% e 65% do dinheiro da GRIDS vai para os fundos, para comprar o deal flow através de investimentos nos melhores fundos do mercado, e 35% a 45% para investimentos diretos em startups. Mas nesse caso também usamos nossa rede. Investindo nos fundos, já acessamos um conjunto diferenciado de empreendedores e negócios. Quando esses negócios começam a ganhar tração, buscamos o co-investimento. Nosso business é um modelo de controle de risco: eu minimizo a chance de perder os caras bons, e maximizo a chance de investir nos caras que tem uma chance de sucesso razoável e que já foram filtrados. Isso tem dado tão certo que estamos inclusive co-investindo em fundos que não fazem parte do nosso portfólio, mas que se interessam em estabelecer uma parceria em função de nosso posicionamento estratégico.

DEEP TECH NO BRASIL?

Há três motivos para estar no Brasil: primeiro, porque não temos hoje interesse de concorrer com os fundos nos quais investimos, queremos ser parceiros deles. Segundo, nossa base de networking e de investidores está aqui. Terceiro, e acho que o mais importante, acreditamos que o Brasil tem potencial para ser um player na área de deep tech. Temos massa crítica de intelectuais e de técnicos. Apesar do êxodo dos últimos anos, o Brasil é um dos 20 países mais relevantes do mundo na publicação de artigos técnico-científicos. Mas em qualquer ranking de competitividade, o Brasil se sai muito pior do que seu potencial permite.

A inovação de base científica começa ainda na universidade, um ambiente conectado às agências governamentais de fomento, ministérios, órgãos de pesquisa. Isso dilui o risco para o investidor em alta tecnologia, mas é algo que ainda não é comum no Brasil em função das dificuldades para transbordar o trabalho de alta qualidade realizado nesses centros para a sociedade como um todo.