Dentre todas as leviandades que marcam a reação do Governo às descobertas do petrolão, a insinuação da Presidente Dilma Rousseff de que os problemas da Petrobras tenham a ver com ‘inimigos externos’ é a mais cínica e inaceitável — ainda mais para uma mandatária cuja própria biografia está misturada a tudo que aconteceu na Petrobras nos últimos 12 anos, tanto por ter sido ministra de Minas e Energia e Casa Civil quanto por ter presidido o conselho de administração da empresa.
Antes mesmo de produzir a fantasia sobre “inimigos externos” — talvez os alienígenas de Orson Welles em sua fictícia “Guerra dos Mundos” — a Presidente Dilma passou o mês de dezembro empenhada em outra mistificação: a ideia de que é preciso nomear um ‘ministério Frankenstein’ para governar o Brasil.
Convenhamos. Depois de todo o aparelhamento e pilhagem que os últimos governos patrocinaram na Petrobras, e depois daquele papo de que havia entendido o recado das urnas (de que o País queria mudança), a Presidente devia aos brasileiros um ministério minimamente qualificado, jamais um concurso de incompetência entre derrotados nas urnas e gente admitidamente ignorante.
Quando a política é apenas ‘a arte do possível’, quando não há ousadia nem coragem, quando falta criatividade para se construir um caminho alternativo ao mau caminho, a política perde sentido. Passa a ser uma farsa — ou um fim em si mesmo.
Todo mundo já sabia que o PT é avesso à autocrítica — e a despedida à la Richard Nixon de Gilberto Carvalho (“I am not a crook”) sepultou qualquer dúvida — mas agora sabemos que também a Presidente é incapaz de uma reflexão e de uma admissão de suas responsabilidades pessoais. Mesmo ela, dona de 51,64% dos votos válidos. Segundos mandatos servem justamente para isto: permitir mudanças de rota e reconhecimentos difíceis. Mas no Brasil, é mais fácil uma empreiteira ter um contrato limpo com a Petrobras do que um político admitir que errou.
A (boa?) notícia é que a Presidente Dilma não inventou esse “diversionismo da incompetência.”
Quando se trata de se eximir de responsabilidade e invocar ‘inimigos externos’, a Argentina tem currículo. A ‘senha’ de que é hora de achar um gringo-nada-a-ver-com-a-estória para botar a culpa já foi captada em Buenos Aires. Numa entrevista ao Página12 publicada neste domingo, o ministro da economia portenho, Axel Kicillof — uma cruza intelectual de Arno Augustín com Leonel Brizola — afirmou que Argentina e Brasil vêm sendo “vítimas de um ataque financeiro de fundos especulativos com fins políticos,” segundo relato da AFP.
“O ataque simultâneo contra Argentina e Brasil está gerando um descalabro financeiro na região”, disse Kicillof, interditando qualquer relação de causa e efeito entre sua própria política econômica e o tal ‘descalabro’. Disse ainda que se trata de “uma estratégia generalizada que está utilizando a questão financeira como campo de batalha contra determinados processos políticos”.
Então ficamos assim: você é acionista de uma padaria junto com um sócio. O sócio emprega os parentes no negócio, dá descontos inexplicáveis para os amigos, compra trigo superfaturado, a padaria quebra… e a culpa é do banco que veio cobrar a duplicata.
Depois de Lula, Kirchner e Rousseff, o “Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano” terá que ser reeditado com outro título: o “Manual do Cínico Latino-Americano.”
Kicillof se referia especificamente ao fundo de investimentos Aurelius, de Nova York, que foi à Justiça dos Estados Unidos para receber pagamentos como credor da dívida argentina e agora exorta os credores da Petrobras a notificarem a empresa.
O Aurelius “acaba de iniciar uma campanha contra a Petrobras, alegando que a estatal brasileira fraudou informações financeiras”, explicou Kicillof, falando do que desconhece e se metendo onde não deve. “Este paralelo (entre a dívida da Argentina e a situação da Petrobras) não é gratuito nem casual.”
É verdade que o Aurelius quer fazer valer seus direitos e ganhar dinheiro com isso — exatamante o que o Governo deveria querer para a Petrobras. O único ‘processo político’ que está sendo perturbado aqui é o roubo avassalador do patrimônio público. O fim deste roubo (e suas repercussões judiciais) atinge interesses próximos à Presidente Dilma, e não tem nada a ver com inimigos externos.
Em vez de encarar o problema de frente e chamar as coisas pelo que são, a Presidente faz lembrar aquele verso de Cazuza em ‘Ideologia’: “aquel(a) garot(a) que ia mudar o mundo/agora assiste a tudo em cima do muro.”
Nos anos 70, Dilma Rousseff travou uma batalha de vida ou morte contra um inimigo real: uma ditadura que a torturou e assassinou brasileiros. Agora, sem assunto, sem ideias e sem boas desculpas, busca um novo inimigo a quem debitar a implosão da Petrobras. Pode tentar Darth Vader, Lex Luthor, o Coringa.. e ver se alguma coisa cola.