A conversa era sobre maconha – mas no fundo era sobre muito mais.
Numa autocrítica franca e refrescante para um membro do STF, o ministro Luiz Fux disse que o Brasil “não tem governo de juízes” e que um “protagonismo deletério” está “corroendo a credibilidade dos tribunais.”
Fux estava proferindo seu voto sobre a descriminalização do porte da maconha, mas o ministro falou mais amplamente sobre a competência do tribunal e fez uma reflexão – em suas palavras, um ‘exame de consciência’ — que em muitos aspectos acolheu as críticas crescentes da sociedade sobre um protagonismo exacerbado do STF.
“Não se podem desconsiderar as críticas — em vozes mais ou menos nítidas e intensas – de que o Poder Judiciário estaria se ocupando de atribuições próprias dos canais de legítima expressão da vontade popular, reservada apenas aos poderes integrados por mandatários eleitos,” disse Fux. “Nós não somos juízes eleitos. O Brasil não tem governo de juízes!”
Mas o ministro atribui grande parte do problema ao sistema político – Executivo e Legislativo – que não querem o ônus de decisões impopulares e empurram os impasses para a Corte.
Para ele, o Judiciário é instado “cotidianamente” a decidir questões “para as quais não dispõe de capacidade institucional.”
“As instâncias próprias não resolvem os problemas e o preço social é pago pelo Judiciário! Por quê? Porque nós não somos juízes eleitos e não devemos satisfação ao eleitor. ‘Então manda pro Judiciário!’”
Segundo Fux, “o uso imoderado das ações constitucionais” tem feito com que o Supremo ”passe a não gozar da confiança legítima da sociedade.”
Segundo Fux, “essa prática tem exposto o Judiciário – em especial o STF – a um protagonismo deletério, corroendo a credibilidade dos tribunais quando decidem questões permeadas por desacordos morais que deveriam ser decididas na arena política.”
“É lá [na política] que tem que ser decidido! É lá que tem que pagar o preço social! Não é que nós tenhamos receio – mas nós temos que ter deferência, porque no Estado democrático a instância maior é o Parlamento. No Estado democrático a instância maior é o Parlamento!” disse e repetiu.
Para o Ministro, “pior do que não saber Direito é um juiz que não tem coerência. Também estou dizendo isso para mim, porque eu fiz este discurso [antes].”
“Respeito todas as opiniões, [mas] estou fazendo um exame da minha consciência aqui. Essa disfuncionalidade desconhece que o STF não detém o monopólio das respostas e nem é o legítimo oráculo para todos os dilemas morais, políticos e econômicos da Nação. Tanto quanto possível, os poderes Legislativo e Executivo devem resolver interna corporis os seus próprios conflitos e arcar com as consequências políticas de suas próprias decisões.”
Para ele, “o Judiciário deve atuar movido pela virtude passiva – devolvendo à arena política-administrativa os temas que não lhe competem à luz da Constituição.”
O comentário de Fux mostra que pelo menos alguns membros da Corte estão sensíveis à percepção crescente na sociedade de que o STF adquiriu uma centralidade desproporcional na vida do País, decidindo das questões mais prosaicas às mais complexas.
Mas a autocrítica está longe de ser hegemônica no Supremo. O ‘exame de consciência’ de Fux vem cinco dias depois do ministro Dias Toffoli dizer que os juízes da Corte são legitimados “por 100 milhões de votos.”
“Se somarem os votos dos presidentes da República … aos votos dos senadores que nos aprovaram, todos aqui estamos legitimados em cerca de 100 milhões de votos,” Toffoli disse quinta-feira passada.