O Palmeiras foi eliminado mais uma vez antes de conquistar o tão sonhado título no Mundial de Clubes. E como num ritual que se repete há décadas, o bordão voltou com força: “O Palmeiras não tem Mundial”

O curioso é que ele não se sustenta apenas no fato: há muitos clubes que também não conquistaram o torneio. O que transforma a ausência em motivo de deboche é o contexto. 

O São Paulo tem. O Corinthians tem. O Santos tem. O que pesa para o palmeirense é estar cercado por rivais com aquilo que falta a seu time. Quando todos ao seu redor possuem algo e você não, a ausência ganha outra dimensão.

É essa comparação que transforma a falta em estigma, a diferença em exclusão. Não importa o número de títulos nacionais ou o peso da história do clube, a provocação sobrevive porque seus maiores rivais têm o troféu.

Mas essa lógica vai muito além do futebol. Troque a arquibancada pela sala de aula. 

Pense na criança de 9 ou 10 anos que não tem celular porque os pais, com consciência e coragem, decidiram adiar o presente. Não é o “não ter” que dói tanto. É o fato de todos ao redor já terem. Os grupos de amigos combinam jogos online, compartilham vídeos no TikTok, trocam mensagens no WhatsApp. Ele ou ela simplesmente não faz parte. 

Em um estudo publicado pela UNICEF, 37% das crianças e adolescentes relatam já ter sofrido bullying, e, em muitos casos, o gatilho não é quem elas são, mas o que elas têm (ou deixam de ter). Numa geração hiperconectada, o celular se tornou símbolo de pertencimento. Quem não possui está fora do círculo social. 

O mesmo acontece com quem não vai à balada aos 13 anos, não bebe com os colegas, não tem acesso irrestrito às redes sociais. O problema não é a regra. É o isolamento de ser o único sujeito a ela. 

E é aqui que pais e educadores precisam parar e refletir: estamos cedendo aos filhos por convicção ou por medo de que eles sejam excluídos? 

A educação não é uma tarefa individual.

Ao temer que nossos filhos sejam os “únicos sem Mundial,” muitas vezes cedemos por autoproteção – quando deveríamos resistir por convicção.

Na ânsia de evitar o desconforto de nossos filhos, talvez estejamos abrindo mão de algo maior: a oportunidade de formar pessoas com limites claros e autonomia emocional. 

E se mudássemos o enfoque coletivo? E se o grupo de WhatsApp dos pais deixasse de ser palco de fofoca ou críticas rasas à escola e se tornasse uma ferramenta de construção coletiva? E se os pais combinassem critérios comuns sobre o uso de celulares, jogos online ou baladas? 

Imagine turmas onde nenhum aluno terá celular antes dos 12 anos porque todos os pais concordaram. Ou onde todos respeitam horários comuns para jogos e internet.  Dessa forma, a criança que segue a regra não será “diferente”: será parte de um critério coletivo. 

Culturalizar valores é mais eficiente do que impor regras isoladas. Pais alinhados criam um ambiente onde limites se tornam naturais, e comportamentos, mais saudáveis. 

Educar exige coragem. É nadar contra a corrente. É sustentar o difícil no presente para que nossos filhos tenham autonomia amanhã. Talvez o maior presente que podemos dar a eles não seja o último iPhone ou a liberdade de fazer tudo o que os outros fazem.

Talvez seja justamente o contrário: o espaço para descobrirem quem são sem depender da aprovação do grupo. A possibilidade de serem únicos, sem medo de serem diferentes. 

Porque no fim, vale muito mais um filho sem celular aos 10 anos – com sono saudável, criatividade em florescimento e autoestima fundamentada – do que uma criança conectada 24 h com um vazio emocional do tamanho do mundo. 

O mundo está cheio de filhos com “mundiais”, prêmios e permissões que os tornam iguais aos outros. O desafio é formar pessoas que se sintam completas mesmo quando são diferentes. O maior troféu que podemos lhes dar é a liberdade: a liberdade de existir, de se sentir inteiro, mesmo sem ser igual aos outros. 

Essa é a única “taça” que realmente importa.

Daniel Castanho é fundador da Anima Educação.