O dramaturgo J. T. Rogers, de 55 anos, e o diretor teatral Bartlett Sher, de 64, não renegam a importância de autores clássicos, como Anton Tchekhov (1860-1904), William Shakespeare (1564-1616) ou Terence Rattigan (1911-1977). Pelo contrário, estes e outros nomes se mantêm como inspiração para a construção de suas obras.
O que interessa a Rogers e Sher, entretanto, é criar narrativas contemporâneas capazes de despertar o interesse do público e conversar com as constantes transformações da vida real.
Corruption, a nova peça escrita por Rogers e encenada por Sher, propõe um diálogo com os tempos atuais – tanto no argumento escolhido para o texto como nos recursos utilizados na encenação.
O espetáculo estreia em 11 de março no Lincoln Center depois das tradicionais sessões prévias, que funcionam como aquecimento para a temporada regular desde 15 de fevereiro.
O elenco é composto por treze intérpretes e apresenta nos créditos principais o ator inglês Toby Stephens, famoso como o vilão do filme 007 – Um Novo Dia para Morrer e o Capitão Flint da série Black Sails, e a atriz e ex-modelo inglesa Saffron Burrows, conhecida pela série Law & Order, em sua primeira investida nos palcos de Nova York.
Baseada no livro Dial M for Murdoch: News Corporation and The Corruption of Britain, publicado por Tom Watson e Martin Hickman, Corruption desvenda os bastidores do escândalo do grampo ilegal de telefones de políticos, celebridades e até integrantes da família real que envolveu Rupert Murdoch e seu tabloide News of the World em 2011.
Invasão de privacidade, desespero por furos de reportagens a qualquer preço ou tentativa de manipulação das informações? O fato, que surpreendeu o mundo e desafiou a política inglesa, abalou o prestígio de Murdoch, que tirou o jornal de circulação, cancelou planos de expansão dos seus negócios e teve que responder a processos civis.
A trama de Corruption gira em torno do parlamentar inglês Tom Watson (interpretado por Stephens), que, depois de ser hackeado e difamado pelos jornais de Murdoch, se une a jornalistas, advogados e políticos e descobre um esquema muito mais traiçoeiro do que todos podiam imaginar. Ao denunciar o processo criminoso, o político arrisca o próprio pescoço e percebe que muitos outros homens e mulheres também sofreram por ter a própria liberdade vasculhada.
A principal oponente de Watson é a jornalista Rebekah Brooks (representada por Burrows), a editora do News of the World na época em que o jornal teria feito os grampos e hoje CEO da News Corp no Reino Unido.
O protagonista, no entanto, não é desenhado como herói, mas como uma figura controversa que pode tanto envolver o público em uma teia de suspense quanto fazer parte de situações divertidas. Aliás, autor e encenador garantem que Corruption não é um espetáculo pesado – é “entretenimento de qualidade,” apesar da temática séria.
Um dos mais provocativos diretores da atualidade, Bartlett Sher oferece à plateia uma interface de recursos tecnológicos que permite maior fluência à encenação.
Projeções de vídeos ao vivo, transmissões de conteúdos em telas espalhadas pelo cenário e troca de mensagens são exploradas e colaboram para a dinâmica do trabalho de atores e atrizes – algo que Sher batiza como a “atuação do século XXI”.
Os intérpretes entram em cena com seus smartphones em punho e mandam recados ou postam tuítes enquanto se desenrolam os diálogos da peça. Trata-se de uma adaptação a uma nova realidade do público, que dificilmente ficará totalmente desconectado durante as quase três horas de duração da montagem e poderá, inclusive, divulgá-la em tempo real a seus seguidores.
A expectativa em torno de Corruption tomou vulto porque esta é a primeira parceria de Rogers e Sher desde o grande sucesso de Oslo, que estreou em 2016 no mesmo Mitzi E. Newhouse Theater do Lincoln Center. O espetáculo venceu sete prêmios de melhor peça do ano, entre eles o Tony, e foi visto na Inglaterra, Coreia do Sul, Noruega, Alemanha, Israel e Japão.
Um thriller político, Oslo criou uma ficção inspirada nos bastidores dos acordos de paz entre Israel e a Organização para a Libertação da Palestina na década de 1990. Uma versão cinematográfica, dirigida pelo próprio Sher sob a produção executiva de Steven Spielberg para a HBO, foi lançada em 2021 com os atores Andrew Scott e Ruth Wilson nos papéis principais.
Se Oslo nasceu como uma peça e parou no audiovisual, Corruption teria seguido o caminho inverso – não fosse a greve dos roteiristas de Hollywood no ano passado, que levou Rogers e Sher a canalizar as energias para o palco. Não será surpreendente, portanto, se, depois de um eventual sucesso da temporada em Nova York, o escândalo Murdoch ganhar as telas em breve.